Acórdão nº 04A051 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelNUNO CAMEIRA
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Alegando ter proposto uma acção de despejo decidida na 1ª instância e na Relação contra lei expressa, o que lhe causou prejuízos de vária ordem, A demandou o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento de 99.759,50 € e juros legais desde a citação. O réu contestou, dizendo em resumo que as duas decisões postas em causa não foram ditadas contra lei expressa, já que "interpretaram e aplicaram criteriosamente o direito, optando pela decisão mais justa e adequada aos interesses em presença, ponderando e sopesando as posições doutrinais e as correntes jurisprudenciais mais qualificadas", e que não há qualquer nexo causal entre os prejuízos alegada-mente sofridos e os actos jurisdicionais questionados. Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou a acção improcedente e condenou a autora na multa de 20 UCCs como litigante de má fé. Sob apelação da autora a Relação confirmou a sentença, excepto no tocante à condenação a título de má fé, que foi revogada. Mantendo-se inconformada a autora pede revista, sustentando que, ao não condenar o réu na indemnização pedida, o acórdão recorrido violou o artº 22º da Constituição, o disposto no DL 48.051, de 21.10.67, e o artº 115º do RAU, devendo, por isso, ser revogado. O réu contra alegou, defendendo a manutenção do julgado. II. Os factos definitivamente assentes nas instâncias são estes: 1) Encontra-se registada a favor da autora na respectiva CRP o prédio situado na R. do Heroísmo, ...., no Porto, inscrito na matriz urbana do Bonfim sob o art.º 8703 e descrito naquela CRP sob o n.° 55027. 2) Há pelo menos 10 anos Supermercados B, tomou de arrendamento o rés do chão do prédio referido em 1) para o exercício do comércio de mercearia. 3) Por sentença de 17.10.97 foi decretada a falência da arrendatária em acção que correu termos pela 1ª secção do 4.° Juízo Cível da comarca do Porto (actual 4ª Vara Cível) com o nº 1258/95. 4) Em Junho de 1998 foi encerrado o estabelecimento. 5) Tendo a autora tido conhecimento que o Mº Juiz do processo referido em 3) autorizara a negociação do direito ao respectivo trespasse e arrendamento, comunicou-lhe que se opunha a tal negócio. 6) Apesar disso, avançou a projectada negociação, para o que a autora foi notificada para exercer a preferência. 7) A essa notificação respondeu a autora em conformidade com o documento nº 4. 8) O referido trespasse foi celebrado por escritura pública de 4.5.99. 9) Com fundamento na inexistência de trespasse, por entender que aquele negócio não passava de uma cessão do direito ao arrendamento, e no encerramento do estabelecimento por mais de um ano, a autora intentou acção de despejo que veio a correr termos pela 2ª secção do 1º Juízo Cível da Comarca do Porto, com o nº 6/00. 10) A acção referida em 9) foi julgada improcedente no despacho saneador, com dois fundamentos: 1º - O encerramento do estabelecimento ficou a dever-se à falência da arrendatária, o que constitui caso de força maior impeditivo do direito à resolução do contrato previsto no art.º 64º, nº1, h), do RAU; 2º - Para que exista um estabelecimento não se torna necessário que a respectiva organização económica esteja em funcionamento, bastando que seja um local apto ao exercício do comércio, ainda que fechado e sem mercadoria ou qualquer outro tipo de bens. 11) A decisão referida em 10) foi confirmada pelo acórdão da Relação do Porto de 3/12/01 pelas seguintes razões: 1ª - O liquidatário da massa falida podia prover à conservação do direito correspondente ao estabelecimento do falido ou tomar outra medida tida por conveniente, nos termos dos art.ºs 143º e sgs do CPEREF, apenas com sujeição ao limite de tempo do art.º 64º, nº1, h), do RAU; 2ª - A circunstância de o art.º 115º, n.° 2, do RAU exigir a transferência dos elementos corpóreos e incorpóreos do estabelecimento para que haja trespasse não impõe que estes, na altura do contrato, existam, sendo necessário que o conjunto que se transmite seja adequado ao exercício do comércio anterior, como resulta da alínea b) do referido preceito; 3ª - No caso vertente, o conjunto que vem referido, depois de obras de reparação realizadas pela adquirente, manteve-se adequado ao exercício do comércio anterior. III. A questão posta no recurso tem a ver com a responsabilidade civil extra-contratual do Estado e está na ordem do dia, quer nos restantes países europeus, quer entre nós. Na situação ajuizada, concretamente, o facto ilícito gerador da responsabilidade do Estado foi, segundo a recorrente, o erro de direito cometido nas duas sucessivas decisões proferidas na acção de despejo mencionada no facto nº 9. Na sua tese, ambas as sentenças - a da 1ª instância e a da Relação que a confirmou - foram pronunciadas contra legem: violaram ostensiva e grosseiramente a lei (art.º 115º, nº 2, a), do RAU) ao considerar "ter havido trespasse de estabelecimento comercial quando se operou tão somente uma cedência ilícita do direito ao arrendamento"; assim, conclui ainda, "parece irrefutável estarmos em presença de um erro grosseiro do juiz, que agiu com culpa grave ao qualificar o negócio realizado como trespasse, não podendo dizer-se, para sua defesa, que a matéria sobre que incidiu a sua decisão é controvertida ou que cai no âmbito da livre apreciação do julgador. Porque efectivamente não cai. Face a um dado objectivo, a transmissão do espaço apenas, sem mais valores, o tribunal entendeu haver trespasse. E errou"; "deste modo, - afirma a finalizar - "não pode-remos senão considerar que se preenchem os pressupostos da responsabilidade do Estado por actos da administração da justiça, uma vez que as decisões proferidas (facto), enfermando de um erro grosseiro (culpa), redundaram numa violação de lei (ilicitude) que causou (nexo) avultados danos (dano) na esfera jurídica da recorrente, que têm que ser reparados". Como se vê, está em causa a chamada responsabilidade do Estado-Juiz, por facto do poder jurisdicional. A actualidade e premência do problema resulta do enorme desenvolvimento do poder judicial nas últimas décadas. Este fenómeno encontra-se associado a múltiplos factores, de que destacaríamos a título meramente ilustrativo apenas três, todos intimamente relacionados entre si: Em primeiro lugar a projecção, o aprofundamento e a sofisticação do Estado Social, que, levando-o a intervir em sectores da vida social de que estava ausente há poucas décadas, aumentou exponencialmente o papel de controle que cabe ao poder judicial, designadamente à jurisdição administrativa e constitucional; Em segundo lugar a proliferação de leis que, visando justamente assegurar os novos direitos e as...

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