Acórdão nº 045679 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 1995 (caso None)

Magistrado ResponsávelSA NOGUEIRA
Data da Resolução08 de Junho de 1995
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 2 Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum 536/92, da 3 Secção de Espinho, os arguidos A, solteiro, ajudante de serrador, nascido em 5 de Maio de 1962, em Ovar, e residente em, Maceda, Ovar; B, casado, serralheiro, nascido em 15 de Julho de 1946 em Espinho, e residente, Silvalde, Espinho, foram acusados: - o A, da comissão de três crimes de introdução em lugar vedado ao público, do art. 177 do Código Penal, e de três crimes de furto qualificado, dos arts. 296 e 297 n. 2, c) e d), do mesmo diploma, - e o B, da de um crime de ofensas corporais, do art. 143, alíneas b) e c), e de um crime de detenção de arma proibida, do art. 260, todos daquele código.

A final, o A. veio a ser condenado pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público (art. 177) e de um crime de furto qualificado (art. 297 n. s 1 e 2, alínea c), ), nas penas parcelares de 40 dias de prisão, substituída por multa a 300 escudos diários, ou, em alternativa, 26 dias de prisão, e de 1 ano de prisão, e o B veio a sê-lo pela de um crime de ofensas corporais negligentes (por aplicação das regras do excesso de legítima defesa), e de um crime de detenção de arma proibida, nas penas parcelares de 6 meses de prisão, substituída por multa a 600 escudos diários, e em 50 dias de multa à mesma taxa, ou, em alternativa, 153 dias de prisão, e em 120 dias de multa, a 600 escudos diários, ou, em alternativa, 80 dias de prisão.

Não foram fixadas quaisquer penas unitárias, e, com a indicação de referência à Lei 23/91, foram declaradas perdoadas as penas parcelares de 40 dias de multa, de 1 ano de prisão, de 6 meses de prisão substituída por multa, e metade das multas de 50 dias e de 120 dias, com o que se concluiu pela subsistência, para cumprimento, apenas, da pena renascente de 85 dias de prisão, substituída por multa a 600 escudos diários, ou, em alternativa, 56 dias de prisão, imposta ao arguido B.

O mesmo arguido B foi, ainda, condenado no pagamento da indemnização cível de 300000 escudos ao co-arguido A, e das despesas hospitalares de 14200 escudos ao Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.

Foi julgado improcedente o pedido cível que havia sido deduzido pelo referido arguido B contra o arguido A.

O mesmo arguido B, inconformado, recorre para este Supremo Tribunal, a sustentar que se não verificou excesso de legítima defesa mas sim defesa legítima, e que, por isso, deve ser absolvido, quer do crime, quer do pedido de indemnização formulado.

A Exma Delegada do Procurador da República, na sua contra-motivação, opinou pela improcedência do recurso.

Foram corridos os devidos vistos e procedeu-se ao julgamento com observância do adequado formalismo.

É a seguinte a matéria de facto que foi dada como definitivamente assente pelo acórdão recorrido: 1) Em 10-03-1990, pela 1 h., o arguido A, que havia procurado a noite para mais facilmente concretizar o seu desígnio, e que estava ciente de que agia contra a vontade do respectivo dono, introduziu-se no quintal anexo à residência do arguido B, em Silvalde, Espinho, onde trepou ao telhado de um anexo contíguo à casa deste último, pelo lado Norte, e, de um pombal pertencente ao dito B, retirou cinco pombos-correio, com o valor global de 50000 escudos, que fez seus.

Actuou deliberada, livre, e conscientemente, não obstante saber do carácter penalmente ilícito da sua conduta e que aqueles lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono.

2) O arguido B já havia sido, por duas vezes, em 3 e em 27-02-1990, vítima de assaltos no seu pombal (de onde tinham subtraídos, da primeira vez, 6 pombos-correio, no valor global de 60000 escudos, e um apito de chamar pombos, no valor de 5000 escudos, e, da segunda, 7 desses pombos, no valor de 70000 escudos), motivo pelo qual montou um alarme eléctrico que funcionava no caso de alguém abrir a porta do pombal.

Por isso, e quando, naquela noite de 10-03-1990, o arguido A se encontrava já na posse dos mencionados 5 pombos, mas ainda sobre o telhado anexo e junto ao pombal, apareceu o arguido B, que fora alertado pelo alarme, munido de uma arma caçadeira Gazelle-Saint-Etienne, de culatra móvel, sem carregador, de bala, com cano de 60 cm de comprimento, carregada com um cartucho (?) de chumbos.

O local não é iluminado.

O B percorreu o quintal e foi postar-se, pelo lado Nascente, que dava para um campo espaçoso e livre, a cerca de um metro do anexo, de modo que o A, ainda sobre o telhado, se apresentava ao dito B num plano superior, a cerca de 1,20 m de altura, e disse para o A "Está quieto, não te mexas", ao que o A respondeu "Se é pelos pombos, eu ponho os pombos", ao mesmo tempo que largou os dois que segurava nas mãos e que mantinha os outros três encobertos, junto ao peito, sob a roupa.

O B insistiu "Não te mexas, já chamei a guarda", e, simultaneamente, mantinha a caçadeira apontada, com a mão esquerda a segurar a base do cano e o indicador direito em contacto directo com o gatilho, e o A retorquiu-lhe "também tenho uma arma" e manteve-se de frente para o B.

Logo em seguida, o A, abaixou-se, no propósito de pegar num pau que estava sobre o telhado, para o usar de forma a tingir o B.

O B, com o fim de demover o A de tal propósito, continuou a segurar a arma como o estava a fazer, usou-a como se de um pau se tratasse, e deu, de imediato, uma forte pancada no A, no preciso momento em que este, agachado, ia pegar no pau.

O A, em acto instintivo, levantou o braço, pelo que a pancada violenta dada pelo B o atingiu no antebraço esquerdo e lhe fracturou o cúbito, na região inferior.

Na mesma altura, ou devido à violência da pancada, ou devido a uma instintiva pressão do gatilho, a arma disparou e o chumbo do cartucho (?) foi atingir o A na região cervical (triângulo infero-externo, do lado esquerdo, junto ao bordo anterior do esterno-cleido-mastoideu, a nível do terço inferior do respectivo músculo), e provocou no A uma ferida perfurante, com hemiparesia esquerda.

Ao cair sobre o telhado, o A sofreu, ainda, traumatismo do joelho esquerdo.

O A foi operado em 10-03-1990, às lesões cervicais, com laminectomia descompressiva de c5 e c4, e às lesões cubitais, com redução e ósteo-síntese com parafuso.

Sofreu limitação da abdução do ombro esquerdo a 90%, limitação da mobilidade do cotovelo a 120%, e parésia da mão esquerda.

Teve 670 dias de doença e incapacidade de trabalho, e ficou definitivamente com vestígios cicatriciais, ao nível da face externa do cúbito esquerdo, na zona cervical, e ao longo das espinhas vertebrais, com diminuição da força muscular no braço e punho esquerdos.

4) Ao desferir a pancada sobre o A, o B, quis ofendê-lo corporalmente, mas sem ter representado, sequer, a possibilidade de disparar sobre ele ou a possibilidade das consequências lesivas sofridas pelo mesmo.

O B, com a conduta descrita em relação ao A, agiu deliberada, livre, e conscientemente.

5) O B não tinha licença de uso e porte da arma atrás referida e não a tinha manifestada nem registada, no que agui deliberada, livre e conscientemente, e sabedor de...

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