Acórdão nº 03P2852 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Data22 Outubro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No 3º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, em processo comum, com o nº. 1815/97.OTAOER, com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento A, devidamente identificado nos autos, vindo, a final, a ser condenado como autor material da prática de: Um crime de actos homossexuais com adolescentes, p. e p. pelo artº. 175º nº. 1, do CP., na forma continuada (na pessoa do ofendido B), na pena de 22 (vinte e dois meses de prisão) e de um crime de actos homossexuais com adolescentes, p. e p. pelo artº. 175º nº. 1, do CP (ofendido C), na pena de 20 (vinte) meses de prisão, em cúmulo jurídico na pena unitária de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão. I. Inconformado com a decisão do Colectivo que assim o condenou, interpôs o arguido recurso, de cuja motivação se retiram as seguintes conclusões: O artº. 175º do CP., quando confrontado com o artº. 174º do CP. está em clara violação da Constituição, particularmente dos seus artºs. 13º nº. 1 e 26º nº. 1 e várias convenções internacionais às quais Portugal aderiu, entre elas se contando a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tal preceito trata diferentemente os comportamentos consoante a natureza dos actos sexuais, revelando um desvalor especial da homossexualidade, assentando na convicção de que as relações heterossexuais são "normais". É que se os requisitos que são exigidos para o crime de actos sexuais com adolescentes fossem os mesmos que os exigidos para os crimes de actos homossexuais com adolescentes, o arguido teria sido absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, porque custaria a acreditar que ele teria abusado da inexperiência sexual do B e de C. Os actos sexuais de relevo apenas são puníveis, quando praticados com menor entre 14 e 16 anos, abusando-se da sua inexperiência, nos termos do artº. 174º nº. 1, do CP., porém, tratando-se de actos homossexuais nos termos do artº. 175º, do CP, não se faz semelhante exigência. Deve, pois, declarar-se a inconstitucionalidade do artº. 175º, do CP., absolvendo-se o arguido dos crimes por que foi condenado. Nos termos do artº. 178º, nº. 1, do CP., o crime de abuso sexual de menores e o de homossexuais com adolescentes dependem de queixa. D, E e F não apresentaram queixa contra o arguido e G só apresentou queixa contra o arguido quando já tinha 17 anos de idade, tendo o direito de queixa caducado nos termos do artº. 115º, nº. 1, do CP.. A questão de se aferir se o M.P. carece de legitimidade para o exercício da acção penal não se apresenta como meramente académica pois o arguido foi condenado em 20 meses de prisão como autor de um crime de actos homossexuais com adolescentes em que seria ofendido C. Ao dar início ao procedimento o M.P. invocou que "...Tal é o interesse das próprias vítimas, não havendo nos autos qualquer elemento que o desaconselhe. Aliás as mesmas prestaram declarações esclarecedoras nos autos. Ouvidos, não vieram declarar não pretender procedimento criminal". Essa fundamentação é manifestamente insuficiente. O próprio Colectivo reconheceu que M.P. deveria ter desenvolvido um pouco mais, no seu despacho, os motivos que o levaram a tomar a incitativa quanto ao exercício da acção penal. Ora se o Colectivo assim considerou, deveria ter declarado que o M.P. carecia de legitimidade para o exercício da acção penal relativamente aos factos da acusação em que seria ofendido o D, o E e o G e arquivar os autos. Não se aceita a interpretação feita pelo Colectivo de que o artº. 178º nº. 2, do CP, na redacção introduzida pela Lei nº. 65/98, de 2/9, que passou a ser o nº. 4 deste mesmo preceito em conformidade com a redacção introduzida pela Lei nº. 99/2001, de 25/8, no sentido de conferir natureza pública ao crime por que foi acusado. A natureza semi-pública é conferida aos crimes previstos no artº. 178º, nº. 2, do CP, porque a intervenção do direito penal pode ser mais prejudicial do que benéfica. O nº. 2 do artº. 178º, do CP., apenas permite ao M.P. tomar as providências necessárias aos interesses da vítima, mas não deduzir uma acusação sem ter havido previamente a apresentação de uma queixa-crime por parte do seu titular. - Ac. Rel. Porto, de 3.12.97, C.J., Ano XII, tomo V, 233 e segs. Deveria o M.P. ter-se abstido de acusar o arguido pela prática dos factos em que seriam ofendidos D, E e G, por falta de legitimidade, mas tendo-o feito o Colectivo devia ter declarado a ilegitimidade do M.P. para acusar, como o arquivamento dos autos. Deve o acórdão ser revogado na parte em que considerou procedente a excepção suscitada na contestação pelo arguido e substituído por outro que declare a ilegitimidade do M.P. para o exercício da acção penal relativamente aos factos constantes da acusação nos quais seriam ofendidos D, E e G, determinando o arquivamento dos autos. As penas aplicadas ao arguido foram excessivas, existindo, até, uma incoerência entre elas, muito próximas entre si, contemplando, no entanto, situações muito diferentes. O Colectivo não ponderou situações e circunstâncias que se mostram definidas nos autos e que levariam a uma fixação mais leve. De facto os arguidos, segundo revelam os autos, eram prostitutos que frequentavam o Terreiro do Paço e o Parque Eduardo VII. Eles tomaram a iniciativa de vir ao encontro do arguido sabendo e querendo ter relacionamento com ele. O arguido nunca tomou a seu cargo qualquer acto de persuasão ou medida de coacção sobre os referidos B e C para terem relacionamento com ele. O arguido apenas teve encontros com o ofendido B durante um único mês e só teve um encontro com o C, logo não de forma reiterada, persistente e de forma quase compulsiva, ao contrário do que foi julgado pelo Colectivo. Qualquer pessoa que se dirija hoje ao Parque Eduardo VII, Cais do Sodré ou Terreiro do Paço encontra pessoas a prostituirem-se, sem qualquer tipo de repressão policial. Os factos por que o arguido foi condenado deram-se antes de a comunicação social ter suscitado uma autêntica "cruzada" contra os crimes de abuso sexual de menores, não tendo aquela qualquer escrúpulo em exibir filmes ou reportagens com menores vítimas da chamada pedofilia. O Colectivo não considerou o facto de o arguido ter leccionado num liceu, onde abundam adolescentes, sem ter tido uma única queixa por parte dos seus colegas, pais ou alunos. O arguido, é, de resto, reputado um bom profissional pelos seus pares. Estes factos provam que a vontade de relacionamento sexual não podia ser "quase compulsiva", não se justificando uma tão forte necessidade de prevenção. O Colectivo não considera que o arguido já sofreu uma pena muito severa, tendo sido condenado na praça pública e que nunca mais poderá voltar a dar aulas. O arguido teve bom comportamento no estabelecimento onde se encontra preso em prisão preventiva. Foi detido em 7 de Agosto de 2001 no Aeroporto de Casablanca, em Marrocos, onde permaneceu até 6 de Março de 2002, numa prisão em que as condições eram imundas e extremamente precárias. O arguido esteve preso numa cela contendo 3, 5 metros por 3, 5 metros, uma retrete, um lavatório e com 20 reclusos. Assim o Colectivo nunca deveria ter aplicado ao arguido uma pena de prisão tão pesada e nunca superior à pena de prisão preventiva cumprida. Deve, pois, o arguido ser condenado na pena de 11 meses de prisão, pela prática de um crime de actos homossexuais com adolescentes, em forma continuada, p. e p. pelo artº. 175º nº. 1, do CP., de que foi vítima B e, por igual crime, na pessoa do C, em 6 meses de prisão, revogando-se o acórdão recorrido, fixando-se, em cúmulo jurídico, tendo em apreço os factos e a personalidade do agente, uma pena de 8 a 12 meses de prisão, suspensa na sua execução. II. Em contramotivação, o Exmo. Procurador Adjunto defendeu o acerto da decisão recorrida e, neste STJ, o Exmo. Procurador Geral-Adjunto, na vista que teve dos autos, requereu que se procedesse ao julgamento. III. Colhidos os legais vistos, e realizada a audiência, cumpre decidir, considerando que o Colectivo deu como assente o seguinte complexo factual: Em data não apurada do ano de 1999, um indivíduo de alcunha "...", contactou D, nascido a 6 de Abril de 1993, dizendo-lhe que o arguido A, estaria disposto a dar-lhe dinheiro caso acedesse a manter com ele relações de índole sexual. D aceitou tal proposta, dispondo-se a encontrar-se com o arguido A para aquele efeito. Na altura, D era aluno interno na Casa Pia de Lisboa, onde tinha sido admitido em 29 de Julho de 1996, contava 13 (treze) anos de idade, devido à incapacidade educativa dos pais adoptivos para lidar como os seus problemas de comportamento. Na sequência desta combinação e durante o ano de 1999 verificou-se o primeiro encontro entre o D e o arguido A que teve lugar no Centro Comercial ..., no Parque das Nações, em Lisboa (o qual abriu ao público no dia 21 de Abril de 1999). Seguiram, depois, para a residência do arguido A, sita na Rua ..., em Santo Amaro de Oeiras. Aí, no seu quarto, o arguido A, colocou a sua boca no pénis de D, fazendo sucessivos movimentos até à ejaculação deste. Terminadas tais práticas, o arguido A, entregou a D uma quantia entre os 5.000$00 (cinco mil escudos) e os 6.000$00 (seis mil escudos), na sequência do previamente combinado. Desde esse dia e durante mais de um ano, algumas vezes por mês, em períodos temporais não determinados, D e o arguido A encontravam-se, após prévia combinação, na residência deste, onde mantiveram, um com o outro, relacionamento sexual nos mesmos moldes descritos supra e mediante a mesma quantia pecuniária. Durante o final do ano de 1999 e no ano de 2000, em algumas ocasiões - em número não superior a quatro -, quando D se dirigiu à casa do arguido aí encontrou o arguido H. Nessas alturas, D e o arguido H dirigiam-se para o interior de uma das divisões da casa, onde o arguido H colocava a sua boca no pénis de D, fazendo sucessivos movimentos até à ejaculação deste. O arguido H pagava, então, a D, por tais actos, quantias entre os 5.000$00...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT