Acórdão nº 04B4666 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUÍS FONSECA
Data da Resolução15 de Março de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" propôs a presente acção contra B e mulher C, pedindo, a título principal, que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial em falta nos termos prescritos no art. 830º do Cód. Civil, substituindo-se os réus pelo autor na titularidade da metade indivisa da "Bouça do Talho", declarando-se transferida a favor do autor metade indivisa do prédio id. no art. 49º da petição inicial, propondo-se ele, autor, satisfazer a importância do preço ainda em dívida, ou seja, a quantia de 26.000.000$00.

Subsidiariamente, pede a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 80.000.000$00, como indemnização pelo incumprimento do contrato promessa.

Alega para tanto que celebrou, como promitente-comprador um contrato promessa com os réus, tendo-o estes incumprido nos termos que concretiza.

Contestaram os réus, alegando que não incumpriram o contrato.

Após tramitação complexa, com vários recursos já decididos, foi proferida sentença onde se: a) absolveram os réus do pedido principal; b) condenaram os réus no pedido subsidiário; c) condenaram ainda os réus por litigância de má fé, na multa de 10 UCCs.

Os réus apelaram, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 8 de Julho de 2004, confirmado a sentença recorrida, excepto quanto à condenação por litigância de má fé que revogou.

Os réus interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso: 1- A condenação dos recorrentes estriba-se, no entendimento vertido na sentença da 1ª Instância, no incumprimento definitivo por impossibilidade superveniente, do contrato promessa em causa aos mesmos imputável - " condenando os Réus a pagarem ao Autor a quantia de €399.038,31 (...) a título de cláusula penal devida pelo incumprimento do contrato promessa" 2- Atento o estabelecido nas cláusulas d) e e) desse contrato promessa - al. C), 4ª e 5ª dos factos assentes e ponto VI do acórdão recorrido - era incumbência do recorrido proceder à marcação da escritura pública prometida até ao final de Fevereiro de 1994 e interpelar os recorrentes para comparecerem na mesma, o que aquele jamais fez, podendo fazê-lo - pois que apenas em 19/6/1995, quase 16 meses depois de Fevereiro de 1994 (al. M) dos factos assentes) um prédio foi arrematado em arrematação em hasta pública - encontrando-se, por isso, o mesmo em mora (cfr. art. 813º, parte, do Cód. Civil e o acórdão da Relação do Porto de 1/4/03, in http:/www.dgsi.pt/jrp.nsf/ proc. nº 0320650).

3- Estando o recorrido em mora que jamais fez cessar, pelo referido facto, jamais estiveram, evidentemente, os recorrentes em mora pelo que, necessariamente, jamais se encontraram em incumprimento definitivo, pelo que não podiam estes ser condenados "pelo incumprimento do contrato promessa junto aos autos" e, assim, deveria a sentença recorrida e o acórdão recorrido, cuja revogação se pede, tê-los absolvido.

4- Não se adere, pois, ao entendimento vertido no acórdão recorrido - ponto VI - , importando considerar que, se os recorrentes eram devedores da sua prestação, isto é, da emissão da declaração de que vendiam a "... metade indivisa do prédio..." e o recorrido era credor da emissão pelos recorrentes de tais declarações de vontade, o certo é, também, que o recorrido era devedor da obrigação contratual de "avisar a contraparte, com oito dias de antecedência, para comparecer no dia e hora designados para a sua realização" da escritura prometida que, como é pacífico, se teria de realizar durante o mês de Fevereiro de 1994.

5- O recorrido tinha de cumprir tal obrigação de "avisar a contraparte" até oito dias antes do final do mês de Fevereiro de 1994, existindo, por isso, prazo certo para o mesmo recorrido cumprir aquela prestação contratualmente fixada, sendo que "Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação: se a obrigação tiver prazo certo." - art. 805º, nº 2, al. b) do Cód. Civil.

6- Era sob o recorrido que impendia o ónus de provar que cumpriu aquela sua obrigação, não colhendo, pois, as considerações vertidas no referido ponto do acórdão recorrido.

Sem prescindir, 7- Ainda que os recorridos estivessem em mora, é entendimento da doutrina e jurisprudência que "A mora na prestação do devedor não dá direito à resolução do contrato sem que seja convertida em não cumprimento definitivo" (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 20/1/1987, C.J., 1987, 1º, pág. 33) nos termos do disposto no nº 1 do art. 808º (e 801º e 805º do Cód. Civil).

8- Mediante interpelação admonitória - que jamais se verificou - de fixação de prazo razoável para o cumprimento ou se o credor perder o interesse na prestação (cfr. acórdãos do S.T.J. de 19/3/96 e de 18.11.99, in http://www.dgsi.pt.jstj., respectivamente proc. nº 08730 e nº 99B752; ac. Rel. Porto de 1/4/03, in http: //www.dgsi.pt.jtrp.nsf/ processo nº 0320650; Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, 3ª ed., pág. 495; A. Varela, in "Sobre o Contrato-Promessa", Coimbra Editora, Lda, págs. 154 e segs.).

9- Nada resulta dos autos quanto à eventual perda de interesse por parte do credor/recorrido - que tanto não se verificou que o pedido principal nos autos era o de execução específica do contrato - nem quanto ao recorrente ter fixado aos recorrentes qualquer prazo para o cumprimento da prestação, o que jamais ocorreu.

10- Não tendo a - aliás inexistente - mora dos recorrentes sido convertida em incumprimento definitivo, não podiam os mesmos ter sido condenados "pelo incumprimento do contrato promessa" e, assim, deveria a sentença recorrida ter sido revogada pelo acórdão recorrido e, em consequência, absolvidos os recorridos, o que ora se pede.

11- No ponto VIII no acórdão recorrido é suscitada a dúvida, não esclarecida no mesmo, se a cláusula penal seria devida, ou não, apenas com o incumprimento definitivo do contrato.

12- A cláusula J) do contrato promessa em causa tem de ser interpretada de acordo com o disposto nos arts. 236º - que consagra a teoria da impressão do destinatário - cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 309, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág. 419, acórdão do S.T.J. de 13/4/94, in C.J./S.T.J., ano II, tomo II, pág. 32, e 238º do Cód. Civil.

13- A expressão "se tal exercício se mostrar inócuo" da alínea J) do contrato não comporta interpretação que não seja a de que só haverá lugar à aplicação da cláusula penal se o exercício de execução específica fosse inútil ou, quando muito, inconsequente para o efeito pretendido pelas partes com a celebração do contrato promessa, isto é, a transmissão do direito de propriedade sobre a metade indivisa do prédio em causa mediante um determinado preço.

14- Apenas é configurável tal eventualidade - julgada verificada em 1ª e 2ª Instância - nos termos supra alegados, perante o incumprimento definitivo - ou admite-se em abstracto, perante situações que legalmente lhe sejam equiparáveis, o que, para o efeito do presente raciocínio, vai dar no mesmo - do contrato e não com a simples mora, pelo que não parece haver lugar às dúvidas enunciadas no acórdão recorrido.

Sem prescindir, 15- A propósito do que no acórdão recorrido é referido sob o ponto VIII importa referir, em primeiro lugar, que in casu os recorrentes outorgaram o contrato como comproprietários de um prédio, prometendo vender o direito à metade indivisa de um prédio, e, portanto, tal prédio não era coisa própria em exclusivo dos mesmos; e, em segundo lugar, nem sempre que se "outorga como proprietário num contrato promessa de compra e venda de coisa própria, e a propriedade se vem, antes do contrato definitivo a transmitir a outrem, a situação deve ser encarada como de incumprimento definitivo" pois que se poderá estar perante impossibilidade de cumprimento não equiparável àquele.

16- Acresce que, ao contrário do que parece inferir-se do acórdão recorrido a "... situação a que o Prof. Antunes Varela recorre para ilustrar o incumprimento definitivo (Direito das Obrigações, II, 7ª ed., 63) (...)." nada tem que ver com a dos autos pois que os recorrentes não venderam a ninguém a metade indivisa de um imóvel que prometeram vender ao recorrido.

17- Ao contrário do entendimento vertido na sentença e no acórdão recorridos, mesmo que o prédio cuja metade indivisa tinha sido prometida vender tivesse sido adquirido por terceiro, não decorre daí a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa nem este se encontra incumprido pelos recorridos pois "... que só na altura da celebração do contrato definitivo se poderá verificar o incumprimento" (acórdão do S.T.J. de 27/1/1967, in http: www.dgsi.pt./jstj, proc. nº 061641 e acórdãos, também do S.T.J., de 27/10/1970 e de 22/1/1997, loc. cit., proc. nº 063207 e nº 96B113), sendo que, nos citados termos do contrato, era ao recorrido que competia marcar a escritura, o que este não fez.

18- Conforme os citados entendimentos jurisprudenciais, mesmo na eventualidade de o prédio cuja metade indivisa tinha sido prometido vender tivesse sido adquirido por terceiro no âmbito de um processo judicial, tal não determina a impossibilidade de cumprimento do contrato, uma vez que os recorrentes podiam, e podem...

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