Acórdão nº 1415/10.1T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução25 de Junho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório.

    1. O presente recurso respeita a uma acção declarativa de condenação na qual o Autor recorrente pede que o tribunal condene a recorrida R (…) a pagar-lhe uma indemnização por danos que sofreu na sua carrinha da marca Mercedes, com caixa térmica, que levou às instalações industriais da recorrida com o fim desta alinhar os pneus deste veículo.

      Diz que durante a execução deste serviço, a carrinha deslocou-se ligeiramente ao longo da plataforma onde estava imobilizada e as rodas da frente deixaram de ter apoio nessa plataforma, o que originou um choque entre o chassis (embaladeiras) do veículo e a dita plataforma, do qual resultaram os danos no veículo.

      Para reparação destes danos, a Ré recorrida, com a concordância do recorrente, mandou reparar o veículo na empresa C....

      Quando o veículo estava nas instalações desta empresa, alguém furtou o «imobilizador e unidade de comando do motor/centralina» da carrinha, que é o dispositivo utilizado no controlo dos sistemas mecânico, eléctrico e electrónico do veículo.

      A empresa C... levou a carrinha à empresa D... para verificar e orçamentar a substituição dos elementos furtados, mas o veículo do Autor não foi aí reparado, tendo a C... procedido aos trabalhos de reparação por si mesma.

      Concluídos, a C... entregou a carrinha nas instalações da Ré, segundo ela, a pedido do Autor.

      Quando o Autor se serviu da carrinha, verificou que esta não desenvolvia força propulsora como ocorria anteriormente; não oferecia segurança e o painel de instrumentos assinalava diversas anomalias, tudo originado, segundo ele, pelo facto de terem sido colocadas peças inadequadas pertencentes a uma outra carrinha, o que obrigou à imobilização da carrinha e aluguer de uma outra para a substituir na actividade profissional do recorrente.

      Com base neste factos, pediu da recorrida uma indemnização de €12.968,54 euros, bem como €360,00 euros de juros de mora vencidos e vincendos.

      No final a sentença absolveu a Ré do pedido.

      Considerou-se, fundamentalmente, que a indemnização pedida respeitava aos danos gerados pelo furto dos componentes da carrinha e quanto a estes factos, geradores de responsabilidade extracontratual, não existia nexo de causalidade entre a actuação danosa imputável à Ré e os danos cuja indemnização o Autor pediu.

      Por outro lado, não resultou provado que a Ré tivesse assumido a obrigação de suportar os custos da reparação resultante do furto dos mencionados componentes.

    2. É desta sentença e também da resposta à matéria de facto dada em 1.ª instância, que vem interposto o recurso, cujas conclusões são estas: (…) d) A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença, fundamentalmente com base na ideia da cessação da relação contratual entre as partes a partir do momento em que a carrinha foi entregue nas instalações da C...para reparação dos danos da responsabilidade da Ré, local onde, posteriormente, ocorreram os factos causais dos danos pedidos nesta acção, aos quais a Ré é alheia.

      Concluiu assim: (…) II. Objecto do recurso.

      As questões que se colocam neste recurso são de ordem factual e jurídica.

      Quanto às primeiras, coloca-se a questão de saber se deve ser alterada a resposta dada à matéria de facto, concretamente aos quesitos 7.º, 16.º, 17.º e 18.º, pelas razões indicadas pelo recorrente e que mais abaixo serão indicadas.

      Relativamente à matéria de direito, a questão que se coloca consiste em saber se a Ré pode ser responsabilizada, com base em responsabilidade contratual, quanto aos danos que a carrinha do Autor sofreu em virtude do furto dos componentes ocorrido nas instalações da C...e posterior imobilização do veículo.

  2. Fundamentação.

    1. Impugnação da matéria de facto.

      (…) b) Matéria de facto provada.

      1. No dia 15 de Outubro de 2009, o Autor entregou o veículo de marca Mercedes, com a matrícula X..., na oficina da Ré, sita na Rua Y..., em Esgueira, para reparação, consistente no alinhamento da direcção – alínea A) dos Factos Assentes.

      2. Quando o veículo referido em A) se encontrava em cima da fossa de alinhamento de direcção, descaiu ligeiramente – facto 20.º da Base Instrutória.

      3. …vindo as embaladeiras a tocar no cimento, amolgando-as – facto 21.º da Base Instrutória.

      4. A Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade pelos prejuízos ocorridos em sequência do descrito em 2 e 3 – facto 23.º da Base Instrutória.

      5. O Autor assentiu que o veículo fosse reparado pela empresa C...e não por uma oficina da marca Mercedes, o que foi feito a expensas da Ré – alínea B) dos Factos Assentes.

      6. Quando se encontrava nas instalações da Autoneiva, foi furtado do veículo referido em A) o imobilizador e unidade de comando do motor/centralina, ou seja, o dispositivo utilizado no controlo dos dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos do veículo – alínea C) dos Factos Assentes e facto 4.º da Base Instrutória.

      7. No dia 15 de Outubro de 2009, a Ré contratou uma empresa denominada C...para avaliar e reparar os danos que o veículo referido em A) apresentasse em virtude do incidente que sofreu na oficina da Ré – facto 1.º da Base Instrutória.

      8. A C...rebocou o veículo para a D... para verificar e orçamentar a falta e substituição dos componentes referidos em 3.º – facto 5.º da Base Instrutória.

      9. …não tendo o veículo sido reparado na D..., regressando às instalações da C...– facto 6.º da Base Instrutória.

      10. As diligências havidas entre a C...e a D... foram acompanhadas pelo Autor, que se deslocou diversas vezes às instalações da C... – facto 24.º da Base Instrutória.

      11. No dia 10 de Dezembro de 2009, o veículo referido em A) foi entregue pela C...nas instalações da Ré que, nesse mesmo dia, o entregou ao Autor, tendo este pago apenas o custo da reparação havida com o alinhamento da direcção – alínea D) dos Factos Assentes.

      12. A C...colocou no veículo os componentes em falta – facto 7.º da Base Instrutória.

      13. ... mas os componentes não eram compatíveis com o veículo – facto 8.º da Base Instrutória.

      14. Os componentes colocados no veículo pela C...eram provenientes de outro veículo – facto 9.º da Base Instrutória.

      15. ... sendo que o veículo não desenvolvia como devia, não oferecia segurança, o painel de controlo ou de instrumentos assinalava diversas anomalias – facto 10.º da Base Instrutória.

      16. O Autor deu conhecimento à Ré de que, até serem colocados no veículo referido em A) os componentes adequados (o imobilizador e unidade de comando do motor/centralina, ou seja, o dispositivo utilizado no controlo dos dispositivos mecânicos, eléctricos e electrónicos do veículo), o mesmo ficaria imobilizado – alínea E) dos Factos Assentes.

      17. A Ré não solucionou o problema referido em E), apesar de ter sido instada nas semanas e meses seguintes, pessoal e telefonicamente – alínea F) dos Factos Assentes.

      18. O Autor mandou reparar o veículo referido em A) na D... – facto 12.º da Base Instrutória.

      19. … tendo a reparação importado a quantia de 2.525,38€ – facto 13.º da Base Instrutória.

      20. Do dia 13 de Fevereiro de 2010 até ao dia 5 de Junho de 2010, o Autor teve de se socorrer de um veículo de aluguer de características idênticas ao seu, de 3500Kg, com caixa térmica, mediante o pagamento de uma quantia a acordar com o dono, a qual poderá chegar a €50,00 euros diários – factos 16.º, 17.º e 18.º da Base Instrutória.

      21. O Autor pagou pelo orçamento levado a cabo na D... a quantia de €83,16 – facto 19.º da Base Instrutória.

      22. O Autor é comerciante, vendendo em feiras e outros locais diversos do país produtos alimentares congelados e frios, necessitando de uma carrinha de frio para prossecução da sua actividade – alínea G) dos Factos Assentes.

    2. Apreciação das questões jurídicas.

      Vejamos agora se o Autor tem direito a receber da Ré a quantia que ele despendeu com a reparação da carrinha na empresa D..., bem como uma indemnização pela paralisação da carrinha.

      Afigura-se que a resposta é afirmativa pelas razões que irão ser expostas.

      1 - O Autor sustenta que entre ele e a Ré foi estabelecido um contrato cujo objecto consistiu no alinhamento da direcção da carrinha do Autor.

      Dado o objecto contratual, tratou-se de um contrato de empreitada, que o artigo 1207.º do Código Civil define como «…o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».

      Como refere o Autor nas alegações, há num contrato, além da obrigação principal, deveres acessórios que oneram o devedor da prestação e cuja matriz se encontra na cláusula geral da boa fé mencionada no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil.

      Cumpre reparar que devido à própria natureza da prestação da Ré, esta carecia de ter o domínio de facto sobre a carrinha, isto é, tinha de ter a carrinha na sua oficina, à sua disposição, pois só nestas condições poderia cumprir a prestação principal que consistia em alinhar a respectiva direcção.

      Existiu, por isso, uma transferência necessária, do Autor para a Ré, quanto ao domínio de facto sobre a carrinha.

      Quando tal ocorre, o dono da coisa não autoriza o devedor a ser descuidado com a coisa que lhe entrega; não concorda ou tolera que o devedor exponha a coisa a situações de risco de dano, provenham eles das forças da natureza (como chuva, vento, tempestade, calor do sol ou congelação) ou da acção do homem (p. ex., furto, vandalismo).

      Ao invés, o dono da coisa espera, como qualquer outro cidadão colocado no seu lugar esperaria, que o devedor zele pela guarda e segurança da coisa e que a entregue tal qual a recebeu.

      Com efeito, nestas situações, o devedor fica numa situação em tudo semelhante à de um depositário ([1]).

      Relativamente a estes deveres laterais, o C. A. Mota Pinto, teceu as seguintes considerações: «Não estão estes deveres laterais orientados para o interesse no cumprimento do dever principal de prestação. Caracterizam-se por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes. Servem, ao menos nas suas típicas manifestações, o interesse na conservação dos...

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