Acórdão nº 05B1894 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Setembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA GIRÃO
Data da Resolução22 de Setembro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Alegando a cessação sem justa causa por parte da ré, ou, se assim não for entendido, a resolução com justa causa por iniciativa do autor, do contrato de agenciamento comercial que ambos celebraram, mediante o qual angariava a venda, em regime de exclusividade, dos produtos «Maxmeyer», vem A pedir a condenação de B - Sociedade de Representações, Ldª a pagar-lhe a indemnização, por lucros cessantes e danos emergentes, no montante de 39.531,12 euros e, em qualquer dos casos, a pagar-lhe a quantia de 35.000 euros, a título de indemnização de clientela, com juros de mora à taxa legal.

A ré contestou, alegando tratar-se de um contrato de concessão comercial, cujos efeitos cessaram em 15/12/2001, quando o autor deixou de pagar a primeira das cinco facturas vencidas, de acordo com o clausulado no contrato, bem como as quatro facturas subsequentes, valor esse que, porém, recebeu através do accionamento da garantia bancária.

Por outro lado, o autor, através da sociedade «C», de que são sócios a mulher e o filho, vendia produtos concorrentes aos clientes que angariou, através da sua empresa, sendo certo que todas as vendas que a ré efectuou a clientes do autor foram realizadas após 15 de Dezembro de 2001, data em que o contrato cessou, por culpa do autor.

Pede ainda a condenação do autor como litigante de má fé em 2.500 euros de indemnização.

Houve réplica e, realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, com a consequente condenação da ré a pagar ao autor a quantia de 15.000 euros, com juros, à taxa anual de 12%, desde a citação até efectivo pagamento.

Apelaram ambas as partes desta sentença e a Relação de Coimbra, concedendo parcial provimento a ambos os recursos, revogou a sentença recorrida, «no segmento da mesma que julgou ilícita a cláusula de cessação imediata do contrato, por falta de pagamento das facturas, no prazo convencionado, e abusivo o exercício do direito correspondente, e que condenou a ré a pagar ao autor a importância de 15.000 euros, a título de indemnização de clientela, condenando, porém, a ré a devolver ao autor o preço recebido, ou, caso tal ainda não tenha acontecido, abatendo ao seu activo sobre o autor o correspondente crédito, no quantitativo máximo possível de 15.304,37 euros, e o autor a devolver à ré os «stocks» de produtos vendidos por esta, que ainda se encontrem em seu poder, confirmando-se, porém, a restante parte do decisório da sentença recorrida.».

Pede agora o autor revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões: 1. Ao contrato de concessão comercial, e uma vez que se trata de um contrato-quadro que não beneficia de um regime jurídico próprio, aplica-se-lhe, analogicamente, quando e na medida em que ela se verifica, maxime em matéria de cessação do contrato, o regime de denúncia do contrato de agência.

  1. O concessionário tem determinados direitos, aquando da cessação do contrato, em especial, os direitos de pré-aviso, de indemnização de clientela e de retoma dos bens em «stock».

  2. Sendo o contrato de concessão um contrato bilateral com obrigações sinalagmáticas interconexionadas entre si, o incumprimento contratual da ré confere ao autor o direito à resolução contratual, que aconteceu in casu e com justa causa.

  3. O autor tem o direito de ser indemnizado, nos termos gerais, pelos prejuízos resultantes desse incumprimento. Tal direito a indemnização, atribuído no nº1 do artigo 32, tem como fundamento a resolução prevista na alínea a) do artigo 30 e corresponde ao direito de indemnização conferido, em geral, ao credor, em caso de incumprimento culposo da obrigação por parte do devedor (artigo 798 do Código Civil) ou em caso de impossibilidade de cumprimento de um contrato bilateral por causa imputável ao devedor (primeira parte do nº2 do artigo 801 do Código Civil, que prevê conjuntamente o direito de resolver o contrato).

  4. O nº1 do artigo 32 consagra que o acto ilícito consubstanciado na inexecução das obrigações constitui o seu autor na obrigação de indemnizar os danos causados à outra parte. Como no regime geral, também aqui o direito à indemnização por incumprimento contratual é independente do direito à resolução do contrato.

  5. Tendo resultado provado em audiência de discussão e julgamento que a violação pela ré da regra da exclusividade, e consequente resolução contratual, causou ao autor uma «(...)impossibilidade de escoamento do material armazenado (....) no valor diferencial de 15.304,37 E (...)», mais «(...) afectando as suas expectativas de gestão empresarial (...)» (cfr. pág. 20 do acórdão recorrido), materializadas no lucro que o autor deixou de auferir, no valor de 20.226,75 E, correspondente a 25% do lucro médio sobre a facturação média anual, a única decisão aceite como justa apenas pode ser aquela que, cabalmente, ressarcir o recorrente por tais prejuízos.

  6. O douto acórdão, ainda que admitindo ao autor legitimidade para resolver o contrato, não lhe reconheceu, no entanto, direito de indemnização na sequência dos rendimentos que deixou de auferir caso a ré não incumprisse o contrato, associando ao direito de resolução, que indiscutivelmente pertencia ao autor, uma indemnização, mas apenas no tocante ao interesse contratual negativo.

  7. Ainda que se entendesse que ao autor apenas assiste o direito à indemnização pelo interesse contratual negativo, a indemnização pelo stock -- no valor de 15.304,37 E - deveria ser computada enquanto dano emergente no âmbito do interesse contratual negativo ferido pelo incumprimento, uma vez que, não fora a celebração do contrato resolvido, o autor não veria retido - e estragado - no seu armazém aquele material.

  8. Sem prescindir, o certo é que as consequências da resolução do contrato consideradas no douto acórdão, encontram-se em total contradição com o disposto no artigo 32 do DL 178/86 («independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito a ser indemnizada»), e desvirtuam em absoluto os princípios da justiça material.

  9. In casu, a indemnização prevista para os casos em que o autor optou pela resolução, deve ser uma indemnização, não apenas do chamado «dano da confiança», mas do «interesse de cumprimento», entendendo que o interesse negativo apenas tem cabimento na rescisão por nulidade - na esteira de Vaz Serra, Baptista Machado e J. Sá Carneiro uma vez que «Nada há na lei que sugira a incompatibilidade entre a resolução por incumprimento e a indemnização do interesse positivo (antes pelo contrário)» (Baptista Machado, in Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pág. 204, nota 8).

  10. Só esta solução protege as legítimas expectativas do concessionário no cumprimento do contrato, e bem assim, melhor concretiza os fins a que a Justiça se propõe, responsabilizando, de facto, a ré pelos prejuízos que causou com o seu comportamento concorrencial e, nessa medida, incumpridor, uma vez que a opção entre a indemnização por não cumprimento e a resolução não deve conduzir a consequências económicas divergentes (cfr. Vaz Serra in BMJ nº47, pág. 30 e ss.).

  11. Não podendo a Justiça formal sobrepor-se à Justiça material...

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