Acórdão nº 05P2314 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA MADEIRA
Data da Resolução07 de Julho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum e com a intervenção do tribunal colectivo, de PPS, devidamente identificado, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.ºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, g), e 275º, nºs 1 e 3, 14º, nº 1, e 26º, todos do Cód. Penal, em concurso aparente com um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo art. 275º, nºs 1 e 3, do mesmo código, e art. 3º, nº 1, d), do Dec. Lei nº 207-A/75, de 17 de Abril, e em concurso efectivo com um crime de falsidade de depoimento ou declaração previsto e punível pelo art. 359º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, devendo ser condenado como reincidente, ao abrigo do disposto nos art.'s 75º e 76º do Cód. Penal.

FJCM e LMCM, assistentes, aderiram à acusação do M.P., requerendo, nessa oportunidade, a intervenção de Tribunal de Júri.

Aqueles deduziram ainda, com fundamento nos factos constantes da dita acusação, pedido de indemnização contra o arguido, requerendo a condenação deste a pagar-lhes as seguintes indemnizações: - 75.000 €, pelos danos sofridos pela vítima, sua mãe, nos mesmos incluído o dano da vida; - 15.000 €, ao F, pelos danos por este sofridos com a morte da mãe; - 20.000 €, ao L, pelos danos por este sofridos com a morte da mãe; - 1.500 € pela despesa do funeral.

Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença em que, além do mais, foi decidido: a) Condenar o arguido, pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punível pelo art. 132º, n.ºs 1 e 2, g), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) anos de prisão; b) Condenar o arguido, pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo art. 275º, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; c) Condenar o arguido, pela prática de um crime de falsas declarações previsto e punível pelo art. 359º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares supra aplicadas, condenar o arguido na pena de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão; e) Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça devida pelo arguido em 6 UC, a procuradoria em metade da taxa de justiça aplicada, sendo a mesma favor do Serviço Social do Ministério da Justiça; f) Condenar o arguido/demandado no pagamento aos demandantes de 50.000 € a título de danos não patrimoniais sofridos pela JC; g) Condenar o arguido/demandado no pagamento a cada um dos demandantes de 15.000 € a título de danos não patrimoniais por eles próprios sofridos; h) Condenar o arguido/demandado no pagamento aos demandantes da quantia de 1.500 € para efeito de os ressarcir das despesas com o funeral da vítima; i) Absolver o arguido/demandado do remanescente dos pedidos contra ele formulados; j) Condenar os demandantes e o demandado no pagamento das custas cíveis, na proporção do respectivo decaimento.

Inconformado, recorre o condenado ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando conclusivamente o objecto do recurso: 1. No acórdão em crise, foi erradamente dado como provado na alínea o) - com relevante e grave impacto na decisão sobre a matéria de facto, bem como na qualificação jurídica e na aplicação da medida concreta da pena - que o disparo efectuado pelo aqui recorrente contra si próprio lhe provocou "ferida na zona axilar esquerda.", quando o que efectivamente aconteceu, e resulta dos elementos clínicos de fls. 395 a 397, é que o citado disparo provocou ferida com localização toracoaxilar esquerda (ou se se preferir toraco-axilar); 2. Nesse sentido conferir boletim a fls. 397 dos autos onde se pode ler "Ferida toracoaxilar esq. por arma de fogo" e não como o tribunal a quo erradamente entendeu, certamente por má e errada compreensão da caligrafia - para além de errada avaliação dos documentos juntos aos autos, nomeadamente auto de noticia de fls. 3 dos autos "ferida na zona axilar esquerda", 3. Ora, este facto é de fundamental relevância para a correcta apreciação do crime de homicídio dos autos, e para, como doutamente refere o Tribunal a quo, ‘perceber o homem perante o concreto crime cometido" daí que se tenha que "apurar e reflectir sobre o respectivo comportamento, anterior e posterior aos factos"; 4. E com base no supra citado erro de interpretação de caligrafia e na premissa de que o aqui recorrente atingiu e quis atingir com o seu disparo apenas a "zona axilar", o Tribunal conclui - conjugando essa realidade factual com uma apreciação subjectiva das declarações do aqui recorrente, as quais reputou como desprovidas de sentimentos, apreciação esta que resulta, com o devido respeito, de uma subvalorização, na nossa modesta opinião, do nível intelectivo, das limitações e a incapacidade ou dificuldade de verbalização de pensamentos e sentimentos e da personalidade do arguido e do decurso do tempo (que na opinião de alguns tudo faz esquecer ou permitir ultrapassar tragédias) entre o cometimento do crime e a prestação de declarações em audiência de julgamento - que não houve real intenção de suicídio subjacente à referida conduta nem se verificou ou se constatou "o homem angustiado, o doente de amor, que maia o ente amado e se maia para terminar com sofrimento intolerável"; 5. E se não fosse esse erro - o qual extensível à Ilustre representante do Ministério Público que em sede das suas doutas alegações também referiu que o disparo tinha atingido a apenas a "zona axilar" e que se o arguido quisesse efectivamente suicidar-se, de acordo com as regras da experiência, não teria disparado sobre essa zona, uma vez que por aí não lograva alcançar a morte - certamente que não teria o Tribunal a quo dado como não provada a intenção do suicídio e concretamente não teria também dado erradamente como não provado, e com directa relevância para a decisão da causa, a matéria vertida nas alíneas a), b) e e) dos factos não provados; 6. Pelo exposto deveria o Tribunal a quo ter dado como provado, na alínea o) da matéria de facto provada, que "Após ter efectuado o disparo contra a referida JC, o arguido afastou-se cerca de dois metros e disparou contra si próprio, o que lhe provocou ferida toracoaxilar esquerda, tendo, na sequência dessa lesão, recebido tratamento no Hospital da senhora da Oliveira, em Guimarães, onde foi submetido, no dia 14 de Agosto, a intervenção cirúrgica - com anestesia geral -, para exploração, limpeza, encerramento e drenagem da ferida, ali tendo ficado internado até ao dia 16 de Agosto. Mais deveria ter sido dada como provada a matéria vertida nas alíneas a), b) e e) dos factos não provados, ou seja, que "quando o arguido se muniu da arma referida nos Factos Provados, tivesse tido intenção de após matar JC, se matar também", que "a conduta do arguido relatada nos "Factos Provados" tenha sido produzida por uma alteração do estado de consciência, em decorrência da influência da esfera afectiva", e que "no momento em que efectuou o disparo contra ele próprio, o arguido tivesse tido intenção de se matar"; 7. Foi também erradamente dado como provado na alínea s) que "bem sabia o arguido da natureza e tipo da sua anterior condenação e que estava obrigado a responder com verdade aos seus antecedentes criminais; não obstante tal facto, decidiu o mesmo ocultá-los", desde logo porque, o que consta dos autos e apesar de por si assinado, não reproduz fielmente o que o aqui recorrente declarou quanto aos seus antecedentes criminais, porque implicaria conhecimentos de direito e um nível e capacidade intelectiva de que o arguido não dispõe (cfr. carta dirigida e entregue aos filhos da falecida JC), mas é antes uma súmula e concretização formal do que quem, com competência para o efeito, reproduziu em auto as declarações do arguido quanto aos seus antecedentes criminais; 8. Acresce que se afigura ter existido foi falta de consciência da falsidade da declaração ou erro sobre a factualidade típica relevante que exclui o dolo (artigo 16°, n. ° 1 do Código Penal), pelo que não poderia o Tribunal ter dado como provado que "bem sabia o arguido da natureza e tipo da sua anterior condenação. não obstante tal facto, decidiu o mesmo ocultá-los", mas antes deveria ter sido esta factualidade dada como não provada, ou então e apenas que. "o arguido sabia que estava obrigado a responder com verdade quanto aos seus antecedentes criminais, que foi o que o arguido confirmou na audiência de julgamento; 9. Assim, pelas razões retro invocadas em 4.2, quanto ao crime de falsas declarações, foi erradamente dado como provado na alínea u) que o aqui recorrente agiu sempre de livre, deliberada e consciente, quando toda a prova, no que a esse crime diz respeito, só pode, no nosso entendimento, levar a concluir ou dar como provado que o arguido não tinha consciência da falsidade, nem agiu deliberadamente; 10. Foi também erradamente dado como provado, na nossa opinião, na alínea gg) que o arguido não apresenta repercussão afectiva pelo ocorrido. Ora, o próprio arguido, no início da audiência de julgamento, e por mais de uma vez refere a perda sentida e na própria carta refere as suas motivações e as consequências por si vividas desse acto. Porém o tribunal a quo pelas razões já expendidas em 4.1, e com convicção assente em lapsos ou premissas erradas e numa avaliação subjectiva das declarações do arguido, e do conteúdo de uma carta que este dirigiu aos filhos da vítima - que diz ter-se revelado ensaiado (o que é só verdade no que refere às ultimas declarações do arguido prestada antes do encerramento da audiência, uma vez que aí efectivamente e como resulta da própria entoação dadas às palavras, o arguido devido ao seu nível e capacidade intelectiva, e por querer, nestas declarações, dizer tudo o que tinha para dizer sem esquecer nada, preparou-se e tentou organizar o que entendia dever dizer, o que fez de forma claramente ensaiada e por si preparada, não resultando - nem podendo resultar como...

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