Acórdão nº 47/05.0TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: LIVRO 338 - FLS. 229.

Área Temática: .

Legislação Nacional: ARTº 12º DA LEI N.° 24/2007, DE 18/07.

Sumário: I- Ainda antes da publicação da Lei n.° 24/2007, de 18/07, começou a emergir uma corrente jurisprudencial que, embora caracterizando a responsabilidade civil da concessionária das auto- estradas, pelos acidentes nelas ocorridos em consequência de objectos existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais ou líquidos na via, no regime da responsabilidade extracontratual, considerava que, sendo ela detentora de um poder de facto sobre essas vias, com o dever de as vigiar permanentemente e de assegurar aos utentes todas as condições de segurança e comodidade, justificava-se que respondesse por culpa presumida, nos termos do n.° 1 do art. 493º, quer o dano fosse causado pela auto-estrada em si mesma, quer fosse provocado pelo incorrecto funcionamento de qualquer das coisas acessórias que a integram e visam contribuir para assegurar os desejáveis níveis de segurança.

II- A norma do art. 12.° da Lei n.° 24/2007 veio impor à concessionária, relativamente aos acidentes ocorridos nas auto- estradas, com consequências danosas para pessoas ou bens, e independentemente da sujeição ao pagamento de portagem pelo utilizador, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança.

3- Vindo, assim, de encontro à solução prevista no art. 493º, n.° 1, do Código Civil, que faz recair sobre o detentor da coisa, com o dever de a vigiar, uma presunção de culpa em relação aos danos que a coisa causar.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 47/05.0TBSTS.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 20-10-2009 Relator: Guerra Banha Adjuntos: Anabela Dias da Silva e Sílvia Maria Pires Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B…………., residente em ……….., Guimarães, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Santo Tirso, acção declarativa de condenação com processo comum sumário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra C……….., S.A., com sede em ………, concelho de Cascais.

Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 12.602,30, a título de indemnização por danos patrimoniais que diz ter sofrido no seu veículo com a matrícula ..-..-QC, em consequência de acidente de viação ocorrido em 27-07-2003, na A3, de que a ré é concessionária, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.

Alegou, em síntese, que o acidente foi causado por um animal de raça felina (gato) que entrou na faixa de rodagem daquela auto-estrada por motivo de deficiente vedação e falta do dever de vigilância pela ré, o qual, de forma súbita e imprevista, atravessou a faixa de rodagem por onde circulava o veículo do demandante, provocando que, em consequência do embate no dito animal, o veículo fosse embater no separador central e depois no separador lateral do lado direito, o que lhe causou danos no montante peticionado.

Regularmente citada, a ré contestou por impugnação a versão dos factos descrita pelo autor, rebateu a natureza contratual da sua responsabilidade civil em matéria de acidentes ocorridos nas auto-estradas e defendeu que essa responsabilidade é extra-contratual e subjectiva, e, por isso, competia ao autor o ónus de alegar e provar a culpa da ré, o que não fez. Concluindo pela improcedência da acção.

Em todo o caso, requereu a intervenção acessória provocada da D……………, S.A., com quem disse ter celebrado um contrato de seguro para garantir, até ao montante de 180.000.000$00, a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros na qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A3. Intervenção que foi admitida por despacho a fls. 62.

Devidamente citada, a chamada apresentou contestação, em que também impugnou a versão dos factos narrada pelo autor, excluiu a pretendida indemnização a título de desvalorização do veículo por inexistência de dano, também considerou que a responsabilidade da ré é de natureza extra-contratual e subjectiva, e, por isso, baseada na omissão culposa do dever de vigiar e assegurar a segurança da circulação rodoviária, que neste caso ao autor competia alegar e provar, e não alegou. Assim também concluindo pela improcedência da acção.

Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida, nos termos do despacho a fls. 232, foi proferida sentença, a fls. 235-249, que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 10.351,92€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.

  1. Desta sentença apelaram a ré e a seguradora interveniente, que limitaram o objecto do recurso à matéria de direito.

    A ré rematou as suas alegações, a fls. 265-293, com a formulação das seguintes conclusões: 1ª.- Resulta da matéria de facto assente nos pontos 25, 26 e 27, em resposta aos quesitos 21, 22 e 13, de que não se recorre e que é de manter, que a C……….. e a GNR-BT efectuam vigilância permanente à A3 e que, nesse dia, nada foi detectado nos patrulhamentos regulares realizados pela recorrente, ou seja, não foi visto o animal (gato), nem foi constatada nenhuma anomalia na rede de vedação que se encontrava em bom estado de conservação.

    1. - Resulta, igualmente, da matéria de facto assente nos pontos 28, 29 e 30, em resposta aos quesitos 24, 25 e 26, de que não se recorre e é de manter, que a vedação não apresentava nenhuma anomalia e obedecia ao modelo aprovado pela entidade fiscalizadora.

    2. - A C………… efectuou no dia 27 de Julho de 2003 vigilância à auto-estrada n.º 3 com toda a diligência e cuidado, verificando não só as condições de circulação como também a própria infra-estrutura, nomeadamente a vedação.

    3. - Tendo a C………. provado que realizou patrulhamentos na A3 e que verificou não só as condições de circulação como as condições da própria vedação, não havendo registada nenhuma anomalia, como consta da matéria de facto assente, não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente dos autos.

    4. - Por outro lado, aplicando a douta sentença recorrida a lei 2412007, faz, no entanto, uma errada aplicação do seu art. 12.º, nomeadamente na conjugação dos seus n.ºs 1 e 2, porquanto se afirma que a causa do acidente tem de ser comprovada no local por autoridade, ora não resulta da participação junta aos autos que a causa do acidente tenha sido o animal, o agente da GNR limita-se a transcrever o que é dito pelo condutor, nada mais.

    5. - Prevê aquela Lei n.º 24/2007 que sem a confirmação obrigatória da causa do acidente por autoridade policial competente não se verifica a inversão do ónus da prova quanto ao cumprimento das obrigações de segurança, desaparecendo por esta via a presunção de não cumprimento previsto no n.º 1 daquele art. 12.º.

    6. - Ao considera-se na douta sentença recorrida que a concessionária apenas provou genericamente o cumprimento das suas obrigações de segurança, existe flagrante contradição com a matéria de facto provada, nomeadamente pontos 25 a 30 dos factos provados, bem como se faz errada interpretação e aplicação dos n.ºs 1 e 2 do art. 12.º da Lei 24/2007.

    7. - Por outro lado, não faz parte do conteúdo do objecto do dever da recorrente que em nenhum momento o piso possa estar molhado, ou a água gele ou nele caia óleo ou em momento algum caia urna pedra ou um pneu. Não integra o objecto desse dever que, num momento, sem que se saiba corno, um gato não apareça na via. No objecto do seu dever não existe semelhante obrigação que pudesse fundar quer a ilicitude da sua conduta quer uma presunção de culpa pela sua verificação. Tendo surgido esses factos, que são ou podem ser instantâneos, haverá então que averiguar se houve da recorrente negligencia na sua remoção. Mas a não verificação deles não integra originariamente um dever da recorrida para com os utentes, pois isso constituiria a estatuição originária de um dever impossível de cumprir e sabe-se que não poderia considerar-se válida tal estatuição originária de dever impossível de cumprir.

    8. - Inexistindo no objecto do dever da concessionária tal responsabilidade originária não lhe poderá ser atribuída uma conduta ilícita nem uma presunção de culpa pelo surgimento de tais factos. Só a através da demonstração de culpa por omissão subsequente à verificação daqueles factos poderá a recorrente vir a ser responsabilizada.

    9. - Inexistindo tal dever originário estamos fora da responsabilidade contratual pois que esta pressupõe a preexistência da obrigação violada. A modalidade de responsabilidade civil da concessionária terá de ser definida perante tais condicionalismos sendo eles então impeditivos de que ela possa ser a responsabilidade contratual por impossibilidade de os integrar no dever originário que a lei lhe determina.

    10. - A possibilidade de surgimento de um gato numa auto-estrada é urna possibilidade real, que os condutores devem considerar, pela qual a concessionária pode ser ou não responsável, caso tenha ou não cumprido, em concreto as obrigações e deveres que para si decorrem do contrato de concessão.

    11. - Não constitui dever da recorrida, por impossível de cumprir, o de impedir que um gato, pela sua própria natureza de felino, venha a saltar ou a trepar árvores e outros objectos e até mesmo de se esgueirar por pequenos espaços. Os condutores têm o dever de prever essa eventualidade e por isso se lhes impõe a obrigação de respeitar as normas de conduta estabelecidas no Código da Estrada.

    12. - A recorrente é obrigada a assegurar aos utentes auxílio sanitário e mecânico e a circulação permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, devendo vigiá-las (Bases XXXVI e XXXVII). Este dever, porém, não tem fonte contratual, existe independentemente da constituição de qualquer relação obrigacional entre a C………….. e aquele que paga a taxa de portagem, mantém-se nos troços dela isentos e também a favor...

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