Acórdão nº 04B1457 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2004 (caso NULL)
Magistrado Responsável | LUÍS FONSECA |
Data da Resolução | 20 de Maio de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", B, C intentaram acção declarativa com processo ordinário contra D e mulher E, pedindo que seja declarada a nulidade dos contratos de mútuo aludidos na petição inicial e que os réus sejam condenados a restituir-lhes as quantias mutuadas e ainda não pagas, no total de 4.000.000$00, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Alegam para tanto que seu pai, já falecido, de quem são únicos herdeiros, emprestou verbalmente as quantias de 2.000.000$00 e 5.582.000$00 aos réus, tendo esta sido parcialmente amortizada, estando em dívida a quantia de 4.000.000$00, sendo tais contratos de mútuo nulos por falta de forma, o que implica a obrigação dos réus lhes restituírem as quantias emprestadas, descontadas do que já receberam.
Contestaram os réus, alegando que apenas têm a restituir a quantia de 2.000.000$00.
Houve réplica dos autores.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos normais, realizando-se a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença onde, julgando-se a acção parcialmente procedente, se declarou a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre o pai dos autores, enquanto mutuante e os réus, enquanto mutuários, por inobservância dos requisitos de forma legalmente exigidos, e se condenaram os réus a pagarem aos autores a quantia de 9.975,96 €, acrescida de juros de mora legais a contar da citação e até integral pagamento.
Os autores apelaram, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 5 de Novembro de 2003, negado provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.
Os autores interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso: 1- Vem o presente recurso interposto do acórdão de 5 de Novembro de 2003, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, o qual confirmou a sentença de 1ª instância e assim determinou a condenação parcial dos réus ao pagamento da quantia de 9.975,96 €, acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento.
2- Os autores e ora recorrentes não se podem conformar com a posição vertida no citado acórdão por não corresponder à orientação que se deve reputar adequada, atendendo às regras de direito que exigem a sua subsunção à relação controvertida, merecendo o presente recurso inteiro provimento.
3- Efectivamente, vêem-se os recorrentes obrigados a concluir que o entendimento adoptado no acórdão recorrido de que os autores não provaram aqueles mesmos factos constitutivos só pode derivar duma incorrecta compreensão, do valor probatório em que se consubstancia o cheque emitido pelos réus, seja enquanto título cambiário, seja enquanto quirógrafo.
4- O cheque é, consensualmente e no seu essencial, uma ordem de pagamento dada por uma pessoa (sacador) que é destinada a um Banco (sacado) por via de um contrato ou provisão de que o ordenante é titular, para que pague a quantia nele inscrita por conta dos fundos ali depositados, concorrendo, desta forma, na origem da emissão, duas relações jurídicas diversas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque.
5- Através daquela relação de provisão, pretende-se, assim, pôr à disposição de alguém, fundos que se acham na posse do Banco, sendo que, por intermédio do contrato de cheque, o Banco concede que o titular da provisão mobilize os fundos à sua disposição, mediante a emissão de cheques.
6- Desta forma, a assinatura do sacador significa a sua vontade de pagar ou de ordenar ao Banco que pague à pessoa a favor de quem foi emitido ou ao seu portador.
7- O cheque tanto pode ser apresentado na qualidade de título de crédito como na veste de quirógrafo.
8- Neste último caso, a obrigação exigida não será já a obrigação cambiária ou cartular, caracterizada pela autonomia, literalidade e abstracção, mas a obrigação subjacente, causal ou fundamental.
9- Assim, enquanto documento particular assinado pelo devedor, constitui imposição legal que aquele "faz prova plena quanto às obrigações atribuídas ao seu autor sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento" (art. 376º, nº 2 do Cód. Civil), considerando-se como provados, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, os factos compreendidos na declaração.
10- Ora, quando um sacador de um cheque o emite e entrega a alguém, está a declarar uma vontade de pagar ou de ordenar ao Banco que pague ao tomador as verbas naquele apontadas, evitando-se a transferência de numerário entre aqueles e dilatando o pagamento para um momento posterior.
11- Desta forma, traduz-se o cheque num meio de pagamento diferido e, assim, reveste a natureza de uma "promessa de pagamento", na medida em que o pagamento por meio de cheque só existe quando o beneficiário recebe do sacado, o Banco, a verba que nele consta.
12- Por outro lado, como decidiu o acórdão do S.T.J. de 11 de Maio de 1999, "a invocação do cheque como quirógrafo significa que se utiliza o mesmo como documento particular, sem as características que são próprias dos títulos de crédito. II- A ordem de pagamento dada ao banco e concretizada no cheque implica, em princípio, um reconhecimento unilateral de dívida. III- é ao devedor que, nos termos do art. 458º...
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