Acórdão nº 03P3231 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. No tribunal da 2ª Vara Mista de Sintra, foi condenado o arguido A, identificado nos autos, pela prática, em co-autoria material, dos seguintes crimes: a) - Dois crimes de roubo agravado, previstos e punidos pelos artigos 210.° n.1 e 2 al. b), com referência ao art. 204,°, n.° 2 al. f) do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, por cada um dos referidos crimes. b) - Um crime de roubo agravado, p. e p. pelas mesmas disposições legais, na pena de 3 anos de prisão. c) - Um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 275.°, n.°s 1 e 3 do Código Penal, na pena 10 (dez) meses de prisão. d) - Um crime de condução sem licença de condução de veículos motorizados p.p. pelo art. 3.°, n.° 2 do DL 2/98 de 3/1, na pena de 7 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena única de 6 anos de prisão Foi declarado perdoado 1 ano de prisão ao abrigo do art. 1.° da Lei n.º 29/99 de 12/5. e) - Foi ainda condenado como autor do crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos art.°s 131.°e 132.°, n.°s 1 e 2 al. c) e g) do Código Penal na pena de 5 anos de prisão. Efectuado o cúmulo iurídico com o remanescente das penas acima referidas (5 anos de prisão), foi condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão. 2. A referida decisão condenatória foi proferida na sequência de anulação por este Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 6/6/02) de anterior decisão, para que fosse proferido outro acórdão que levasse em conta o que viesse a constar do relatório social a respeito do arguido ou a resultar da perícia à personalidade deste, para além de dever ser ponderada a viabilidade da aplicação do regime especial para jovens constante do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro. 3. Discordando do decidido pelo tribunal colectivo, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão recorrida, negando provimento ao recurso. 4. Desta decisão recorreu agora o arguido para este tribunal, concluindo assim as razões da sua discordância: 1 - O art. 7.° n.º 2 do DL 39/95 de 15/2 é inconstitucional por violar de forma grave o direito de defesa do arguido (art. 30° CRP). Com efeito, 2 - O requerimento da cópia a que alude o preceito, no prazo nele mencionado, só se compreende no contexto de recurso da matéria de facto, seja em processo cível seja, como é o caso, em processo-crime. 3 - Só depois de saber qual a decisão final é que a parte pode decidir se quer recorrer, e em que termos e, logo, se carece para esse efeito da cópia das fitas magnéticas. 4 - A decisão final raras vezes é proferida no prazo máximo de 8 dias que o citado preceito refere, pelo menos em processo cível. 5 - Acresce ainda o facto de em processes de natureza criminal ou cível, transcrição no prazo referido se traduzir num acréscimo de trabalho para a secção e num gasto excessivo e quiçá desnecessário para a parte que a requer. 6 - Daí que a referência normativa aos 8 dias só pode ser entendida, nas suas vertentes de prática de actos inúteis, garantística do direito de defesa e concretização prática do disposto no art°s 412.º/4 e 101.°/2 CPP, como aferida a 8 dias após a sentença, sob pena de inconstitucionalidade. 7 - Inconstitucionalidade essa que se deixa desde já invocada para todos os efeitos de lei. 8 - Mas ainda que assim se não entenda, a condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, por referência ao art. 132° n.º 2 f) CP, é injusta por não terem ficado provados os elementos de cuja verificação a lei faz depender a aplicação o deste preceito. 9 - No que a esta condenação em particular concerne, o Tribunal "a quo" valorou errada e notoriamente a factualidade julgada assente, tendo consequentemente aplicado erradamente o Direito (art. 410°/2c) CPP). 10 - Com efeito, inexiste dolo específico no caso dos autos, sendo que o dolo especifico integra a tipicidade do art.º 132°/2f) CP pelo que, inexistindo, como inexiste, não se encontra preenchido aquele tipo qualificado, não podendo o recorrente ser condenado por este crime, ainda que na forma tentada. 11 - Se dolo resultou provado foi, quanto muito, dolo eventual de homicídio simples, entendido que seja que no circunstancialismo descrito quem dispara uma arma de fogo representa a morte como possível e se conforma com esse resultado. 12 - Mas não houve o dolo especifico que resulta inculcado da expressão normativa «ter em vista»., nem nada ficou provado que permita tirar tal conclusão. 13 - Como não houve, nem tal se mostra assente, a especial censurabilidade que caracteriza as condutas que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas. 14 - O mero preenchimento de uma das alíneas do art. 132° CP não permite concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente. 15 - Sendo que se concluiu pela existência de especial censurabilidade apenas pelo modo erróneo como foram avaliados os disparos: a culpa é sempre uma culpa do agente e não uma qualidade do facto, pelo que não pode entender-se que agiu com uma culpa agravada, com especial censurabilidade, quem, em fuga e tendo-se apoderado da arma da vitima, dispara instintivamente e de baixo para cima 3 tiros. 16 - Deverá, assim, o recorrente ser absolvido da prática de homicídio qualificado na forma tentada por referência ao art. 132°/2f) CP, com todas as legais consequências quanto ao cúmulo. 5. O Ministério Público na 1ª instância respondeu, pugnando pela manutenção do decidido. Neste Supremo, O Ministério Público teve vista dos autos, promovendo o julgamento. No despacho preliminar, não se vislumbraram circunstâncias que obstassem ao conhecimento do recurso. Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência de julgamento, tendo o Ministério Público defendido a desqualificação do crime de homicídio, e a defensora nomeada corroborado essa posição.. Cumpre agora decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 6. Factos provados: 1 - No dia 19/02/99, cerca das 20H30 horas, no Bairro da Fraternidade, Rua dos Navegantes, Lote ..., S. João da Talha - Loures, quando a ofendida B estacionava o seu automóvel "Nissan" 100 NX, de matricula UX, de cor vermelha no valor de 1.400.000$00, o arguido A, [...], de etnia cigana em conjugação de esforços, interesses e vontades e combinado com o arguido C, também de etnia cigana, abordou a dita ofendida fingindo, como artimanha, pedir-lhe uma chave de rodas que lhe pudesse emprestar, a fim de permitir uma aproximação pacifica e discreta. 2 - Entretanto, atrás do automóvel da ofendida já se encontrava parado o automóvel antigo e sem chapa de matricula à frente, da marca Renault 11, de matricula IJ, (cfr. fls. 25/26), pertencente ao arguido A, e à companheira deste, D, encontrando-se porém registado em nome de E, também de etnia cigana, encontrando-se no seu interior o co-arguido C. 3 - Sem dar resposta ao arguido A [...], este insistiu com a ofendida pedindo-lhe a chave de rodas, pelo que, sem alternativa face às insistências e atemorizada, a ofendida telefonou ao seu pai, F, que se...

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