Acórdão nº 04A3101 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | AFONSO CORREIA |
Data da Resolução | 26 de Outubro de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "A" instaurou contra "B" acção com processo comum e forma ordinária, pedindo se condene a Ré a pagar à A., na qualidade de única herdeira legitimária de seu falecido pai C, a quantia de € 29.794,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 27/12/99 Alegou para tanto - e em síntese - que a Ré viveu, durante cerca de trinta anos, em comunhão de mesa e habitação com C, pai da Autora.
À data da morte do C existiam efectuados quatro depósitos bancários em nome da Ré e do dito C, depósitos esses que a Ré levantou após a morte do C, dando destino desconhecido aos ditos montantes em dinheiro.
A Autora, como única herdeira legitimária de seu pai, tem direito a metade dos montantes existentes nas contas bancárias, à data da morte de seu pai, visto o disposto no artº 516º C. Civ.
Tal atitude da Ré consubstanciou ainda um enriquecimento ilegítimo da mesma Ré, reclamando a Autora o montante citado (de metade dos depósitos de que a Ré se apropriou) por a tanto ascender o dito enriquecimento, à luz do instituto juscivilístico do enriquecimento sem causa.
A Ré contestou para dizer - também em resumo - que ela Ré é que era o sustento da união de facto que formava com o falecido pai da Autora e a única pessoa que contribuiu com dinheiro para a pessoa do Autor; a pequena pensão de reforma que este auferia mal lhe chegava para gastos pessoais e vícios, como o tabaco; para além do mais, recebeu diversas e avultadas quantias em dinheiro, por direito próprio: herança, indemnização por rescisões de contrato de trabalho e contrato de arrendamento.
Por isso, não contribuiu o dito C com qualquer montante em dinheiro relativo à quantia paga ao empreiteiro que vendeu o apartamento que era titularidade, em comum, do C e da Ré; a quantia respeitante a metade do valor da compra desse apartamento foi mutuada pela Ré ao C.
Pelo que, em reconvenção, pede se condene a Autora a pagar-lhe a quantia mutuada por ela Ré a C, no montante de € 14.963,93, acrescida de juros legais.
Com os mais articulados de lei e saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento com decisão da matéria de facto e sentença que julgou improcedentes acção e reconvenção por se ter entendido - no tocante ao pedido da acção, único aqui em apreço - que, embora se não tivesse feito prova directa da proveniência do dinheiro das referidas contas ou depósitos solidários, os maiores rendimentos da Ré impunham a conclusão de que só ela alimentara os falados depósitos ou contas, pelo que ilidida ficou a presunção acolhida pelo art. 516º do CC.
Inconformada, apelou a A. e a Relação de Guimarães, mantendo embora a factualidade apurada pela 1ª Instância, revogou a sentença pois o que as máximas da experiência, os juízos correntes de probabilidade, os princípios da lógica ou os próprios dados da intuição humana, em face disso, ao invés de permitir extrair a ilação de que o dinheiro pertencia exclusivamente à Apelada, impõem é que se não ignore os restantes 20 anos que durou a união de facto entre os dois, tempo durante o qual ambos se encontravam na vida activa e os seus rendimentos seriam mais elevados, propiciando também melhores condições de poupança, tanto mais que se não conhece em que datas é que foram efectuados os depósitos.
Como assim, não se mostrando ilidida a mencionada presunção, haverá que dar como assente que a Apelada e o pai da Apelante comparticipavam em partes iguais nos montantes depositados, tendo esta o direito a haver para si metade das mesmas por ser a única herdeira legitimária do segundo.
Foi a vez de a Ré pedir revista e consequente improcedência da acção ou, pelo menos, procedência do pedido em apenas 1/5 ou, em última hipótese, ampliação da matéria de facto.
Como se vê da alegação que coroou com estas conclusões «1ª - O art° 516° do Código Civil estabelece uma presunção aplicável aos depósitos de dinheiro em contas bancárias de depósito abertas num estabelecimento bancário em nome de duas ou mais pessoas, e que pode ser movimentada individualmente por qualquer dos titulares.
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- Essa presunção é a de que os dinheiros depositados em contas de depósito abertas num estabelecimento bancário em nome de duas ou mais pessoas, e que pode ser movimentada individualmente por qualquer dos titulares, têm igual proveniência e são depositados em quantitativo igual relativamente e por cada um dos titulares.
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- Tal presunção é ilidível mediante prova em contrário, nos termos e ao abrigo do disposto daquele mesmo art° 516° e dos art° 349° e 350°, n° 2, ambos do Código Civil.
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- A prova a realizar para ilidir tal presunção não tem de ser prova directa, até porque por vezes, como in casu, isso é impossível e constituiria ónus excessivo sobre a parte, podendo, ao invés, ser ilidida por prova indirecta, indiciária ou circunstancial 5ª - Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, e atenta a posição do acórdão recorrido relativamente à resposta que mereceu o quesito 12° da base instrutória, tem de se concluir que o acórdão recorrido interpretou/aplicou o regime jurídico disposto no art° 516°, com expressa referência aos art.º 349° e 350°, n° 2, todos do C. Civil, no sentido de a prova necessária produzir para ilidir tal presunção ter de ser prova directa, interpretação/aplicação essa errada e injusta.
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- É também questão de direito a propriedade de dinheiros depositados em contas de depósitos abertas em estabelecimento bancário em nome de duas pessoas, e que pode ser movimentada individualmente por qualquer dos titulares.
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- Ao Supremo Tribunal de Justiça assiste, pois, competência para, perante os factos provados e constantes dos autos, concluir pela constituição/existência ou não do direito de propriedade de um desses titulares de contas bancárias sobre os dinheiros nelas depositados.
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- É, igualmente, questão de direito, pois contende, também, com o direito de propriedade sobre tais dinheiros, saber se a vontade das partes (titulares de contas bancárias com depósitos de dinheiros) que, porque passaram a viver em comum, a partilhar cama, mesa e tecto, decidiram que nas contas bancárias que existiam e que se mantiveram, bem como aquelas que foram abertas de novo, constassem ambos como titulares, corresponde à vontade de atribuir a ambos os titulares dessas contas bancárias o direito de propriedade, mesmo que em partes desiguais, sobre os dinheiros depositados, mesmo que esses depósitos não sejam nem possam ter sido iguais.
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- Mas mesmo que assim se não entenda, é questão de direito decidir-se se à presente causa, deve ou não, mas deve, aplicar-se complementarmente ao regime jurídico previsto no artº 516°, 349° e 350°, n° 2, o regime jurídico previsto nos art° 236° e 237° do C. Civil, por forma a poder-se, precisamente, aplicar correcta e integralmente o regime jurídico previsto naqueles normativos para ilidir a presunção também prevista no art° 516° do Civil.
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- É que, saber-se do sentido e valor das declarações negociais das partes evidenciadas na matéria de facto provada e referida em n), o) e u), do ponto 2. supra das alegações, é também essencial para se decidir a questão principal destes autos, o pai da Autora era, ou não, proprietário de metade, de algum ou de nenhum dos dinheiros existentes nas contas bancárias a que aludem estes autos? questão esta que decorre da, e impõe a, aplicação do direito previsto no art° 516°, com expressa referência aos art. 349° e 350°, n° 2, todos do Civil, nomeadamente no que tange com o regime jurídico do tipo de prova necessário produzir para ilidir a presunção ali constituída.
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- E sem se decidir também esta questão de direito está a permitir-se que se cometa uma grande e grave injustiça como a que resulta do acórdão recorrido, que contende com anos e anos a fio de poupanças de uma vida, a da ora recorrente.
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- Ora, se um dos titulares dessas contas, o pai da Autora, ao longo dos 30 anos de vida em comum com a recorrente, auferiu um total de, no máximo, Esc. 9.242.020$00, gastou 3.000.000$00 na compra de uma casa, e lhe sobraram, em média, cerca de 17 contos para fazer face a todas as despesas com os seus vícios, nomeadamente tabaco, e a todas as necessidades de um lar composto por ele e pela recorrente, tem de se concluir que não é possível, por violação de todas as regras de razoabilidade e da experiência comum, que tenha logrado aforrar, no final desses 30 anos, a quantia de cerca de 6.000 contos.
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- Ao invés, se o outro titular dessas mesmas contas bancárias, e nas mesmas condições de despesas, aceitando-se proporção maior por força de maiores rendimentos, auferiu rendimentos da ordem dos 34.210.541$00 ao longo dos 30 anos, gastou também 3.000 contos, ainda dispõe de 86.695$95 para fazer face às mesmas despesas, mesmo que poupando apenas um terço deste valor, ainda aforra, no final do período de 30 anos, a quantia de, pelo menos, Esc. 10.403.5 14$00.
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Estes factos, provados nos autos, fazem prova suficiente que afasta a presunção estabelecida no art. 516° do Código Civil, pelo que, o douto acórdão recorrido, ao não concluir assim, violou o disposto nos art° 516°, 349° e 350°, n° 2, todos do Código Civil.
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- Pois, repete-se, entendeu que aqueles normativos exigem prova directa de que os dinheiros existentes nas contas bancárias a que aludem os autos são pertença / propriedade deste ou daquele titular, quando tal prova directa além de praticamente impossível é, também por isso, excessiva para a parte que tem de a fazer.
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- Para ilidir a presunção estabelecida pelo art. 516º do Civil, no caso da contitularidade de contas bancárias, é, pois, suficiente a prova indirecta, isto é, a prova de que desta ou daquela forma, por este ou por aquele motivo, não era possível a um dos titulares da conta ser dono dos dinheiros nela depositados, pelo que, repete-se, ao assim, e ao atribuir o direito de propriedade, mesmo que parcialmente, como se admite por mera hipótese e dever de patrocínio, sobre os dinheiros ao pai da Autora, o tribunal recorrido...
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