Acórdão nº 03S2050 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDES CADILHA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório. "A", com os sinais dos autos, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, contra a B - Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, S. A., com sede em Lisboa, invocando, com base em diversos vícios que poderão ter inquinado o processo disciplinar, a ilicitude da sanção de despedimento que lhe foi aplicada, e pedindo a condenação da Ré na reintegração na sua categoria, bem como no pagamento das retribuições vencidas desde a data do despedimento. A ré contestou por impugnação e deduziu um pedido reconvencional em vista à reposição pela autora da verba de 9 389 232$00, cuja falta teria sido detectada por um auditoria interna na Caixa de Moeda Estrangeira que a autora geria. Em primeira instância foi julgada parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarada a ilicitude do despedimento, com fundamento em nulidade do processo disciplinar, e condenada a ré a reintegrar a autora e a pagar-lhe as retribuições vencidas desde a data do despedimento até à sentença, bem como a quantia de 2 000 000$00 a título de danos não patrimoniais. O pedido reconvencional foi julgado parcialmente procedente, condenado-se a reconvinda a pagar a importância de 2 170 439$00. Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa, negou provimento ao recurso interposto pela ré e concedeu parcial provimento ao recurso da autora, absolvendo-a do pedido reconvencional, fixando em 15 000 Euros a indemnização por danos não patrimoniais e mantendo, no mais, a decisão recorrida. É contra este entendimento que a ré agora se insurge, através do presente recurso de revista, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: Quanto à pretensa nulidade do processo disciplinar 1. Nos presentes autos está em causa a possibilidade de regresso à empresa de uma directora financeira que, pela sua conduta e segundo a própria avaliação do Tribunal de Primeira Instância, colocou a empresa em situação tal que gerou na sua esfera "o direito à sobrevivência" e, mais, "o direito dos restantes trabalhadores à manutenção dos respectivos postos de trabalho". 2. Acresce que a possibilidade de tal regresso ocorrer se baseia num motivo de ordem formal, o qual, com todo o respeito pelo Tribunal "a quo ", não tem apoio na lei, nem nos factos provados. 3. o processo disciplinar não está ferido de nulidade, uma vez que a Recorrente não violou o direito de defesa da Recorrida. 4. Desde logo, a impossibilidade de consulta do processo disciplinar por parte da trabalhadora, no dia 7 de Fevereiro de 1991, não constituiu um acto de obstrução ao seu direito de defesa, por parte da entidade patronal, mas uma mera impossibilidade pontual da instrutora do processo (advogada), a qual mandou informar a que horas estaria de regresso ao escritório (assim manifestando não haver qualquer intenção de obstrução). 5. Sucede que, em 10 de Fevereiro de 1991, a Recorrente entregou à Recorrida aditamento à nota de culpa, no qual, expressamente, lhe é concedido um novo prazo de cinco dias úteis, contados a partir da data da recepção do referido aditamento, para organizar a sua defesa. 6. Com a recepção do aditamento à nota de culpa, dispondo de novo prazo legal de defesa, surge na esfera do trabalhador ex novo o ónus de solicitar o processo) disciplinar para consulta, caso o entendesse necessário para preparar a sua defesa. 7. Não cabia à Recorrente, muito menos à instrutora do processo, contactar a Recorrida sobre se queria consultar o processo disciplinar, pois tal ónus, conforme é pacífico na jurisprudência, cabe ao trabalhador. 8. A trabalhadora não pode beneficiar do entendimento de que foi violado o seu direito de consulta do processo disciplinar, simplesmente porque não o exerceu. 9. Na era dos telemóveis e dos telefaxes não tem sentido afirmar-se que a trabalhadora perderia tempo a contactar a empresa ou a instrutora do processo disciplinar, a fim de proceder à consulta deste. 10. Aliás, o acórdão recorrido não oferece argumentação consistente sobre a essencialidade à defesa da faculdade de consulta do processo, no caso dos autos. 11. Resulta da matéria provada, que a trabalhadora respondeu minuciosamente à nota de culpa, evidenciando pleno conhecimento dos documentos que constam do processo disciplinar. 12. A lei não exige que a entidade patronal indique na nota de culpa o horário e o local em que o processo pode ser consultado. 13. Termos em que a decisão recorrida viola os art°s. 10°, n° 4 e 12°, n° 1 aI. A) e n° 3 al. B) do Regime de Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL n° 64-A/89, de 27 de Dezembro. 14. Deve, assim, o acórdão recorrido ser revogado quanto a esta parte, com as legais consequências, nomeadamente as que resultam da aplicação conjugada dos art°s. 726° e 715°, nos. 2 e 3 do CPC. Quanto ao pedido por danos não patrimoniais 15. A Recorrida não tem direito a indemnização por danos não patrimoniais com fundamento em que foi esvaziada de funções, porque, conforme resulta da prova produzida, não foi esvaziada de funções. 16. Teve lugar uma relação difícil - justificada pela situação de descontrolo contabilístico e financeiro da empresa - entre um vogal do Conselho Fiscal e a directora financeira, tendo o Conselho Fiscal actuado no quadro das suas competências. 17. Não há qualquer facto provado de que resulte ter a Recorrida protestado junto do Conselho de Administração da Recorrente pela suposta situação de esvaziamento de funções, durante todo o tempo em que, na sua tese, a situação se verificou em Abril de 1991 a Fevereiro de 1992. 18. o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão nos factos provados 50, 55 e 56, sendo que todos eles são de teor conclusivo. 19. Se dúvidas houvesse sobre esta questão, sempre poderá este Venerando Tribunal mandar ampliar a matéria de facto, nos termos requeridos pela Recorrente em Primeira Instância (conforme ponto 40 das presentes alegações), ou outros que se julguem melhores. Em qualquer caso, 20. Mesmo que tivesse havido esvaziamento de funções, tal esvaziamento teria sido lícito porque teria sido determinado pela situação de descontrolo organizativo, contabilístico e financeiro em que a nova administração da Recorrente encontrou, em Abril de 1991, a empresa. 21. Tal descontrolo transparece da matéria de facto, como sustentou a Primeira Instância (sentença, pág. 47) e ao invés do que veio afirmar o Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão, pág. 56). Na verdade, 22. Os factos que ficaram provados atestam uma situação de descontrolo, que vai ao ponto de pagamento de prestações de contratos de seguro sobre equipamentos que nunca entraram na empresa (facto provado 33), de pagamento de prestações de um contrato de locação financeira sem que a trabalhadora tivesse na sua posse os autos de recepção dos equipamentos (factos provados 98, 69 e 29), tendo sido entregues, não os cinco tractores que foram pagos, mas apenas três, gerando um prejuízo para a empresa de 8.814.738$00, ou da assinatura, pela próprio punho da directora financeira e responsável pela caixa de moeda estrangeira da empresa, da expressão "original" sobre fotocópias de documentos de despesa, assim os "transformando" em originais. 23. No quadro de uma colisão de direitos desiguais - direito à sobrevivência da empresa e segurança dos postos de trabalho e o direito da trabalhadora a executar as tarefas para que fora contratada - a Recorrente, sempre sem conceder, teria, licitamente, feito prevalecer o direito de valor superior. 24. Em última análise, na esteira do pensamento do Professor António Monteiro Fernandes, a reestruturação da área administrativa e financeira teria sido um acto legítimo, uma vez que deve entender-se que a atribuição de funções hierárquicas não pode deixar de ser unilateralmente revogável, à semelhança do mandato, atento o nível de confiança e o nível de responsabilidade atribuídos. 25. Não logrou a Recorrida provar os factos constitutivos do direito que invocou, pelo que deve, assim, a decisão recorrida ser revogada quanto a este ponto, por incorrecta aplicação dos art°s. 335°, n° 2, 342°, nos. 1 e 2, 798°, 799°, n° 1, do Código Civil, 420° e 421° do Código das Sociedades Comerciais e art° 20°, als. e) e g) do RJCIT, aprovado pelo DL 49.408, de 24 de Novembro de 1969. 26. Mal andou, também, o acórdão recorrido ao condenar a Recorrente a indemnizar a Recorrida por danos morais com fundamento nas perdas de retribuição. 27. A equidade não é poder discricionário e o dano moral deve ser determinado objectivamente. 28. A sentença não determina a concreta perda de capacidade económica da Recorrida, nem as dificuldades precisas que teve de enfrentar, nem quanto dinheiro teve de pedir emprestado, por quanto tempo e a quem (tudo factores decisivos para aferir o grau de "humilhação e vexame"). 29. Acresce que a expressão "para subsistir", referida no ponto 1 03 da "Matéria de facto apurada" é de teor inteiramente conclusivo. 30. Igualmente não foi ponderada a situação difícil da empresa, o "verdadeiro estado de necessidade" administrativo e financeiro em que se encontrava, nem a reposição voluntária dos montantes devidos, logo que a Recorrente foi alertada pelos seus advogados. 31. Não foi, por fim, ponderada a situação económica da Recorrente, não havendo quaisquer factos quesitados sobre este ponto. 32. A Recorrida não logrou, assim, provar os factos...

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