Acórdão nº 04B4356 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 15/1/2001, A e mulher B moveram à "C", S.A., acção declarativa com processo comum na forma ordinária que foi distribuída ao 4º Juízo Cível da comarca da Vila da Feira.

Pretendiam, em via principal, a declaração: a) - da nulidade da oferta de aquisição de acções da "D", S.A. (AIP, SGPS, S.A.) efectuada pela demandada e da aquisição dessas acções por escritura pública outorgada pela mesma em 22/10/2000 no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, declarando-se nula essa escritura e ordenando-se o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial competente; b) - da inconstitucionalidade do art. 490º CSC, por violação expressa do arts. 13º e 62º da Constituição.

Subsidiariamente, pediram que se declarasse que as acções da AIP, SGPS, S.A., de que os AA são titulares (só) são adquiridas pela Ré desde a data da propositura desta acção, que se fixasse o valor em dinheiro de cada acção daquela sociedade, e que se condenasse a mesma a pagar aos AA a quantia correspondente às 17.076 acções (menos de 0,1% do capital) da AIP, SGPS, S.A., que possuem, com juros legais desde a data da propositura da acção até integral pagamento.

Para além da inconstitucionalidade aludida, alegaram para tanto, em desenvolvidos termos: - violação do art. 490º, n. 2º, CSC, por falta de independência do revisor oficial de contas que elaborou o relatório justificativo do valor da oferta (emitido ao abrigo do art. 48º do DL 487/99, de 16/11 - Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas), e consequente nulidade, nos termos do art. 294 C. Civ., da proposta de aquisição apresentada pela Ré ; - violação dos arts.406º (al.m)), 411º, e 490º (cfr.também arts.100º e 489º) CSC, e consequente nulidade, nos mesmos termos, da deliberação de aquisição de domínio total pelo Conselho de Administração, por ser da competência dos sócios e estar sujeita a deliberação da Assembleia Geral (1); - e a nulidade da operação aludida por fraude à lei, visto contrariar norma relativa às SGPS, concretamente o disposto no art.11º, nº2º, do DL 495/88, de 30/12, com as alterações introduzidas pelos DL 318/94, de 24/12, e 378/98, de 27/11.

Ao valor de 2.267$00 por cada acção oferecido pela Ré aos accionistas minoritários, contrapuseram o de 7.000$00.

A petição inicial (com 105 artigos) foi, após prorrogação consentida pelo art.486º, nºs 5º e 6º, CPC, oposta contestação (com 492 items).

Com igual prorrogação (por 15 dias), houve réplica (com 216 artigos), de que foi reclamada com êxito a nulidade parcial.

Esta acção foi entretanto objecto de registo, em obediência ao disposto no art.9º do Cód. Reg.

Comercial.

Em 22/2/2002, teve lugar audiência preliminar, com tentativa de conciliação infrutífera, requisição de documentos às partes, e final convite às mesmas para, em vista do art.3º CPC, se pronunciarem sobre eventual entendimento de que a consignação em depósito prevista no art.490º, nº4º, CSC tem de ser feita judicialmente nos termos dos arts.1024º ss CPC, sendo a sua omissão por essa forma susceptível de gerar a nulidade, de conhecimento oficioso, da escritura de aquisição das acções da AIP com vista à aquisição do domínio total desta pela Ré.

A resposta da demandada a esse convite apoia-se nos pareceres, em contrário daquele entendimento, dos Professores Ferreira de Almeida e Pinto Monteiro (com data, respectivamente, de 13 e de 12/3/2002) que então juntou ; a dos AA corrobora o entendimento prefigurado na audiência pre liminar, invocando nota de Abílio Neto ao art.1024º CPC ("CPC Anotado ", 17ª ed.(2003), 1237, nota 5, onde se lê que "um dos casos de consignação obrigatória em depósito é o previsto no nº4 do art.490º do Código das Sociedades Comerciais ").

Com data de 15/7/2002, foi depois lavrado despacho saneador que julgou inconstitucional a norma constante do art.490º, nº3º, CSC, e dever ser judicial o depósito imposto pelo nº2º desse artigo. Com este último fundamento, concluiu pela nulidade, conforme art.294º C.Civ. da escritura de aquisição pela Ré das participações sociais dos AA em causa.

Julgou-se então, por consequência, procedente o pedido principal trazido a juízo (2) .

A assim vencida apelou desse saneador-sentença, juntando à alegação respectiva pareceres dos Professores Jorge Miranda, Gomes Canotilho e Menezes Cordeiro (sem data o segundo, os demais estão datados de 3/11/2003) no sentido da constitucionalidade do art.490º, nº3º, CSC, pronunciando-se este último também sobre a segunda das questões referidas. Antes dos vistos, foram juntos, ainda, pareceres do Professor Calvão da Silva (de Dezembro de 2003) e do Dr.Armindo Ribeiro Mendes (de 17/11/2003), que analisam igualmente ambas as questões aludidas.

A Relação julgou procedente a apelação, revogou o saneador-sentença impugnado, e ordenou o prosseguimento do processo.

É dessa decisão que os AA pedem, agora, revista.

Em fecho da alegação respectiva, deduzem as conclusões que seguem, delimitativas do âmbito ou objecto deste recurso (arts.684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC): 1ª - Ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, o disposto no nº3º do art. 490º CSC viola os arts.13º, 18º, 61º e 62º da Constituição.

  1. - Com efeito, verifica-se uma enorme desproporção entre os benefícios que emergem para a sociedade dominante da aplicação do nº3º do art.490º CSC e os prejuízos que daí advêm para os sócios minoritários, que ficam arbitrariamente despojados da sua qualidade de sócios, violando-se o seu direito de propriedade.

  2. - Essa desproporção não respeita o princípio da proporcionalidade, pelo que se revela inadmissível enquanto restrição ao direito de propriedade privada e ao direito de livre iniciativa económica.

  3. - Entende-se ser manifesta a desproporção entre o benefício auferido pela sociedade dominante e a desvantagem suportada pelos sócios minoritários, pois enquanto à sociedade maioritária é permitida a aquisição da totalidade do capital social tendo unicamente em vista a tomada de um reduzido número de decisões que obrigam à aquiescência unânime dos sócios, os sócios minoritários têm de suportar a extinção do seu direito de propriedade relativamente à participação no capital social da sociedade dominada, sendo certo que seria possível alcançar os mesmos objectivos - aquisição de domínio total da sociedade - através de outros meios que não implicassem a perda do direito de propriedade de participações sociais.

  4. - Acresce que a decisão recorrida não pode igualmente manter-se na parte em que decidiu que a consignação em depósito da contrapartida das participações adquiridas a que se refere o nº4º do art.490º CSC deve ser efectuada numa instituição bancária e não judicialmente, através do processo especial regulado nos arts.1024º ss CPC.

  5. - Essa consignação em depósito é obrigatória e constitui requisito prévio imperativo para que possa ser validamente celebrada a escritura de aquisição.

  6. - Ora, pode concluir-se da leitura conjugada do nº4º do art.490º CSC e do nº1º do art.1024º CPC que a consignação em depósito a que se refere o nº4º do art.490º CSC deve ser feita pela via judicial - neste sentido, ARL de 4/6/2002, CJ, XXVII, 3º, 92.

  7. - Pelo que, omitida a prévia consignação judicial em depósito, é nula a escritura celebrada pela Ré em 22/12/2000, através da qual declarou adquirir as participações de que os AA eram titulares na sociedade D - Investimentos e Participações, S.A.

  8. - Não pode, pois, concordar-se com a decisão recorrida na parte em que aplicou analogicamente ao caso dos autos o disposto no art.194º, nº4º, CVM, uma vez que, aplicando analogicamente essa norma, teremos de concluir exactamente em sentido oposto, através do argumento a contrario.

  9. - Isto é, no art.490º CSC, o legislador omitiu propositadamente a indicação de a consignação em depósito ser efectuada numa instituição bancária, tendo no caso do art.194º CVM optado por dispor expressamente que essa contrapartida assim deveria ser depositada, em instituição bancária.

    Pelo que, utilizando o argumento a contrario, temos de concluir em sentido totalmente diverso do expendido na decisão recorrida.

  10. - De resto, toda a sistematização da Operação Pública de Aquisição das sociedades abertas ao investimento público é diferente, prevendo a fixação de melhor contrapartida a favor dos destinatários da OPA, quer mediante a possibilidade de ofertas concorrentes e sucessivas, quer através da supervisão e fiscalização da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, que tem papel activo nessa Oferta.

  11. - No caso em apreço, os sócios livres não têm qualquer protecção, pelo que obviamente não se deve aplicar isoladamente uma norma que aparece integrada num contexto totalmente diferente daquele que vem regulado no art.490º CSC.

  12. - Tem, pois, que concluir-se, ex vi do nº7º do art.490º CSC, que o nº4º do art.194º CVM só se aplica às sociedades de capital aberto ao investimento público.

  13. - Em suma, a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente ao caso dos autos as normas previstas no nº4º do art.490º CSC e dos arts.294º C.Civ. e 1029º CPC.

    Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    As questões a resolver neste recurso são de novo a da arguida inconstitucionalidade da norma constante do nº3º do art.490º CSC, por contrariar os arts 13º, nºs 1º e 2º, 18º, 61º, nº1º, e 62º, nº1º da lei fundamental. (4 primeiras conclusões), e a relativa ao modo por que deve ser feita a consignação em depósito referida no nº4º do mesmo art.490º (conclusões restantes).

    A matéria de facto a ter em atenção é a fixada pelas instâncias, para que se remete em obediência aos arts.713º, nº6º, e 726º CPC. Assim, apreciando e decidindo: 1ª questão: Da conformidade da norma estabelecida no nº3º do art.490º CSC com a Constituição da República Portuguesa: O art.490º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), disposição, no direito nacional, inovadora, subordinada à epígrafe "Aquisições tendentes ao domínio total", veio permitir, em 1986 (3), que uma...

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