Acórdão nº 05S1918 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução19 de Outubro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. Em 20 de Dezembro de 2002, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, A e B intentaram a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho contra C - Empresa de Trabalho Temporário, L.da, e Companhia de Seguros D, S.A., pedindo a condenação das rés no pagamento das pensões e indemnizações devidas pela morte do filho de ambos, E, resultante de acidente de trabalho ocorrido em 5 de Fevereiro de 2002, quando este prestava a sua actividade profissional como servente a favor da primeira ré, embora cedido à empresa utilizadora de trabalho temporário, F, L.da, que procedia à limpeza do telhado das instalações da G - Empresa de Produtos Longos, S.A., em S. Pedro de Fins, Maia.

A ré entidade patronal contestou, defendendo a sua absolvição da instância, por se considerar parte ilegítima, já que não lhe podia ser imputada a violação de qualquer das prescrições legais de segurança no trabalho invocadas na petição inicial e porque «tinha a sua responsabilidade infortunística por acidente de trabalho totalmente transferida para a Companhia de Seguros D, S.A., através da apólice de seguros de acidentes de trabalho n.º 348592»; por seu turno, a ré seguradora, na contestação apresentada, sustentou a improcedência da acção, uma vez que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira do sinistrado ou à omissão das normas de segurança e sempre à falta de condições de segurança no trabalho da responsabilidade da empresa utilizadora de trabalho temporário, da dona da obra e do coordenador da obra em matéria de segurança e saúde, sendo que a responsabilidade da seguradora, a existir, seria meramente subsidiária, «como resulta do cotejo dos artigos 18.º e 37.º da Lei n.º 100/97, de 13.09».

Na decorrência da posição firmada na contestação, a ré seguradora requereu, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código de Processo do Trabalho, a citação da empresa utilizadora de trabalho temporário, da dona da obra e do coordenador da obra em matéria de segurança e saúde para contestarem, pretensão que foi indeferida, por se ter entendido que a empresa de trabalho temporário era a entidade patronal do sinistrado, a qual «continua obrigada à reparação do acidente, mesmo quando este é provocado por terceiros, como se dispõe no artigo 31.º [da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro]».

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.

  1. Inconformadas, apelaram as rés, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso da ré seguradora e concedido parcial provimento ao recurso da ré entidade patronal, sendo contra esta decisão que a ré seguradora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1. A primeira questão que se coloca à apreciação deste Venerando Tribunal é a de saber se o acidente ocorreu por negligência grosseira do sinistrado, hipótese conducente à descaracterização do acidente - cfr. artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - não havendo, por isso, lugar a reparação; 2. Relativamente a esta hipótese, descaracterização do acidente, na vertente supra referida, é indúbio que o comportamento do sinistrado integra inequivocamente o conceito de negligência grosseira, constante da citada disposição legal, porquanto assumiu, voluntária, conscientemente e sem qualquer justificação, um comportamento temerário, desafiando o perigo sem que nenhuma razão existisse para tanto; 3. O sinistrado tinha perfeita consciência de que o trabalho era desenvolvido sobre um telhado a uma altura de 10 a 12 metros - ponto 6 dos factos assentes - e que, apesar da grande dimensão do mesmo, não existiam redes de protecção - ponto 8 dos factos assentes; 4. Sabia também que inexistia qualquer protecção individual ou colectiva do local de acesso ao telhado até aos vários locais de trabalho - ponto 15 dos factos assentes - e, bem assim, que o telhado se encontrava pejado de placas acrílicas de muita fraca resistência - ponto 16 dos factos assentes -, pelo que a deslocação sobre o mesmo exigia especiais cuidados; 5. Ademais, também não pode olvidar-se que o sinistrado tinha igualmente perfeita consciência de que a falta de resistência da telha acrílica que pisou, era evidente - ponto 30 dos factos assentes [por lapso manifesto, a numeração das conclusões passa do n.º 5 para o n.º 7]; 7. Não obstante este circunstancialismo, de forma voluntária e sem qualquer causa justificativa, o sinistrado decidiu deslocar-se sobre o telhado, cerca de seis a oito metros, exclusivamente para atender o telemóvel afastado dos seus colegas - ponto 11 dos factos assentes - tendo, nessa altura, pisado uma placa acrílica, a qual cedeu sob o peso do seu corpo, projectando-o para a inevitável queda; 8. Assim, não obstante ter perfeito conhecimento da falta de condições de segurança do local, o sinistrado repudiou por completo tal situação e, consequentemente, adoptou o comportamento que conduziu ao acidente; 9. No caso dos autos, a negligência do sinistrado reporta-se, desde logo, ao acto de agir com total menosprezo pela evidente falta de condições de segurança, facto que era do seu perfeito conhecimento; 10. A jurisprudência e doutrina dominantes consideram que a "negligência grosseira" se deverá traduzir num comportamento demonstrativo do incumprimento da elementar diligência usada pela generalidade das pessoas, segundo um padrão objectivo, fornecido pelo procedimento habitual de um homem de sensatez média - neste sentido, Ac. do S.T.J., de 12.05.89, in B.M.J., n.º 387, pág. 400; 11. Tal equivale a dizer que se exige um comportamento temerário, audacioso, em que a vítima tenha conhecimento e consciência dos riscos, e, além disso, seja indiferente aos mesmos, ou os desafie, i. e., é necessário que estejamos, pelo menos, perante uma situação de negligência consciente do sinistrado; 12. Quanto à temeridade do comportamento do sinistrado, entende a recorrente que a matéria apurada não deixa qualquer margem para outra qualquer resposta que não seja afirmativa, pois que, tendo alcançado o local onde se iriam realizar os trabalhos, o sinistrado, porque pretendeu atender o seu telemóvel afastado dos restantes colegas de trabalho, começou a deslocar-se sobre o mesmo (telhado), sem usar qualquer tipo de equipamento de segurança que o protegesse de uma queda, designadamente sem ter utilizado o imprescindível cinto de segurança, sendo certo que o sinistrado também não podia ignorar que o telhado não dispunha de quaisquer redes de protecção, as quais, em caso de quebra de uma telha, impedissem a queda desamparada dos trabalhadores de uma altura de cerca de 10 metros; 13. Pelo que, ao pisar uma telha acrílica, cuja falta de resistência era por demais evidente e, por isso, não podia ser ignorada pelo sinistrado, esta cedeu sob o peso do seu corpo, vindo este a cair desamparado no solo, de uma altura superior a 10 metros; 14. A mais elementar prudência impunha-lhe que, sendo obrigado a deslocar--se sobre um telhado, a mais de 10 metros de altura, em condições de precário equilíbrio, por via da inclinação do telhado e agravado pela fraca resistência que as chapas de fibra ofereciam ao peso, para se movimentar, só podia fazê-lo, sem risco, mediante a utilização do cinto de segurança ou arnês que, na hipótese de perda de equilíbrio ou rompimento das chapas, o suspenderia, impedindo a sua queda no solo; 15. Daí que, a deslocação do sinistrado no telhado, nos moldes em que foi efectuada, equivalia a criar uma situação de enorme, real e iminente risco, o que este, sem qualquer razão justificativa, desprezou; 16. Que o comportamento foi igualmente desnecessário e inútil, também não sobejam quaisquer dúvidas, salientando-se que os termos útil e necessário não são usados, nesta sede, com referência ao resultado que adviria do comportamento que o sinistrado realizava e do possível benefício para a entidade patronal, mas, ao invés, reportam-se ao acto de agir de determinada forma, no sentido da necessidade de tal comportamento; 17. Na verdade, não existia qualquer razão válida para a deslocação do sinistrado no telhado, uma vez que a mesma (deslocação) teve apenas como desiderato atender o seu telemóvel afastado dos colegas - cfr. ponto 11 dos factos assentes -, o que, como é por demais evidente, não consubstancia qualquer facto justificativo do seu comportamento, nem tem a menor conexão com o trabalho a efectuar; 18. No que concerne à exclusividade do comportamento do sinistrado como causa do acidente resulta do facto de que o sinistro jamais se teria verificado se o falecido, atenta a fragilidade do telhado, não se deslocasse sobre o mesmo, sem estar munido de qualquer equipamento individual de segurança; 19. Assim, impõe-se, sem sombra de dúvidas, a conclusão de que o comportamento do sinistrado integra o conceito de negligência grosseira, porquanto assumiu, voluntária, conscientemente e sem qualquer justificação, um comportamento temerário, desafiando o perigo sem que nenhuma razão existisse para tanto, o que é conducente à descaracterização do acidente, enquanto sinistro laboral, nos termos do supra citado artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, não dando, por isso, lugar a reparação; 20. Pelo que, ao assim não ter decidido, o acórdão em crise fez uma errónea interpretação do condicionalismo fáctico subjacente ao acidente dos autos e, por isso, realizou uma deficiente interpretação e aplicação do direito, designadamente, artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97 - que violou -, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que, interpretando e aplicando devidamente a mencionada disposição legal, absolva a Recorrente do pedido; 21. Sem prescindir e quando assim se não entenda, certo é que dúvidas não podem restar que o acidente que vitimou o sinistrado, ocorreu sempre por culpa da sua entidade patronal, por...

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