Acórdão nº 04P2360 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Julho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução15 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23 de Março de 2004, foi negado provimento ao recurso para aí movido pelo arguido A, por discordância com o acórdão do 1º Juízo Criminal da Comarca de Portimão que o condenara: - pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos art.ºs 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2, al. d), 22.º, 23.º n.º 2 e 73.º n.º 1 als. a) e b) do CP, na pena de onze anos de prisão; - pela prática de detenção ilegal de arma de defesa, p.p. pelos art.ºs 6.º e 1.º, n.º 1 al. b), da Lei 22/97, de 27/06, na pena de sete meses de prisão; - em cúmulo, na pena única de onze anos e quatro meses de prisão.

  1. Inconformado, recorre agora esse arguido para este Supremo Tribunal de Justiça e formula conclusões em arrazoado prolixo, as quais se podem sintetizar assim.

    - o acórdão recorrido não conheceu da impugnação da matéria de facto e, consequentemente, não procedeu à reapreciação da prova que impunha decisão diferente da recorrida, o que deveria ter feito, assim prejudicando os direitos de defesa; - foi a defesa surpreendida com a decisão de lhe não serem concedidos mais 10 dias para proceder à audição e transcrição da prova gravada, contrariando assim o Tribunal de Portimão a recente jurisprudência, o que também prejudicou os seus direitos; - o recorrente devia ter sido convidado a corrigir as suas conclusões e, não o tendo sido, violou-se o disposto no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição, bem como o Ac. do TC n.º 320/2002, de 09.07.2002, in DR-I Série de 07.10.20023; - o tribunal recorrido podia ter reapreciado a matéria de facto, pois está documentada em acta a gravação magnetofónica das declarações orais prestadas em audiência; - a pena aplicada mostra-se desajustada, quer por comparação com a do seu co-arguido, que participou em todos os actos e omissões ilícitos e que foi punido com uma pena de multa, quer porque não foi especialmente atenuada, atendendo ao bom comportamento posterior, às suas responsabilidades familiares, integração familiar, social e laboral, pelo que deveria ser fixada próximo do seu mínimo.

  2. O M.º P.º junto da Relação pronunciou-se pela rejeição do recurso por manifesta improcedência ou, se assim não fosse entendido, pela sua improcedência.

    O Excm.º P. G. A. neste STJ pronunciou-se pela rejeição do recurso quanto à parte em que se alega uma suposta violação dos direitos de defesa, designadamente por não ter o Tribunal recorrido apreciado a matéria de facto, aplicando-se aqui o que se escreveu no Ac. deste STJ de 13.05.04, rec. n.º 1633/04-5, e promoveu o julgamento quanto à questão da medida da pena.

    O relator mandou os autos para a audiência, para aí se apreciarem todas as questões suscitadas.

  3. Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.

    São as seguintes as questões em discussão: 1ª- O tribunal recorrido podia ter reapreciado a matéria de facto, pois está documentada em acta a gravação magnetofónica das declarações orais prestadas em audiência e foram prejudicados os direitos de defesa, pois o recorrente devia ter sido convidado pela Relação a aperfeiçoar as suas conclusões, caso se entendesse que não cumpriu cabalmente o disposto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

    1. - Foi a defesa surpreendida com a decisão de lhe não serem concedidos mais 10 dias para proceder à audição e transcrição da prova gravada, contrariando assim o Tribunal de Portimão a recente jurisprudência, o que também prejudicou os seus direitos.

    2. - A pena aplicada mostra-se desajustada, quer por comparação com a do seu co-arguido, quer porque não foi especialmente atenuada, atendendo ao bom comportamento posterior, às suas responsabilidades familiares, integração familiar, social e laboral, pelo que deveria ser fixada próximo do seu mínimo.

    Os factos provados são os seguintes:

    1. Anteriormente à data dos factos, o arguido A referia-se aos cidadãos imigrantes do Leste como "kozovares" e "esgrovénicos".

    2. Anteriormente à data da prática dos factos, o arguido A disse uma vez, perante B, que "dava um tiro nos cornos de um kozovar" e, outra vez, na noite de 19 para 20 de Novembro de 2002, perante C, disse: "qualquer dia dou uma azeitona nos cornos de um kozovar".

    3. Na noite de 19 para 20 de Novembro de 2002 o A mostrou uma arma ao referido C.

    4. Na residência do arguido A, foram apreendidas duas armas de alarme - uma pistola e um revólver de grandes dimensões - a ele pertencentes.

    5. Na noite de 20 para 21 de Novembro de 2002 os arguidos A e C estiveram juntos, tendo frequentado diversas boites da zona de Lagoa, designadamente o "Solar dos Pinheiros" e o "Lunatic", para onde se deslocaram no veículo automóvel de matrícula DO (Peugeot 106, de cor branca), conduzido pelo arguido A.

      f) Pelas 3.00 horas, quando saíram do "Solar dos Pinheiros", os arguidos dirigiram-se à referida viatura e, quando abandonaram o parque de estacionamento privado daquele estabelecimento, viraram à direita, em direcção a Lagoa, onde avistaram D, junto a uma carrinha branca que ali se encontrava estacionada.

    6. De imediato o arguido A parou o carro, puxou o travão de mão e dirigiu-se em direcção ao referido D, deixando o motor a trabalhar, tendo o arguido C permanecido no interior da viatura.

    7. Ao chegar perto de D, o arguido A perguntou-lhe quem era o dono da carrinha junto à qual ele se encontrava, tendo aquele respondido que era do patrão. Após, o referido arguido perguntou-lhe qual era a nacionalidade dele.

      i) Quando D lhe disse que era moldavo, o arguido retorquiu dizendo que era da máfia, tendo de imediato sacado de uma pistola de calibre 6,35 mm que trazia com ele (examinada a fol.ªs 217 e seguintes), a qual apontou a D, tendo puxado a culatra atrás, colocando uma munição na câmara, após o que começou a movimentar a arma em frente à cara deste, ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe dava um murro e que lhe dava um tiro.

      j) Aflito com o que se estava a passar, D pediu ajuda ao arguido C, que permanecia no interior da viatura, com o vidro aberto, tendo ouvido e assistido a tudo o que se passou sem que, no entanto, tivesse interferido de qualquer forma.

      k) D recuou um pouco para ver a matrícula do carro dos arguidos e, quando voltou a olhar para o A, este efectuou um disparo na direcção da sua cabeça, quando tinha a pistola a cerca de um metro de distância, tendo o projéctil entrado na boca de D e ficado alojado junto ao maxilar inferior (lado direito).

      l) Após ter sido atingido, D correu para o interior da boite "Solar dos Pinheiros", onde foi socorrido, tendo sido chamados os bombeiros, que de imediato o transportaram ao Hospital do Barlavento Algarvio.

    8. Entretanto, o arguido A colocou novamente a pistola no bolso do casaco que trazia vestido e correu para o carro, tendo conduzido até à boite "Lunatic", em Ferragudo, onde esteve acompanhado pelo C até ao fecho, o que aconteceu pouco depois das 5.00 horas.

    9. Após, os arguidos deslocaram-se até ao restaurante "Burger Ranch", sito no posto de abastecimento de combustíveis da Shell, junto ao Largo do Dique, em Portimão, onde o arguido A decidiu deixar o carro estacionado, tendo planeado participar o seu desaparecimento às autoridades.

    10. O referido veículo - propriedade de E, cônjuge do arguido A - foi encontrado pela polícia no dia 21 de Novembro de 2002, abandonado junto ao referido posto de abastecimento de combustíveis.

    11. Os arguidos foram, então, a pé de Portimão até ao Parchal, onde o arguido A telefonou a pedir à mãe que o viesse buscar, o que veio a acontecer cerca das 6.00 horas.

    12. Entretanto o arguido A pediu ao arguido C que lhe guardasse a pistola com que tinha alvejado D, o que este fez, tendo-se deslocado para a sua residência, levando consigo a supra mencionada pistola, ainda carregada com três munições, a qual escondeu debaixo do colchão da sua cama.

      r) Na busca realizada na casa do arguido C, em 21.11.02, foi encontrada a referida pistola, entre o estrado, de madeira, e o colchão da cama do quarto.

      s) A referida arma é uma pistola transformada, pois que, inicialmente, era de calibre normal 8 mm e destinada unicamente a deflagrar munições de alarme, tendo sido posteriormente adaptada a disparar munições com projéctil; actualmente trata-se de uma pistola semi-automática, de calibre 6,35 mm Browning, de marca Tanfoglio, modelo GT28, tendo-lhe sido apostas as falsas inscrições "Star Cal. 6,35".

      t) O arguido C aceitou guardar e esconder a pistola com que o arguido A tinha alvejado D para evitar que aquela arma viesse a ser apreendida na posse do seu amigo e, assim, evitar que as forças policiais descobrissem que tinha sido ele o autor do referido disparo.

    13. Ambos os arguidos conheciam perfeitamente as características da referida pistola de calibre 6,35 mm e sabiam que a detenção, uso e porte daquela arma são proibidos por lei, pois a mesma não estava manifestada ou registada. Para além disso, nenhum dos arguidos é titular de licença de uso e porte daquele tipo de armas v) Em consequência de ter sido atingido pelo projéctil disparado pelo arguido, o ofendido D sofreu traumatismo na região cervico-facial direita; como consequência da referida lesão, o ofendido permaneceu doente durante um período de 60 dias, com incapacidade para o trabalho.

    14. Ao disparar a pistola na direcção da cabeça do ofendido D, encontrando-se a uma curta distância do mesmo, o arguido A actuou m intenção de matar.

      x) A região atingida e a natureza da arma utilizada eram circunstâncias adequadas a causar a morte do ofendido, o que só não aconteceu por razões estranhas à vontade do arguido; com efeito, o A só não conseguiu os seus intentos porque a munição disparada não atingiu nenhum órgão vital do ofendido e porque este foi de imediato assistido no hospital, sem o que teria sucumbido.

      y) Ambos os arguidos agiram, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo bem a reprovabilidade dos seus comportamentos.

      z) À data dos factos o arguido A vivia com a mulher e um filho...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT