Acórdão nº 03P3252 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução30 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Sob acusação pública para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal de júri, foi pronunciado RCMM, devidamente identificado, imputando - se - lhe a prática, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. no art.º 152º/2 do CP, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art.º 275.º/3 do CP, por referência ao art. 3.º/1/f do DL 207-A/75, de 17/04, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131.º e 132.º/1/2/c/h/i do CP, tudo por ter praticado os factos melhor descritos na decisão instrutória que consta de fls. 462 a 472. FOP, também identificado nos autos, foi admitido a intervir como assistente. O mesmo FOP e esposa, JNC, FMGC e esposa, CMNP, também identificados no processo, na qualidade de legais representantes dos menores RPM e RPM, deduziram pedido de indemnização contra o arguido, requerendo a condenação deste a pagar aos primeiros demandantes a quantia de € 1.038, acrescida da quantia que vier a ser equitativamente fixada nos termos mencionados no art.º 9.º do pedido de indemnização, e aos segundos demandantes a quantia global de € 165.210.47, tudo acrescido de juros calculados à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento, o que reputam necessário e suficiente para ressarcimento dos danos patrimoniais e morais emergentes do crime de homicídio imputado ao arguido. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com sede em Lisboa, deduziu pedido de indemnização contra o arguido, requerendo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 1.108, 52, correspondente ao subsídio por morte pago pelo demandante por causa do crime de homicídio imputado ao arguido, acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento. Efectuado o julgamento, o tribunal de júri veio a decidir, além do mais o seguinte: 1. condenar o arguido como autor de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 131º, 132º/1/2/h CP, na pena de vinte e dois anos de prisão, e como autor de um crime de maus tratos p. e p. no art. 152º/2 do CP, na pena de três anos de prisão, fixando em vinte e três anos e seis meses de prisão a pena única em que o arguido ficou condenado; 2. absolver o arguido da acusação, na parte em que se lhe imputava o preenchimento das circunstâncias qualificativas das alíneas c) e i) do n.º 2 do art. 132º do CP, bem assim como na parte em que se lhe imputava a prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. no art. 275º/3 do CP; 3. condenar o arguido a pagar aos demandantes F e esposa a quantia de € 1.038, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização e até integral pagamento; 4. condenar o arguido a pagar a cada um dos demandantes R e R a quantia de € 43. 699, acrescida de juros moratórios legais vincendos, a contar de hoje e até integral pagamento; 5. condenar o arguido a pagar a cada um dos demandantes R e R a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente à privação dos alimentos que lhes eram e continuariam a ser prestados por sua mãe, acrescida de juros moratórios legais vencidos e vincendos, a contar da data da notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento, não podendo ser excedida, na liquidação, a quantia global de € 77. 812, 47; 6. absolver o arguido de tudo o mais que os demandantes F e esposa peticionam; 7. condenar o arguido a pagar ao ISSS a quantia de € 1.108, 52, acrescida dos juros moratórios legais, a contar da notificação do arguido para contestar e até integral pagamento. Inconformado recorre o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, a quem confronta, em peça processual de patente deficiência técnica e manifesto desrespeito pelas normas que lhe impõem um resumo das razões do pedido e, assim, uma delimitação cuidada e sintética do objecto do recurso - art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - com esta verdadeira avalanche de conclusões: 1.º Nenhuma das testemunhas que descreveu em julgamento a vivência conjugal do arguido e da infeliz vítima referiu que os actos dados como provados nos pontos 2°) a 24°) dos factos provados foram repetidamente praticados, pelo menos desde 1999. 2° Aliás, as duas irmãs da vítima, CMP e PMPA, com depoimentos gravados respectivamente na cassete n.o 6, lado A, de 1463 a 2340, e do lado H, de 002 a 1720 e na cassete n.o 7, lado A, de 2134 a 2360 e do lado H, de 003 a 1226, bem como o pai da C M, FOP, com depoimento gravado na cassete n.o 2, lado A, de 1326 a 2360, nunca referiram que os maus-tratos padecidos pela CM teriam ocorrido a partir, pelo menos, de 1999. 3° Acresce que, estes familiares, por tão próximos, prestaram depoimentos claramente exagerados, pouco credíveis e sinceros, nitidamente marcados por impulsos, totalmente compreensíveis face às circunstâncias, de vingança. 4° Tais testemunhas não souberam precisar com segurança e credibilidade quando e como ocorreram os referidos maus-tratos, se existiram hiatos de tempo entre os diferentes comportamentos, se tais comportamentos eram repetitivos ou se se estava perante actos isolados. 5.º A verdade, porém, é que nunca fizeram referência ao tal ano de 1999, tendo a própria C, no seu pedido de divórcio, junto aos autos, referenciado apenas o seu último ano de vida como aquele em que ocorreram os maus-tratos que justificavam o alegado pedido, período este aliás que coincide exactamente com a progressiva deterioração do estado de saúde mental do Arguido, tal como foi referenciado pelo próprio (depoimento gravado na cassete n.º 1, lado A, de 002 a 2630, e lado H, de 002 a 631), e pelas testemunhas MFM (depoimento gravado na cassete n.o 8, lado A, de 1056 a 2360, e lado H, de 003 a 1687) e GFMM (depoimento gravado na cassete n.o 9, lado A, de 0010 a 2360 e lado H, de 006 a 1619). 6° As irmãs e o pai da vítima confirmaram que esta só lhes tinha confidenciado os referidos maus-tratos no último mês que antecedeu a sua morte e que nunca presenciaram quaisquer agressões físicas perpetradas pelo Arguido contra a C M ou lhe vislumbraram marcas de agressões, bem como nunca tiveram conhecimento que a mesma se tenha dirigido alguma vez ao hospital para receber tratamento médico. 7.º Também a testemunha, ama dos filhos do arguido e da C, e que estava com a vítima todos os dias da semana, afirmou que nuca se apercebeu de quaisquer marcas de agressões - depoimento gravado na cassete n.º 4, lado A, de 1226 a 1930. 8° No que concerne às agressões físicas refira-se, ainda, que a testemunha F Portela principiou por afirmar, no seu depoimento, gravado na cassete n.º 2, lado A, de 1326 a 2360, que nos primeiros anos de casada de sua filha, presenciou a mesma a ser agredida pelo Arguido, mas acabou por explicitar que ouviu apenas gritos no âmbito de uma discussão entre o casal. 9.º Também as testemunhas HMF, com depoimento gravado na cassete n.o 7, lado A, de 474 a 1230 e MIASG, com, depoimento gravado na cassete 7, lado B, de 1990 a 2360 e cassete n.o 8, do lado A, de 003 a 448, cabeleireiras que trabalhavam no salão contíguo ao centro de estética propriedade da infeliz vítima, afirmaram que a C apenas lhes tinha , confidenciado os seus problemas conjugais nos últimos dois meses antes da sua saída de casa, nunca lhes tendo afirmado que o marido a agredia fisicamente, mas que apenas tinha muito medo dele. 10° Também a testemunha DMMB (depoimento gravado na cassete n.o 10, lado B, de 1103 a 1510) amiga comum do casal e que esteve diversas vezes com ambos cerca de um mês antes da morte da C revelou em tribunal que, ao contar-lhe que tinha sido vitima de maus-tratos por parte do seu ex-marido lhe tinha perguntado directamente se o R a maltratava fisicamente ou a ameaçava, ao que a C respondeu que não. 11° A testemunha CMM (depoimento gravado na cassete n.o 10, lado H, de 0141 a 1103) referiu, igualmente, que durante os anos em que a C foi sua empregada nunca presenciou quaisquer maus tratos perpetrados pelo Arguido à C. . 12° A testemunha GFMM (depoimento gravado na cassete n.o 9, lado A, de 0010 a 2360 e lado B, de 006 a 1619) referiu que conhecia muito bem o casal, visitava amiúdas vezes a casa de ambos, tanto antes como depois da separação, e que trabalhou durante um período de quatro meses junto da C M no seu gabinete de estética, mas nunca presenciou quaisquer maus-tratos físicos ou ameaças por parte do arguido para com a vítima. 13° Questionada quanto ao facto de o arguido não deixar descansar a sua esposa durante a noite, pois insistia em falar com ela a maior parte da noite, a testemunha afirmou que tal deveria ser verdade, uma vez que quando pernoitou em casa de ambos depois da C M já de lá ter saído, o arguido fazia-lhe a mesma coisa devido ao estado de profunda perturbação psicológica em que se encontrava. 14° O tribunal a quo considerou provado, com base única e exclusiva no testemunho de CMJS (depoimento gravado na cassete n.º 5, lado A, de 002 a 1121) que, por ocasião da colocação dos alumínios na casa de morada de família. 15° Ora, o depoimento desta testemunha revela-se em toda a sua extensão muito pouco credível. 16° Com efeito, a testemunha é primo direito da mãe da vítima e tal como os familiares mais próximos da C está profundamente imbuído de espírito de vingança, sentimento este que o levou a declarar ter ouvido o R dizer, quando saiu da casa de morada de família e depois da C já estar morta, a frase "Já está!", com ar de grande satisfação. 17° Ora, nem a testemunha AF - a primeira pessoa a chegar ao local do crime - (depoimento gravado na cassete n.o 5, lado A, de 2230 a 2620 e lado B, de 002 a 1463) - nem a testemunha MJ (depoimento gravado na cassete n.o 8, lado A, de 448 a 1056) que chegou ao local ao mesmo tempo que o referido CMJS ouviram o arguido dizer o que quer que seja. 18° Refira-se, também, que esta...

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