Acórdão nº 04B2424 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução01 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- "A" intentou, no dia 31 de Dezembro de 1992, contra "B, S.A.", acção declarativa constitutivo-condenatória, pedindo a anulação da sua declaração à ré de reconhecimento de que a herança de seu irmão, C, lhe devia 9.764.601$, e de promessa de lhe dar em pagamento 396 acções e de lhe ceder, a título de compensação, os créditos hereditários relativos a dividendos vencidos e futuros, bem como a extinção do penhor sobre aquelas acções, e a condenação da ré a entregar-lhe 6.336 acções ao portador com o valor nominal de 1.000$ resultantes da conversão das primeiras em operação de aumento do capital da ré, e a pagar-lhe os dividendos líquidos correspondentes.

Fundamentou a sua pretensão, por um lado, no facto de ser herdeiro de C, falecido no dia 3 de Fevereiro de 1989, de a herança do último titular das mencionadas acções de participação no capital da ré, ter sido convencido por representantes dela de que o falecido, na qualidade de seu empregado a havia desfalcado no montante de 9.764.601$20 e de que iria mover procedimento judicial e, por isso, reconhecera essa dívida da herança em relação à ré e que esta reconhecera ser devedora à herança no montante de 1.217.020$ correspondentes a dividendos vencidos e vincendos relativos àquelas acções.

E, por outro, que fora para evitar o escândalo ameaçado pelos representantes da ré de mover o referido procedimento judicial e prejudicar a memória do falecido C e por erradamente pensar que o valor das acções era o nominal e muito inferior ao que efectivamente tinham que se vinculou perante ela naqueles termos.

A ré contestou invocando que o desfalque foi efectivo, que o valor considerado para as acções era aquele por que eram transaccionadas no comércio respectivo, mas que renunciava aos ditos negócios e garantia e, com base no referido desfalque, em reconvenção, pediu a condenação do autor a indemnizá-lo pelo montante de 10.981.621$20 e juros desde a respectiva notificação.

Notificado o autor do instrumento de contestação-reconvenção no dia 20 de Fevereiro de 1993, replicou, alegando desconhecer se o irmão desviou ou não dinheiro da ré e o gastou em seu proveito e qual o respectivo montante, concluindo pela improcedência da reconvenção.

Em sentença proferida na fase da condensação, no dia 15 de Fevereiro de 2001, declarou-se a extinção, por remissão, das obrigações do autor ditas derivadas do contrato promessa relativas à dação em pagamento de 396 acções da ré e à entrega, a título de compensação do débito hereditário, do crédito hereditário vencido, no valor de € 6.070,47, bem como a extinção do crédito por dividendos futuros daquelas acções enquanto pertencessem à herança e do penhor sobre elas, e condenou a ré a entregar ao autor 6.336 acções ao portador com o valor nominal de € 4,99 e a pagar-lhe € 6.070,47 e os dividendos anuais líquidos correspondentes às referidas 396 acções desde 21 de Maio de 1990 até 28 de Setembro de 1990 e os relativos a 6 336 acções, substitutas das primeiras, vencidos desde 29 de Setembro de 1990.

Foram elaborados a especificação e o questionário relativos ao objecto da reconvenção e aos vícios de vontade do autor no que prometera à ré, esta apelou da sentença proferida na fase da condensação, o recurso foi admitido com subida diferida, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença no dia 6 de Janeiro de 2003, que julgou improcedente a acção no que concerne à arguição da invalidade do contrato dito de promessa, e procedente a reconvenção, e que condenou o autor, a título de responsabilidade contratual e sucessória, a pagar à ré € 54.776,09.

Apelou o autor e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Fevereiro de 2004, deu provimento ao recurso de apelação interposto pela ré da sentença proferida na fase da condensação, absolvendo-a dos pedidos de entrega ao autor de 6.336 acções e do pagamento de 6.070,47 e do montante dos dividendos anuais líquidos correspondentes às 396 acções, vencidos desde 21 de Maio de 1990 até 28 de Setembro de 1990 e os dividendos anuais líquidos relativos às 6.336 acções vencidos desde 29 de Setembro de 1990, e, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo autor da sentença proferida a final, absolveu-o do pedido reconvencional e manteve a parte da decisão relativa à improcedência da acção concernente à invalidade do contrato dito de promessa, do qual o autor e a ré interpuseram recursos de revista.

O autor, no recurso que interpôs, concluiu, em síntese de alegação, o seguinte: - a recorrida prescindiu da posição contratual que lhe advinha da mencionada promessa, e apenas assumiu a posição de credora da herança aberta por óbito do irmão do recorrente; - não houve proposta negocial da recorrida, mas posição processual que permitia à ré defender o seu interesse moral, por um lado, e aumentar em mais de € 4.987,98 o seu pedido reconvencional de indemnização; - a partir dessa posição processual, só havia que discutir o mérito da reconvenção formulada pela recorrida, por aquela posição processual ter tornado inútil a apreciação do pedido de anulação que o recorrente formulara em primeiro lugar; - não se provou o desfalque alegado pela recorrida, pelo que seria contraditório condenar-se o recorrente a pagar por ele; - deve revogar-se o acórdão da Relação na parte em que revogou a sentença proferida no despacho saneador, por ter violado, por erro de aplicação, o artigo 218º do Código Civil.

Respondeu a recorrida em síntese de conclusão: - não renunciou aos seus direitos derivados do contrato-promessa, pois se limitou, na contestação, a pedir a declaração de extinção por remissão das obrigações do recorrente emergentes daquele contrato; - como a remissão se não traduz em negócio unilateral, para se considerar concluída, importava que o recorrente declarasse aceitar a sua proposta, o que não aconteceu; - os factos provados não revelam a dispensa da declaração de aceitação da proposta por parte do recorrente a que se reporta o artigo 234º do Código Civil, não aplicável na espécie por aquele nunca a haver reconhecido e, por isso, não ocorre a intencionalidade da aceitação nele prevista; - a não oposição do recorrente à admissibilidade do pedido reconvencional não constitui facto do qual, à luz das concepções dominantes, se possa deduzir a aceitação da proposta de remissão; - não há lei, uso ou convenção que permita atribuir ao silêncio do recorrente o valor de aceitação, pelo que não operou a remissão da sua dívida, e mantém-se em vigor as obrigações por ele assumidas no contrato-promessa; - não há incompatibilidade lógica na cumulação do pedido reconvencional com a manutenção das obrigações decorrentes do contrato-promessa, porque na acção está em causa a responsabilidade contratual do recorrente enquanto promitente devedor e, na reconvenção, a sua responsabilidade sucessória; - a existir a referida contradição lógica, devia o recorrente ter reclamado do questionário na parte inserente dos factos concernentes tal matéria, mas não reclamou.

A recorrente formulou, por seu turno, no recurso de revista que interpôs, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os factos provados são suficientes para fundamentar o direito invocado pela recorrente e para a procedência do pedido reconvencional; - C, caixa e gerente de sucursal da recorrente, sempre seria o responsável, nos termos dos artigos 798º a 800º do Código Civil, pelo pagamento de € 54.776,09 em falta, independentemente de ter sido ele o autor do desfalque ou de o ter gasto em seu proveito; - o comportamento de C é ilícito nos termos e para os efeitos do artigo 798º do Código Civil, por ser desconforme com o que lhe era exigível no exercício das suas funções; - comparando a conduta de C com a de um bonus pater familiae, é de concluir pela sua culpa no prejuízo sofrido pela recorrente e, porque se está no domínio da responsabilidade contratual, ocorre a presunção de culpa prevista no artigo 799º, nº. 1, do Código Civil; - a responsabilidade do recorrido decorre da sua qualidade de único e universal herdeiro de C, nos termos os artigos 2068º e 2098º do Código Civil; - o acórdão recorrido, ao decidir como o fez, violou os artigos 798º, 799º, 800º, 2068ºe 2098º do Código Civil, 264º e 664º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado na parte em que considerou a reconvenção improcedente.

Respondeu o recorrido, em síntese útil de alegação, o seguinte: - não ficou provado o desvio por C de € 54.776,09, pelo que a resposta ao quesito nono, no sentido de a recorrente não haver recuperado a referida quantia, está prejudicada.

II- São os seguintes os factos declarados provados no acórdão recorrido: 1. C, irmão do autor, foi admitido como empregado da ré em 1946, e passou a ser gerente comercial da sucursal dela em Coimbra em 1956, o que fez até ao dia 1 de Fevereiro de 1989, na qual era o caixa.

  1. C era dono de trezentas e noventa e seis acções ao portador no capital social da ré de cem milhões de escudos, nela depositadas, com o valor nominal de quatro mil escudos.

  2. C faleceu no dia 3 de Fevereiro de 1989 em Coimbra, no estado de solteiro, e o autor, que exerce o apostolado sacerdotal na igreja da Ordem da Trindade foi declarado habilitado como seu único herdeiro.

  3. No dia 4 de Fevereiro de 1989, D, presidente do conselho de administração da ré, comunicou ao autor que C havia efectuado um desfalque na sucursal de Coimbra no valor de 5.000.000$...

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