Acórdão nº 05B1494 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Maio de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUÍS FONSECA
Data da Resolução31 de Maio de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" - EDIFICAÇÕES NORTENHAS, S.A. propôs acção de condenação contra B - CONSTRUÇÕES E VENDA DE IMÓVEIS, S.A., pedindo que seja: a) declarado que a ré não tinha fundamento para resolver os contratos de promessa identificados no nº 1 da petição inicial; b) condenada a ré a pagar-lhe a quantia de 32.000.000$00 a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda do prédio denominado "Leira dos Castelões" id. em 1 A) da petição inicial; c) condenada a ré a pagar-lhe a quantia de 20.000.000$00 a título de indemnização pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda do prédio denominado "Tapada da Lavoura" id. em 1 B) da petição inicial; d) condenada a ré a pagar-lhe os juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, pede que seja: e) decretada a anulação dos contratos promessa referidos em b) e c) deste pedido; f) condenada a ré a restituir-lhe as quantias pagas a título de sinal, ou seja, 16.000.000$00 e 10.000.000$00 actualizadas pelo índice de desvalorização dos preços desde a data do pagamento (19/7/2000) até ao efectivo reembolso à autora.

Alega para tanto que: a ré lhe prometeu vender dois prédios com viabilidade de construção de 64 fogos e 40 fogos, respectivamente, e que, ao contrário do que aquela lhe assegurou, os prédios não possuem a referida capacidade construtiva, apenas permitindo a Câmara Municipal edificar nos terrenos dos prédios cerca de metade do número de fogos que a ré lhe tinha garantido; a ré resolveu os contratos promessa sem fundamento porque não tinha possibilidade de cumprir aquilo a que se havia obrigado, revelando vontade de não cumprir a declaração resolutiva, o que confere à autora o direito de receber o sinal em dobro; para a hipótese de se entender não existir incumprimento culposo da parte da ré, alega a autora que prometeu comprar os prédios porque estava convencida que a Câmara Municipal lhe permitiria construir a referida quantidade de fogos, não os prometendo comprar, caso soubesse que o número autorizado dos fogos seria metade dos que a ré lhe assegurou, tendo havido erro sobre o objecto do negócio.

Contestou a ré, alegando que: não assegurou à autora que os dois prédios tivessem a capacidade construtiva do número de fogos referida por esta; nada tem a ver com a situação dos prédios e o desenvolvimento dos respectivos processos urbanísticos após a celebração dos contratos promessa; declarou resolvidos os contratos promessa perante a recusa da autora em celebrar os contratos definitivos; caducou o direito de anulação dos contratos.

Conclui pela improcedência da acção.

Houve réplica da autora.

Saneado, condensado e instruído o processo, realizou-se a audiência de julgamento, sendo proferida sentença onde, julgando-se a acção parcialmente procedente, se declarou que a ré não tinha fundamento para resolver os contratos promessa identificados no nº 1 da petição inicial, decretando-se a anulação dos contratos promessa de compra e venda dos prédios denominados "Leira dos Castelões" e "Tapada da Lavoura" celebrados entre a autora e a ré, condenando-se esta a restituir àquela as quantias pagas a título de sinal, ou sejam: € 79.807,66 e € 49.879,79, absolvendo-se a ré dos restantes pedidos formulados contra ela pela autora, a título principal, nas alíneas b) e c).

A autora apelou, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 30 de Novembro de 2004, julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

A autora interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso: 1- O acórdão recorrido não explica, nem justifica por que razão a declaração resolutiva não tem o significado de "não cumprir, mas tão só de extinguir a resolução contratual" - cfr. fls. 3 v do acórdão.

2- Tal afirmação/conclusão é contraditória e infundada porque se alguém "destrói" um contrato é porque se recusa a cumpri-lo.

3- A resolução é a par com a revogação, a denúncia, a caducidade e a oposição à renovação uma das causas da extinção dos negócios jurídicos - cfr. nesse sentido, Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, in Direito dos Obrigações, Volume II, 2ª ed., pág. 97. Se alguém "acaba com o negócio, é porque o não quer cumprir".

4- Aliás, a declaração resolutória pressupõe " o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual" - cfr. Professor Baptista Machado "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", pág. 126, e se, como "in casu" sucedeu, a resolução foi declarada sem que se verificassem os pressupostos previstos na lei, é evidente que tal declaração consubstancia uma manifestação irretratável de vontade de não cumprir.

5- Pelas razões referidas nos itens 2 a 4 das presentes alegações que aqui se dão por reproduzidas, a ré incumpriu, assim, culposamente, os contratos promessa quando os resolveu injustificadamente depois de estar ciente de que os prédios prometidos vender não tinham efectivamente a capacidade construtiva que tinha assegurado à autora que os mesmos possuíam.

6- Tal incumprimento decorre, "in casu", também da violação não só do dever de prestação principal, pois o prédio, prometido vender, não tinha a capacidade construtiva indicada no contrato promessa, mas também do dever lateral ou acessório de tentar junto da autarquia, que esta atribuísse ao prédio a capacidade construtiva que a recorrida tinha assegurado que o mesmo possuía.

7- Decidindo, como decidiu, a sentença recorrida, ao julgar improcedente o pedido principal, violou, pelas razões expostas, o disposto no art. 442º, nº 2, do Cód. Civil.

Sem prescindir, apenas para a hipótese de se entender - o que apenas por mera cautela se admite - que o pedido principal deve improceder: 8- O acórdão recorrido encarou o problema do princípio nominalista da obrigação de restituição do sinal na perspectiva de incumprimento/resolução do contrato promessa.

9- Apesar das divergências existentes na doutrina sobre esta matéria e que foram evidenciadas no nº 8 das alegações, a aplicação do princípio nominalista das obrigações pecuniárias é justificada pelos defensores desta tese, com a função do sinal, enquanto instrumento de coerção ao cumprimento e de fixação "a forfait" do valor da indemnização.

10- A questão é diversa, porém, quando a obrigação de restituição decorre da declaração de nulidade ou anulação de um negócio jurídico, pois a mesma tem de ser analisada em face do que se dispõe no art. 289º, nº 1, do Cód. Civil.

11- A restituição do que foi prestado, na sequência da declaração de nulidade de um negócio jurídico, constitui uma forma de repetição do indevido, pois as prestações foram efectuadas em cumprimento de um contrato que foi anulado, ou seja, em satisfação de uma obrigação que não existia, já que a anulação opera retroactivamente (destrói os efeitos do negócio, como se este se não tivesse realizado).

12- E traduzindo-se a restituição numa forma de repetição do indevido, certo é que a mesma se deverá efectuar com as regras do enriquecimento sem causa - cfr. nesse sentido, Prof. Vaz Serra, in R.L.J., ano 112, pág. 15.

13- Se a obrigação de restituição não for considerada uma dívida de valor e, por conseguinte, não sujeita ao princípio nominalista das obrigações pecuniárias, haverá normalmente, dada a existência da inflação, um enriquecimento do obrigado à restituição à custa do credor. Aquilo que é restituído será menos do que foi prestado.

14- Quando a lei (art. 289º do Cód. Civil) estabelece que terá de ser devolvido tudo quanto for prestado, quis justamente realçar que não se está em face de uma mera obrigação pecuniária/de quantidade, pois quando se restitui apenas o mesmo valor do que foi recebido não se está a devolver tudo, mas apenas uma parte do que se recebeu (nominalmente o valor é o mesmo, realmente não é).

15- Decidindo, como decidiu, a sentença recorrida violou nesta parte o disposto no art. 289º, nº 1, do Cód. Civil e fez uma errada aplicação do disposto no art. 550º do mesmo Diploma à situação "sub judice" e ignorou que o problema não pode ser perspectivado em sede de obrigação de restituição em caso de incumprimento, em que releva a função sancionatória / indemnizatória do sinal.

Ainda sem prescindir: 16- Pelas razões explicitadas no nº 13 das alegações, a condenação no pagamento de juros desde a citação - não violará o disposto no art. 661º, nº 1, do C.P.C., já que não se estará a condenar em objecto diverso do pedido mas em quantidade inferior e este, uma vez que no pedido de actualização pela inflação está implícito o pedido de juros, a exemplo do que expressamente foi feito em relação ao pedido principal.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

No que respeita à matéria de facto remete-se para a decisão das Instâncias, que não foi impugnada - cfr. arts. 713º, nº 6 e 726º do C.P.C.

É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.

As questões suscitadas no recurso respeitam a saber se: a) houve incumprimento culposo dos contratos promessa por parte da ré, ao declarar injustificadamente a sua resolução; b) no caso de resposta negativa à 1ª questão, se a obrigação de restituição decorrente da anulação dos contratos, configura uma dívida de valor não sujeita ao princípio nominalista das obrigações pecuniárias; c) no caso de resposta negativa à 2ª questão, a condenação no pagamento dos juros de mora desde a citação não viola o disposto no art. 661º, nº 1, do C.P.C.

Analisemos tais questões:

  1. Está provado, com interesse para a 1ª questão, que: 1- A autora deu conta da posição da C.M. de Vila Nova de Gaia à ré, tendo em vista que esta colaborasse no encontro de uma solução que permitisse ultrapassar a dificuldade surgida.

    2- A ré não só ignorou o que a autora tinha transmitido, como a notificou, por carta registada, datada de 16/10/2000, para outorgar as prometidas escrituras de compra e venda que marcou para o dia 30/10/2000 pelas...

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