Acórdão nº 046783 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 1995 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSA NOGUEIRA
Data da Resolução02 de Novembro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2. Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: No processo comum 272/89, da 2. Secção do Círculo de Setúbal, o arguido A, solteiro, distribuidor, filho de B e de C, nascido em 17 de Janeiro de 1972, no Montijo, residente em Palmela, que se encontrava acusado da comissão de um crime de ofensas corporais graves, do artigo 143, alíneas b) e c), do Código Penal, veio a ser condenado pela prática de um crime de ofensas corporais agravadas pelo resultado, dos artigos 145 n. 2 e 144 n. 2, com referência ao 143, alínea b), do mesmo Código, na pena de 2 anos de prisão, com a respectiva execução suspensa por 3 anos. Foram deduzidos pedidos cíveis de indemnização pelos pais do ofendido, como assistentes, e em nome daquele, contra o arguido, contra os pais deste, e contra o proprietário da arma utilizada, e os mesmos vieram a ser declarados parcialmente procedentes, e, em consequência, os demandados foram condenados no pagamento, aos pais do ofendido, de 491726 escudos e 50 centavos, de danos patrimoniais, e de 1000000 escudos (500000 escudos a cada um), de danos morais, e, ao menor ofendido, de 4000000 escudos, de perda da capacidade de ganho, e de 3000000 escudos, de danos morais e, em qualquer caso, no dos respectivos juros legais. A arma usada pelo arguido foi declarada perdida a favor do Estado. Inconformados, recorrem para este Supremo Tribunal, com o benefício do apoio judiciário, o arguido e seus pais, demandados cíveis, a defenderem que a indemnização deve ser reduzida para 3550000 escudos (250000 escudos de despesas de assistência e transporte, 600000 escudos para os pais do ofendido, a título de danos morais, e 2700000 escudos para este - por danos morais), sem juros, por tais importâncias estarem actualizadas com referência à data da decisão recorrida, e com relegação para execução de sentença da liquidação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Nas respectivas contra-motivações, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, o menor ofendido e seus pais, defenderam a manutenção do decidido. Foram corridos os devidos vistos e procedeu-se ao julgamento com observância do adequado formalismo. A matéria de facto que o colectivo deu como definitivamente provada é a seguinte: 1) Em 10 de Julho de 1988, pelas 19 horas, o arguido estava a brincar com um computador, com os menores D(nascido em 6 de Julho de 1981) e E (então com 11 anos), na garagem da residência destes, no Pinhal Novo. A mãe desses menores, F, disse ao E para desligar o computador, em virtude de este se encontrar a funcionar havia já um certo tempo, e o E desligou-o, então, quando o arguido o estava a utilizar. O arguido não gostou de que o computador tivesse sido desligado e, em seguida, pegou na carabina de pressão de ar da marca Nórica, modelo 80-G, n. 160976, de calibre 4,5 milímetros, com alça e mira telescópica, que estava em seu poder havia dois dias, e que lhe havia sido emprestada pelo seu proprietário, G, id. a folha 17, abriu-a, introduziu-lhe um bago de chumbo, e, a cerca de dois metros do D, apontou-a a este e efectuou um disparo. O chumbo disparado foi atingir o olho esquerdo do D, o qual logo deitou muito sangue e caiu no colo do irmão José, que se encontrava à sua retaguarda. Com essa actuação, o arguido provocou no D atrofia no globo ocular esquerdo, com perda definitiva e completa da visão do mesmo olho, o que lhe motivou doença por 175 dias, com perigo para a vida, e necessidade de passar a usar uma prótese. O arguido sabia que não podia utilizar dessa forma a referida arma. Ao disparar o tiro em direcção ao D, o arguido sabia que colocava em perigo a vida e a integridade física deste, mas, mesmo assim, disparou e conformou-se com a criação desse perigo. O arguido agiu de forma livre e conscientemente, sabedor de que a sua conduta não era permitida. Logo após o sucedido, o arguido tentou socorrer o D, chamou os bombeiros, e acompanhou-o ao Hospital do Montijo. Na véspera dos factos, o arguido, depois de ter feito disparos nos quintais sobre pássaros, apontou a arma ao ouvido do ofendido e de outros menores, e efectuou disparos de simples pressão de ar, enquanto dizia que era só a fingir e para assustar. Tinha, na data dos factos, 16 anos, e tem tido bom comportamento, anterior e posteriormente. Vive com os pais, e começou a trabalhar, pouco antes do julgamento, como distribuir, por conta da firma Socar, com o vencimento mensal de 60000 escudos. Revela-se uma pessoa dotada de personalidade calma e não conflituosa, sem problemas de relacionamento com outros jovens da sua idade ou mais novos, e tem vindo a prestar serviço, em regime de voluntariado, aos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo. 2) O ofendido D foi sempre uma criança saudável, sem quaisquer limitações físicas ou psíquicas, tinha passado para o segundo ano escolar, brincava e praticava desporto, como a natação, com outras crianças da sua idade, e, além da perda definitiva e completa da visão do olho esquerdo, ficou com um projéctil de chumbo na cabeça, e teve de suportar sofrimentos físicos e morais, e de passar algum tempo fechado num quarto escuro, em situação de desespero e de sofrimento. Com essa mutilação e suas consequências, o D ficou definitivamente diminuído, tanto no aspecto físico e estético, como no neuro-psíquico, pela introdução e permanência do projéctil de chumbo no interior da caixa craniana de consequências indeterminadas, e fixado na região da fissura orbitária superior esquerda. 3) Os pais do D suportaram e suportam profundo sofrimento com o sucedido a este seu filho, e gastaram a quantia global de 491726 escudos em despesas relacionadas com tratamentos, assistências, e transportes do filho. 4) O arguido e os pais sempre se interessaram pela situação do D, visitaram-no, e procederam ao pagamento da conta do Hospital em que esteve internado. São pessoas de modesta condição social e económica. A mãe é doméstica, e o pai electricista naval. 5) Os pais do ofendido são pessoas de condição modesta e remediados, proprietários de um táxi, que exploram através da prestação de serviços de táxi. E não foi dado como provado que: - O arguido não tivesse ficado zangado pelo facto de o computador ter sido desligado; - tivesse sido o arguido a desligar o computador; - o arguido se tivesse aprestado para abandonar a casa logo que o computador foi desligado; - o D, quando o arguido ia a sair, o tivesse chamado para voltarem a brincar no dia seguinte; - o arguido se tivesse voltado para responder ao chamamento do D; - o disparo se tivesse efectuado em virtude de o arguido ter inadvertidamente puxado o gatilho da arma; - o arguido demonstrasse prazer especial em se fazer acompanhar da arma e evidenciasse a sua capacidade de precisão, e considerasse o uso da arma como um índice de promoção social; - o arguido entrasse na casa do ofendido com liberdade, anteriormente adquirida pela habitual frequência, antes da compra da casa pelos pais do ofendido; - o arguido nunca antes tivesse manuseado qualquer arma do mesmo tipo ou qualquer outra. Os recorrentes limitaram os recursos à matéria de indemnização fixada, pelo que se não apreciará o que respeita ao aspecto criminal da conduta do arguido. Os recorrentes, como oportunamente se frisou, pretendem que: 1) - a indemnização deve ser reduzida para 3550000 escudos (850000 escudos para os pais do ofendido e 2700000 escudos para este); 2) - não sejam devidos juros; 3) - seja relegada para execução de sentença da liquidação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Por isso, os problemas suscitados pela matéria em recurso encontram-se relacionados com os seguintes aspectos: a) - Possibilidade de responsabilização dos demandados pais do arguido pelo pagamento de indemnizações; b) - Possibilidade de responsabilização do demandado Sérgio Taia, na sua qualidade de dono da arma utilizada pelo arguido; c) - Possibilidade de, em situações de responsabilidade pelo risco, diversas da que advém da produção de acidentes de viação sem culpa, haver ou não limitação dos montantes da indemnização; d) - Determinação de haver ou não direito a indemnização a favor dos pais do ofendido quanto a danos de natureza não patrimonial; e) - Determinação dos montantes dos danos indemnizáveis; f) - Determinação de haver ou não lugar a juros, e, no caso afirmativo, sobre que valores e desde quando; g) - Possibilidade ou não de ser relegada para execução de sentença a determinação dos lucros cessantes determinados pela diminuição da capacidade física do lesado. Passemos a considerá-los separadamente. A) - A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS DO ARGUIDO: O arguido era criminalmente imputável à data da prática dos factos, visto já haver feito...

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