Acórdão nº 05S164 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLAURA LEONARDO
Data da Resolução29 de Junho de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - "A", melhor identificada nos autos, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra B - Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. e C - Serviços de Gestão de Processos, S.A., hoje com a denominação social de D - Gestão de Processos, S.A., pedindo que: a) Seja declarada a nulidade ou, pelo menos, anulada a transmissão da autora da 1ª para a 2ª ré, com todos os legais efeitos, designadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias que integram o seu contrato de trabalho com a 1ª ré, que continua a ser a sua entidade patronal, com a consequente reintegração da autora nas respectivas categoria e funções; b) Ou, subsidiariamente, que as rés sejam condenadas a reconhecer e respeitar todos os direitos e regalias que a autora tinha antes de 28 de Fevereiro de 1997; c) E, ainda, que as rés sejam condenadas na sanção compulsória de Esc. 5.000$00 por cada dia que passe sem que seja dado integral cumprimento ao pedido constante na alínea a).

Para tanto invoca que não houve transmissão de qualquer estabelecimento, nem acordo da autora quanto à sua transferência.

Ambas as rés contestaram por via de impugnação; a primeira também excepcionou a sua ilegitimidade quanto ao pedido subsidiário.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu : - absolver a ré B, Portugal - Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, S.A. de todos os pedidos; - condenar a ré D - Gestão de Processos, S.A. a reconhecer e a respeitar, em condições idênticas, todos os direitos e regalias que a autora A tinha antes de 1 de Março de 1997, ao serviço da B, absolvendo-a quanto ao mais pedido.

A autora apelou da sentença, mas sem sucesso, pois o Tribunal da Relação confirmou a decisão.

Inconformada, a autora interpôs recurso de revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª) - O art.º 37º da LCT consagra um princípio supra-legal ou, pelo menos, contém uma norma imperativa absoluta e tem por escopo principal a defesa dos trabalhadores e a manutenção dos seus vínculos laborais face às vicissitudes da titularidade da empresa; 2ª) - Está, porém, hoje - na época da "fragmentação" das cadeias produtivas e da multiplicação das "exteriorizações" - frequentemente transformado no seu contrário, constituindo-se até num instrumento por excelência da precarização da situação jurídica e dos direitos dos mesmos trabalhadores; 3ª) - Assim, de forma a que o citado artº 37° da LCT se mostre conforme os princípios e preceitos constitucionais da confiança nas relações jurídicas e da segurança no emprego (art°s 2° e 53° da CRP), há que, sob pena da sua inconstitucionalidade material, interpretá-lo e aplicá-lo de modo a que o conceito de "estabelecimento", se aplicado a "partes" de empresa ou de estabelecimento, tenha os mesmos requisitos de autonomia e identidade organizacionais do todo; 4ª) - Ora, no caso sub judice, as actividades "transferidas" são precisamente as que não dispunham de qualquer capacidade de gestão e de decisão próprias, não tendo quaisquer poderes de planificação, de gestão de pessoal, de organização de equipes ou de definição de objectivos nem formação específica; 5ª) - Face ao art° 37° da LCT, correctamente interpretado e aplicado, às Directivas Comunitárias (71/187/CEE, 98/50/CE e até à actualmente vigente 2001/23/CE) e à matéria dada como provada, forçoso é concluir que o conjunto de elementos transitados não tinha aptidão para integrar o conceito de estabelecimento a transmitir; 6ª) - Por outro lado, tem igualmente de se entender, face aos supracitados normativos legais e comunitários, bem como aos já referenciados preceitos e princípios constitucionais (em particular, os art°s 2° e 53° da CRP), que não é possível operar-se a cessão da posição contratual da entidade patronal, em caso de transmissão de estabelecimento, sem o consentimento, unívoco e expresso, da contra-parte, o trabalhador; 7ª) - Isto porque o trabalho e, por maioria de razão, o trabalhador não é uma qualquer "mercadoria" e não pode ser transferido de um empregador para outro sem o seu consentimento; 8ª) - Consentimento esse que - como aliás resulta da matéria de facto provada - manifestamente não existiu; 9ª) - Nem se pode entender que resulta tacitamente demonstrado de qualquer comportamento do trabalhador por conta de outrem - que dele depende para subsistir - decorrente da execução do seu contrato e/ou do pagamento da respectiva retribuição e do usufruto das respectivas regalias sociais (assistência na doença ou acidente); 10ª) - Acontece que as rés não lograram demonstrar a existência de tal consentimento, sendo que era a elas que competia fazer a prova do mesmo e não à autora que incumbia fazer a prova do facto negativo (inexistência do necessário consentimento) -art° 342° do Cód. Civil e art° 13° da CRP e do art° 6° do C.E.D.H.); 11ª) - Igualmente, não era à autora que incumbia fazer a prova - aliás praticamente impossível - do facto negativo da inexistência de transmissão de um verdadeiro estabelecimento; 12ª) - O art° 342° do CC, se for interpretado e aplicado no sentido de que, em sede de acção laboral quando a prova de um dado facto se revela (como aqui sucede) muito difícil ou até impossível para quem o invoca, o respectivo ónus não recai sobre a parte mais forte, padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da igualdade substancial, consagrado no art° 13° da CRP e no artº 6° da C.E.D.H.; 13ª) - E pelos fundamentos que antecedem também não tem qualquer fundamento o entendimento de que, de qualquer modo e até por via do art° 7° da LCT (que, aliás, contém apenas uma presunção, ilidível por prova em contrário), se teria, entretanto, formado um qualquer pretenso novo contrato de trabalho com a 2ª ré; 14ª) - Assim sendo, forçoso é concluir que o acórdão recorrido - ainda que representando um assinalável progresso quando reconhece, enfim, o direito de oposição por parte do trabalhador -, ao confirmar a sentença apelada na parte em que esta julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora contra as duas rés, errou e merece censura; 15ª) - O art° 37° da LCT, da forma como foi interpretado e aplicado na decisão recorrida, é violador não só das Directivas Comunitárias (71/187/CEE e 98/50/CE, e até a própria, actualmente vigente, 2001123/CE) que, por força do art° 8° da CRP, vigoram na Ordem Jurídica Interna e prevalecem sobre todo o direito ordinário interno, como também dos art°s 2° e 53° da CRP, padecendo assim de óbvia inconstitucionalidade material, a qual deveria ter sido declarada pelo acórdão recorrido e erradamente não foi; 16ª) - Também o art° 342° do CC, se interpretado e aplicado como o foi no acórdão recorrido (ou seja, no sentido de que à parte económica e socialmente mais fraca caberá sempre fazer uma prova que para ela é praticamente impossível enquanto à contraparte, mais forte, seria bem mais fácil fazer a prova do contrário) padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação agora dos art°s 13° e 20° da CRP e do art° 6° da C.E.D.H.

Por todas estas razões, entende que o recurso deve proceder com a consequente revogação do acórdão recorrido.

Ambas as rés contra-alegaram, defendendo a manutenção do julgado.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, pronuncia-se no sentido de ser negada a revista.

A recorrente respondeu nos termos que constam de fls 1311 e sgs.

A recorrida B, Portugal SA veio dizer que acompanhava o referido parecer.

II - Questões a resolver A - Se houve transmissão do estabelecimento para efeitos do artº 37º da LCT; B - Se para operar a "transferência dos contratos de trabalho" era necessário o consentimento do trabalhador; C - Se existem as invocadas inconstitucionalidades.

III - Factos 1. A autora entrou para o serviço da 1ª ré em 16.04.1990, desde então tendo trabalhado sob as suas ordens, direcção e fiscalização.

  1. Em Fevereiro de 1997, tinha a categoria profissional de "escriturária de 3ª".

  2. E auferia a remuneração de Esc.172.300$00.

  3. No dia 27.02.1997, a 1ª ré entregou à autora uma comunicação de cessão de exploração do estabelecimento de serviços em que a 2ª ré assumiu a posição da 1ª ré no contrato de trabalho.

  4. No dia seguinte a 2ª ré enviou-lhe comunicação de teor semelhante.

  5. A partir de 01.03.1997 a 2ª ré assumiu-se como entidade patronal da autora, tendo sido aquela que lhe pagou os vencimentos mensais.

  6. E efectuou os descontos para a Segurança Social onde a autora figurava como trabalhadora da 2ª ré.

  7. Em 14.03.1997, a 2ª ré dirigiu-se à autora como sua entidade patronal desde 01.03.1997, reiterando que "nos termos da legislação aplicável, manterá a retribuição, a categoria profissional, a antiguidade, o horário de trabalho e demais direitos adquiridos por V. Ex.ª".

  8. Não foi afixado qualquer aviso nos locais de trabalho no qual se desse conhecimento aos trabalhadores de eventuais créditos a reclamar.

  9. O prazo inicial do acordo de cessão de exploração entre as duas rés é de 7 anos.

  10. O local onde a autora prestava serviços à 1ª ré não foi transmitido à 2ª ré a não ser nos termos referenciados no n° 19.

  11. A autora não deu qualquer assentimento à operação que está na base da cessão de exploração de estabelecimentos.

  12. A "E" e a F são empresas que, a nível mundial, exercem a actividade de exploração e refinação de petróleo bruto e de comercialização de combustíveis e lubrificantes.

  13. Em Portugal, a actividade dessas empresas é exercida através de duas sociedades portuguesas, a B-Portuguesa, S.A. e a F Portuguesa, SA.

  14. Os empregados da 2ª ré constituem o principal activo empresarial desta empresa.

  15. Em 28.02.1997, a B Portuguesa, S.A. cedeu à 2ª ré a exploração do estabelecimento de prestação de serviços de contabilidade geral, tesouraria, processamento de salários, contas correntes de clientes e contratos de créditos, compras e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
6 temas prácticos
7 sentencias
  • Acórdão nº 6699/09.5TVLSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 16-03-2023
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • March 16, 2023
    ...outro."; E vide ainda: - Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça nº 0352467, de 27 de Maio de 2004; - Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça nº 05S164, de 29 de Junho de 2005 - Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça nº 995330, de 06 de Abril de 2000, Cujos resumos vêm enunciados nas alegaçõe......
  • Acórdão nº 896/03.7TTLSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Fevereiro de 2012
    • Portugal
    • Court of Appeal of Lisbon (Portugal)
    • February 15, 2012
    ...superiores. Por ser elucidativo, sobre essa matéria, transcreve-se parte do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2005, processo 05S164, www.dgsi.pt,: “A directiva 77/187/CEE que pretendeu proteger os trabalhadores e manter os seus direitos, no caso de troca de empresário, refere-......
  • Acórdão nº 08S3044 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • March 1, 2010
    ...interpretar a antiguidade dos trabalhadores transmitidos. 41. Foram analisados os seguintes Acórdãos: – Ac. do STJ de 29/06/2005, processo n.º 05S164, in www.dgsi.pt; – Ac. do STJ de 09/03/2004, processo n.º 02S4675, in www.dgsi.pt; – Ac. do STJ de 20/11 /2002, processo n.º 02S2670, in www.......
  • Acórdão nº 08S3044 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2009
    • Portugal
    • [object Object],Supreme Court of Justice (Portugal)
    • November 4, 2009
    ...interpretar a antiguidade dos trabalhadores transmitidos. 41. Foram analisados os seguintes Acórdãos: – Ac. do STJ de 29/06/2005, processo n.º 05S164, in www.dgsi.pt; – Ac. do STJ de 09/03/2004, processo n.º 02S4675, in www.dgsi.pt; – Ac. do STJ de 20/11 /2002, processo n.º 02S2670, in www.......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT