Acórdão nº 04B4468 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA BARROS
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 5/4/99, a A - Bobinagem de Fios, Lda, intentou na comarca de Almeida contra a B - Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., acção declarativa com processo comum na forma ordinária destinada a obter a condenação da demandada a pagar-lhe 188.850,20 libras inglesas, com juros moratórios, à taxa legal, desde 21/3/98 até efectivo e integral pagamento.

Invocou para tanto o furto de mercadorias nesse valor, de cujo transporte para Londres tinha encarregado a C - Transportes do Centro de Coimbra, Lda, e que ocorreu entre 22 e 23/1/98 no Parque TIR de Vilar Formoso. Alegou, mais, ter transferido para a Ré a responsabilidade civil pelos danos causados nas mercadorias transportadas através de seguro titulado pela apólice nº71163476.

Em contestação com 156 artigos, a Ré excepcionou, dilatoriamente, a incompetência territorial do tribunal referido e a ilegitimidade da A., e peremptoriamente, a nulidade do contrato de seguro invocado, por a A. ter omitido factos essenciais para a apreciação do risco. Deduziu também defesa por impugnação. Houve réplica.

Assim findos os articulados, foi lavrado despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção da incompetência territorial e se relegou para final o conhecimento das demais excepções.

Então também indicados os factos assentes e fixada a base instrutória (a que vieram a ser aditados dois quesitos), foi, após julgamento, proferida, com data de 15/7/2003, sentença do Círculo Judicial da Guarda, que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade da A., mas improcedente também a acção e, consequentemente, absolveu a Ré seguradora do pedido submetido a juízo.

A Relação de Coimbra julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela A. (1) e confirmou a sentença apelada.

É dessa decisão que vem agora pedida revista. Em fecho da alegação respectiva, a recorrente deduz, em termos úteis, as conclusões que seguem : 1ª - O Supremo Tribunal de Justiça pode intervir em matéria de facto quando ocorra interpretação ou aplicação errada das normas definidoras da força probatória dos meios de prova de que as instâncias se serviram ou, conforme arts.729º e 730º CPC, quando se verifique insuficiência dos factos sobre que incidiu a produção da prova para firmar a decisão de direito.

  1. - Na decisão da 1ª instância, confirmada pela Relação, diz-se que relativamente à ocorrência do furto, nenhuma prova foi produzida, sendo certo que para tal não pode bastar a mera apresentação de uma denúncia por parte do motorista.

  2. - Porém, os documentos a fls. 43 a 62 não contêm apenas uma denúncia por parte do motorista. Com efeito, trata-se da certidão judicial relativa à totalidade do processo de inquérito instaurado em consequência de tal denúncia.

  3. - As instâncias não atenderam aos referidos documentos autênticos, pelo que fizeram interpretação ou aplicação errada das normas definidoras da força probatória dos meios de prova, designadamente previstas nos arts. 358º, 363º, e 371º C.Civ.

  4. - A A. alegou, além do mais, no artigo 15º da petição inicial que se viu esbulhada da propriedade e posse das 741 caixas de cartão contendo 12.060 T-Shirts Jersey Uni., 2.400 Sweat-shirts Multicolor Stripes, 12.000 Polos-Shirts Jersey, 2.500 T-Shirts Gym Unique e 12.600 Polo-Shirts Piquet, artigos esses que, tal como alegou, iriam ser fornecidos à identificada sociedade comercial inglesa pelo preço de 188.850,20 libras inglesas.

  5. - Apesar de ter manifesto interesse para a decisão da causa, essa matéria não foi objecto de julga mento, sendo certo que os factos sobre que incidiu a produção da prova são insuficientes para firmar a decisão de direito, que julgou a acção improcedente por não ter julgado provado o furto, olvidando, contudo, os demais factos alegados pela A., designadamente o ver-se esbulhada da propriedade e posse da mercadoria, facto que constitui, com outros, a causa de pedir desta acção.

  6. - A possibilidade de ordenar a ampliação da matéria de facto a que se refere o nº3º do art. 729º CPC, além de estar condicionada aos factos alegados pelas partes, tem como pressuposto que as instâncias tenham deixado de se pronunciar sobre factos que hajam sido alegados, ou que foram pouco diligentes no aprofundamento e explicitação dos mesmos - Ac.STJ de 16/6/83, BMJ 328/546.

  7. - Estão, pois, reunidos no caso dos autos os pressupostos de que depende que o Supremo Tribunal de Justiça ordene a ampliação da matéria de facto, designadamente a constante dos artigos 15º e 16º da petição inicial - arts. 729º e 730º CPC.

  8. - Sem prescindir, verifica-se contradição entre a decisão quanto à matéria de facto e a decisão ou fundamentação de direito, que conduz à nulidade do acórdão recorrido.É que deu-se como provada a inclusão da cláusula CIF, conforme resposta ao quesito 14º, e, surpreendentemente, concluiu-se, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, que, afinal, não era CIF, mas CIP.

  9. - Acresce que, ao arrepio da matéria de facto assente, as instâncias concluíram que o risco de perecimento das mercadorias recaía sobre a sociedade inglesa e que o contrato de seguro que a A. celebrou com a Ré assume os contornos de um seguro de responsabilidade civil e de - imagine-se - um contrato a favor de terceiro, conforme art. 443º C.Civ.

  10. - Mais uma vez há contradição entre a decisão de facto e a de direito. Na verdade, o art. 428º, § 2º, C.Com. dispõe que se não se declarar na apólice que o seguro é por conta de outrem, considera-se contratado por conta de quem o fez.

  11. - Esse preceito estabelece uma presunção iuris tantum, podendo ser ilidida por prova em contrário, consoante art. 350º, n. 2, C.Civ. Ora, da matéria de facto provada resulta expressamente que o seguro foi feito a favor da A. - als.A), B) e C) da matéria de facto assente e documentos a fls. 33 (proposta de seguro) e 34 ( certificado de seguro ).

  12. - Aliás, a A. não alegou ter vendido a mercadoria à sociedade inglesa, mas apenas que essa mercadoria se destinava a esta sociedade, conforme se alcança do artigo 16º da petição inicial, matéria de facto sobre que as instâncias não se pronunciaram e que, para além de ter sido alegada, é imprescindível para fundamentar a decisão de direito, pelo que a sua insuficiência determinaria a ampliação da matéria de facto, que o Supremo Tribunal de Justiça deve ordenar.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Convenientemente ordenada (2), a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicando-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos) : (1) - A A. é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a bobinagem de fios, comércio e fabrico de fios, desperdícios de algodão e fibras, actividade a que se dedicava com carácter habitual e fim lucrativo ( 1º).

(2) - Em 10/11/97, foi contactada para fornecer à sociedade D, Ltd, 12.060 T-Shirt Jerseys Uni., 2.400 Sweat-shirts Multicolor Stripes, 12.000 Polo-Shirts Jersey, 2.500 T-Shirts Gym Unique, e 12.600 Polo-Shirts Piquet ( 2º).

(3) - A A. aceitou fornecer essa mercadoria à D, Ltd, pelo preço de 188.850 libras inglesas ( 3º e 4º).

(4) - A A. acordou com a sociedade D, Ltd. enviar-lhe a mercadoria referida para Monkville Avenue, Temple Fortune, Londres, Inglaterra, tendo esta última, no entanto, solicitado, em 21/8/98, que a mercadoria fosse antes enviada para Claridon Shipping (UK) Ltd, Unit 1, Eurotrade Industrial Estate, Fishers Way, Belvedere, Kent, DA17 6BS ( 15º).

(5) - A sociedade D, Ltd., apôs na proposta dirigida à A., que a aceitou, a expressão " CIF London/England " ( 14º).

(6) - Ficou convencionado que o pagamento dos preditos artigos têxteis seria efectuado no prazo de 60 dias, a contar do dia 21/1/98 ( 5º ; v. também CMR a fls19 ).

(7) - A A. adquiriu esses artigos à E - Indústria e Comércio Têxtil, S.A.( 6º).

(8) - E contactou a C - Transportes do Centro de Coimbra, Lda, para proceder ao transporte desses artigos de vestuário, por camião, desde os armazéns da E - Indústria e Comércio Têxtil, S.A., sitos na Zona Industrial Varziela, Vila do Conde, até às instalações da "D", Ltd, sitas em Londres ( 7º).

(9) -...

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