Acórdão nº 04B2885 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução14 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 17/9/2001, A moveu à B, e à Companhia de Seguros C, acção declarativa com processo comum na forma ordinária, tendo em vista obter a condenação solidária das demandadas a pagar-lhe indemnização no montante de 4.187.500$00, com juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e a liquidar em execução de sentença no respeitante ao período decorrente desde a data da apresentação da petição inicial em juízo até substituição do veículo.

Alegou para tanto, em síntese, que em 15/9/2000, ao Km 34,450 da auto-estrada A4, quando conduzia o automóvel de matrícula HF, de que é proprietário, no sentido Amarante - Porto, surgiu-lhe, a correr, vindo da direita, atento o seu sentido de marcha, um animal de raça canina de que só se apercebeu quando este se encontrava a 2 metros do veículo, pelo que não teve tempo de evitar o embate.

Em consequência, não conseguiu controlar a marcha da viatura, que entrou em despiste e capotou diversas vezes até se imobilizar na berma direita da auto-estrada.

Este acidente teve como consequência a total destruição do veículo do A., no valor de 2.100.000 $00, valendo os salvados 100.000$00, e o A. ficou privado desse veículo desde o dia do acidente, situação que se mantém, passando, além do mais, a despender 500$00 diários nas suas deslocações de e para o emprego.

Na tese do demandante, estabeleceu-se entre ele e a B um contrato inominado tendo por objecto a utilização de auto-estrada de que resultou para o utilizador a obrigação de pagar a portagem e para a B a de permitir que aquele aceda à circulação nessa via com comodidade e segurança.

Nessa tese, o aparecimento do canídeo é da responsabilidade da B, visto que só se encontrava naquele local da auto-estrada porque as infra-estruturas destinadas a impedir a entrada de animais nessa via estavam deterioradas e com vários buracos.

A responsabilidade da 2ª Ré (seguradora) resulta do facto de a 1ª Ré ter a sua responsabilidade civil transferida para ela por contrato de seguro titulado pela apólice nº 87/38.299.

Distribuída ao 1º Juízo Cível da comarca de Paredes, esta acção foi contestada (e houve réplica, que, no entanto, foi, em deferimento de reclamação, mandada desentranhar).

Depois proferido saneador tabelar, indicada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, veio, após julgamento, a ser proferida sentença do Círculo Judicial de Paredes com data de 14/7/2003 que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição das Rés do pedido.

O recurso de apelação que o A. interpôs dessa decisão foi, por maioria, julgado procedente.

Assim, por acórdão de 26/2/2004, que foi publicado na CJ, XXIX. 1º, 189 ss, a Relação do Porto revogou a sentença apelada, e condenou as Rés a pagar ao A., com os juros pedidos, a quantia de € 13.168,26 e as que se liquidarem em execução de sentença em relação aos danos cujos montantes não se apuraram.

É dessa decisão que vem, pelas assim vencidas, pedida revista.

Em fecho da alegação respectiva, a Ré B deduz as conclusões seguintes: 1ª - A responsabilidade contratual não é aplicável ao caso dos autos, pois: a) - não se celebrou nenhum contrato entre a B e o utente; b) - o pagamento da portagem não reflecte a existência de qualquer contrato, quer porque a portagem é uma taxa paga em contrapartida da prestação de um serviço público, quer porque há troços na auto-estrada em que não há lugar ao pagamento de portagem; c) - o único contrato que existe é o celebrado entre o Estado e o concessionário, a que o utente é alheio, não podendo, sequer, exigir o seu cumprimento.

  1. - Também não se aplica o disposto no nº1º do art.493º C.Civ., desde logo porque, a considerar-se a auto-estrada uma coisa, não existe, no caso dos autos, qualquer defeito da própria auto-estrada, não se aplicando a presunção de que houve violação do dever de mantê-la em condições de segurança.

  2. - Tem sido entendimento quase unânime da jurisprudência que a responsabilidade da B, no caso de acidentes de viação ocorridos em auto-estradas concessionadas de que resultem danos indemnizáveis deve situar-se no âmbito da responsabilidade extracontratual subjectiva e na verificação cumulativa dos pressupostos em que (esta) assenta, tal como dispõe o nº1º do art.483º C. Civ.

  3. - Não se verificaram no caso dos autos todos os pressupostos, designadamente a culpa da B.

  4. - Por outro lado, não foi alegado, nem provado, por onde e como apareceu o animal na via.

  5. - Acresce que as vedações servem apenas para delimitar a propriedade, não servindo para impedir a entrada ou passagem de animais para as vias, tal como decorre da leitura do diploma que regula o contrato de concessão.

    As conclusões deduzidas pela Companhia de Seguros C, são, por sua vez, como se segue: 1ª - O contrato que atribui à B a concessão das auto-estradas limita-se a regular as relações entre concedente e concessionária, não conferindo aos particulares, que não são parte no contrato, o direito a demandar a B invocando a responsabilidade contratual desta.

  6. - Assim, a eventual responsabilidade da concessionária da auto-estrada por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente de viação traduz-se numa responsabilidade extracontratual.

  7. - A existência dessa responsabilidade depende da verificação em concreto dos pressupostos gerais mencionados no art.483º C.Civ., ou seja, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

  8. - Em face da carência de factos dados como provados, falecem pelo menos dois desses pressupostos - a culpa e o nexo de causalidade - e, nessa medida, o acidente dos autos não pode ser imputado à B a título de culpa.

  9. - Nos termos do art.483º, nº2º, C.Civ., só existe a obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

  10. e 7ª - Porque não existe qualquer disposição legal que imponha responsabilidade objectiva à B, esta acção tinha forçosamente de ser julgada improcedente.

  11. - O acórdão em crise fez interpretação e aplicação incorrecta dos arts.342º, 483º, 487º, 798º e 799º C.Civ.

    Houve contra-alegações, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    Convenientemente ordenada (1) a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicando-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos): - Em 15/9/2000, pelas 15 horas, o A. conduzia o veículo de marca Ford, modelo Escort, com a matrícula HF, sua propriedade, pela auto-estrada A 4, no sentido Amarante/Porto, cerca do km 34,450 ( A ).

    - Para passar a circular naquela via, o A. retirou um talão que lhe permitiria pagar a utilização que fez daquela auto-estrada, caso tivesse terminado a viagem iniciada ( B ).

    - Naquele local, a faixa de rodagem comporta duas vias de trânsito, no sentido Amarante/Porto(7º).

    - No local e hora referidos, o A. circulava a uma velocidade de 110/115 Km/hora ( 1º).

    - Acabava de terminar a ultrapassagem de um veículo pesado de mercadorias, pela via de trânsito mais à esquerda da auto-estrada referida, atento o seu sentido de marcha, e aprontava-se para regressar à via de trânsito mais à direita (2º).

    - Nesse momento surge-lhe, a correr, um canídeo de porte médio (3º e 6º).

    - O A. só se apercebeu do canídeo quando ele se encontrava cerca do veículo, que embateu no canídeo (5º e 8º).

    - Face ao embate, o A. não conseguiu controlar o veículo e entrou em despiste (9º).

    - O veículo do A. capotou por diversas vezes até se imobilizar na berma do lado direito da auto-estrada (10º).

    - Na data e próximo do local descritos, a vedação da auto-estrada apresentava, numa parte, uma abertura ( 11º).

    - As vedações, em arame farpado, foram construídas de acordo com as normas técnicas e de acordo com o projecto aprovado pela ex-Junta Autónoma de Estradas ( 12º).

    - A Ré B procede a patrulhamentos regulares e constantes das auto-estradas da concessão, 24 sobre 24 horas ( 13º).

    - Também a GNR-BT procede a tais patrulhamentos, 24 horas sobre 24 horas (14º).

    - Nos patrulhamentos efectuados antes da ocorrência descrita nada foi detectado que pusesse em causa a normal circulação automóvel, designadamente qualquer deficiência na vedação (15º).

    - Em consequência dos factos descritos, ficaram danificadas partes estruturantes do veículo do A., o que levaria a que qualquer reparação nunca o colocaria em condições de total segurança (16º e 17º).

    - Na altura do acidente, esse veículo tinha 80.000 quilómetros e era um carro com cerca de 4 anos de idade, valendo naquela data 2.100.000$00 ( 18º e 19º).

    - O A. ficou privado do veículo aludido desde 15/9/2000, situação que ainda se mantém nesta data ( 21º e 22º).

    - Utilizava-o duas vezes por dia, 6 dias por semana, para se deslocar de casa para o emprego, no restaurante Bom Pastor, sito na cidade do Porto, sendo tal distância de 15 km ( 23º e 24º).

    - Passou a ter que se deslocar para o seu local de trabalho recorrendo a outros meios de transporte, passando, com tal facto, a ter despesas não concretamente apuradas (25º e 26º)..

    - Deixou de poder dar os passeios que habitualmente dava com a mulher, bem como de se deslocar a casa de amigos, o que fazia com assiduidade à noite e aos fins de semana (26º-A ).

    - Um veículo com as características do referido custaria por dia, em caso de aluguer, a quantia de 5.000$00 ( 27º).

    - O A. tem uma propriedade agrícola em Cinfães do Douro, perto do Marco de Canaveses, onde cultivava produtos agrícolas como batatas, couves, tomates e salsa, que o mesmo e família utilizavam posteriormente na sua vida quotidiana (28º).

    - Esses produtos representavam, mensalmente, uma...

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