Acórdão nº 03P2719 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução16 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O tribunal colectivo de Vila Flor, absolveu JBV e AFB, devidamente identificados, do crime de «furto qualificado» de que vinham acusados. Inconformado, o Ministério Público recorreu em 04Jul02 - em recurso dirigido aos «Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa» - da decisão absolutória do arguido, pedindo a revogação do acórdão e a condenação do visado como autor de um crime de furto qualificado. Mas a Relação do Porto, «declarou-se incompetente em razão da matéria e da hierarquia para conhecer do recurso» e determinou a «remessa dos autos ao STJ, por se [lhe] afigurar ser ele o competente». Subidos os autos, o Ministério Público, em seu parecer sustentou «dever ser declarado nulo» o acórdão da Relação que entretanto se considerou incompetente para apreciar o recurso: Este acórdão da Relação do Porto transitou mas será nulo e de nenhum efeito por ter atribuído competência, em razão da matéria e da hierarquia, ao Supremo Tribunal de Justiça para julgar um recurso quando este é um órgão hierarquicamente superior dos tribunais judiciais (art. 210° da Constituição e art.s 379.1.c e 119.e do CPP). Não pode, assim, ser conhecido neste Supremo um recurso que foi interposto, com fundamentos legais, para a Relação. E não se pode colocar, sequer, a hipótese de conflito de competência entre os acórdãos da Relação que atribuem competências ao S.T.J. e os acórdãos do Supremo que atribuem à Relação, exactamente porque a hierarquia entre os dois tribunais é diferente e não é possível a intervenção de um órgão diferente e superior para resolver o diferendo entre um tribunal superior e um inferior. A Relação do Porto, ao não conhecer um recurso para aí dirigido ao abrigo do disposto nos arts. 427° e 428° do CPP, e oficiosamente decidir atribuir competência ao Supremo, proferiu um acórdão ferido não só da nulidade prevista no art. 379°, n° 1, al. c), aplicável por força do n° 4 do art. 425°, como também de nulidade insanável prevista no art. 119°, al. e), todos do Código de Processo Penal (STJ 03.02.2000, proc. 1189/99-3, 28.06.2001, proc. 119/01, 13.12.2001, proc. 7911/01-5, 10.04.2002, p. 150/02-3, 4/7/2002, p. 1550/02-5 e 28.11.02, p. 4192/02-5). Ainda que se questione a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação só sobre questões do direito, mantemos o que já temos defendido e tem sido jurisprudência relevante no Supremo Tribunal de Justiça. É que visando este recurso apenas matéria de direito somos ainda do parecer que a Relação do Porto o pode e deve apreciar, por não caber, exclusivamente, ao Supremo Tribunal de Justiça resolvê-lo sobre essa matéria. Com a entrada em vigor das alterações do Código de Processo Penal (Lei 59/98) não se mostra tão claro e conclusivo que os recursos sobre matéria de direito caibam exclusivamente ao STJ, até porque não se encontra em vigor apenas o art. 432° no que se refere a competência, mas também os artigos 427°, 428° e 433°, do CPP. Por um lado foram "ampliados os poderes das Relações evitando-se que decidam, por sistema, em última instância" (Exposição de motivos da Proposta de Lei). Por outro lado, pretende-se ressalvar "a ideia da tramitação unitária que deixa, no entanto, de corresponder à configuração de um único modelo de recurso" (idem). O artigo 427° do CPP diz "exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a Relação". O artigo 428° dispõe "As relações conhecem de facto e de direito". Destas redacções pode-se concluir, porque delas resulta, que os Tribunais da Relação, independentemente do Supremo Tribunal de Justiça, também conhecem da matéria de direito. E a excepção à regra geral da competência de recursos de decisão da 1.ª instância ser o Tribunal da Relação (art. 427°) é o caso do recurso das decisões finais do tribunal de júri - recurso directo para o Supremo. Voltou a ser diminuta a falta de comunicação entre a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos de recursos sobre matéria de direito (duplo grau de jurisdição), pois que, com as alterações introduzidas, não só se estabeleceu a regra geral do 1º recurso, mesmo sobre matéria de direito, ser para o Tribunal da Relação, como deixa o próprio recorrente optar logo pelo Supremo Tribunal de Justiça. O acórdão da Relação do Porto considerou que os fins eminentemente públicos do processo penal e o princípio do juiz natural não se coadunam com a livre opção do recorrente de recorrer para o tribunal que entender, porque se transformava num recurso "à la carte". Mas com este fundamento não é defendido expressamente qualquer inconstitucionalidade o que aliás nos parece não se verificar, pois, constitucionalmente, o exercício da função jurisdicional não é apenas um problema de estatuto de juízes, ao assegurar a sua independência material e pessoal, mas também a proibição de tribunais de excepção e a garantia do juízo legal. Por outro lado o Tribunal Constitucional tem considerado não existir, com dignidade constitucional, o princípio do duplo grau de jurisdição, só porque uma causa deva ser reapreciada por um juiz de segunda instância, quando seja interposto recurso da decisão do juiz de primeira instância. Uma das garantias de defesa no n° 1 do art. 32° é o direito ao recurso ("o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso") e só a extinção de instâncias relativamente a processos pendentes é que se poderá enquadrar na violação dos princípios de protecção da confiança e de juiz legal (nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior - n° 9). Não conseguimos descortinar que haja direitos de defesa violados quer pelo MP ou pelos próprios arguidos quando recorrem por questões de direito para o tribunal superior, escolhendo livremente o Tribunal da Relação ou o Supremo. Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional, relativamente à determinação de competência do tribunal singular para julgamento de certos crimes (art.º 16°, n° 3 do CPP), tem sido no sentido de não ser violado o n° 7 do art. 32° da Constituição (na actual redacção, n° 9), que estabelece o princípio do juiz natural ou do juiz legal, por não se verificar qualquer modo e criação de um tribunal ad hoc ou uma definição individual e arbitrária de competência ou ainda o desaforamento concreto e discricionário de uma certa causa penal. Não vemos que com a livre escolha de um tribunal superior, qualquer recorrente possa violar os fins eminentemente públicos de processo penal, o princípio de juiz natural, as garantias de defesa, ps. no art. 32° da Constituição. Notificados o arguido e o assistente não reagiram ao parecer do Ministério Público. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da mencionada questão prévia. Com três observações preliminares: a) A primeira é a de que é a de que não se põe em causa que o recurso verse exclusivamente o reexame de matéria de direito. b) Em segundo lugar, observar-se-á que a questão tem sido objecto de tratamento por banda deste Supremo Tribunal em vários arestos que seguem a orientação que aqui se vai reiterar. (1) c) Finalmente, que, ao que se sabe, a questão é já objecto de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, pendente neste Supremo Tribunal, sendo o tribunal pleno o mais adequado para a solucionar com alguma estabilidade. Até lá, não...

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