Acórdão nº 06B1660 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Admissibilidade do recurso I "AA" interpôs, no dia 25 de Janeiro de 2006, invocando o disposto no artigo 754º, alínea b) do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação em que ficou vencida no recurso de agravo de um despacho proferido pelo tribunal da 1ª instância.

    O recurso foi admitido pelo relator da Relação por despacho proferido no dia 30 de Janeiro de 2006, e a agravante apresentou alegações no dia 21 de Fevereiro de 2006, e não houve resposta dos agravados BB e CC.

    O relator neste Tribunal, por despacho proferido no dia 27 de Abril, ao abrigo do disposto no artigo 754º, nº 2, do Código de Processo Civil, na primitiva redacção do Código de Processo Civil Revisto, não admitiu o referido recurso.

    Reclamou a recorrente para a conferência com fundamento, por um lado, na inaplicabilidade do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, na redacção que entrou em vigor no 1 de Janeiro de 1997, por virtude da ressalva constante da parte final do nº 1 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.

    E, por outro, na nulidade do despacho dito surpresa prevista no artigo 201º, nº 1, por não haver sido previamente notificada nos termos do artigo 704º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.

    II É a seguinte a dinâmica processual que releva nesta sede liminar: 1. Por despacho proferido no dia 21 de Abril de 2005 no processo de inventário instaurado no dia 20 de Dezembro de 1995, a que depois foi atribuído o nº 85/98, cujo valor dos bens relacionados se cifra em € 18 011,42, foi declarada a improcedência da reclamação da relação de bens relativa à indivisibilidade de alguns dos prédios dela constantes.

    1. "AA" agravou do referido despacho no que concerne à parte relativa à divisibilidade, e o relator da Relação, por despacho proferido no dia 17 de Outubro de 2005, negou provimento ao recurso.

    2. "AA" reclamou para a conferência, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Janeiro de 2006, por unanimidade, julgou a reclamação improcedente.

    3. Neste Tribunal, o relator não admitiu o recurso com fundamento na primeira parte do nº 1 do artigo 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e na primeira versão do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil Revisto.

    4. A reclamante não foi notificada previamente à prolação do despacho mencionado sob 4.

      III A questão a decidir nesta sede liminar é a de saber se o recurso de agravo em causa é ou não admissível.

      A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - está ou não o despacho reclamado afectado de nulidade por não haver sido cumprido o contraditório? - lei processual aplicável à questão da admissibilidade ou não do recurso; - regime de admissibilidade e de proibição de recurso de agravo de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça; - solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

      Vejamos, de per se, cada uma as referidas sub-questões.

    5. Comecemos pela análise da sub-questão de saber se o despacho reclamado está ou não afectado de nulidade por não haver sido cumprido o princípio do contraditório.

      No âmbito do princípio do contraditório, expressa a lei que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).

      Ademais, prescreve a lei que se o relator entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, antes de proferir a decisão, ouvirá cada uma das partes pelo prazo de dez dias (artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil).

      Quando a recorrente interpôs o recurso, ela invocou os fundamentos específicos da sua admissão, a parte contrária não apresentou instrumento de alegação e o relator, sem audição da primeira, não o admitiu A decisão de não admissão do referido recurso não pode ser considerada despacho surpresa, certo que a própria recorrente, no requerimento relativo à sua interposição, dada a especificidade do caso, sentiu a necessidade de justificar especificamente a legalidade da sua admissão.

      Todavia, o relator, ao não ouvir previamente a recorrente sobre a interpretação da lei no sentido da inadmissibilidade do recurso, infringiu o disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil.

      Estamos perante a omissão de um acto processual que a lei prescreve, mas que só produz nulidade quando seja susceptível de influir no exame e decisão da causa (artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil).

      Como a recorrente, na reclamação para a conferência que formulou, impugnou o mencionado despacho do relator, ou seja, os fundamentos em que o mesmo assentou, expressando, como é natural, a motivação que teria expressado se tivesse sido cumprido o disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, na realidade, a mencionada omissão deixou de influir no exame e decisão da causa.

      Em consequência, a conclusão é no sentido de que, na espécie, se trata de nulidade que foi objecto de sanação subsequente.

    6. Vejamos agora a lei processual aplicável à questão da admissibilidade ou não do referido recurso de agravo.

      Considerando que o processo de inventário em que o recurso de agravo em causa foi interposto teve início no ano de 1995, são-lhe aplicáveis, em geral, as normas anteriores às do Código de Processo Civil Revisto, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, salvo quanto a prazos (artigos 6º, nº 1 e 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).

      Todavia, aos recursos interpostos de decisões proferidas após 1 de Janeiro de 1997 nos processos pendentes, como ocorre no caso vertente, são em regra aplicáveis as normas do Código de Processo Civil Revisto (artigo 25º, nº 1, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).

      Excepciona, porém, a lei, nesse caso, a aplicação do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil, em qualquer das suas sucessivas versões (artigo 25º, nº 1, parte final, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).

      Assim, no caso vertente, como o despacho objecto de recurso de agravo para a Relação foi proferido no dia 21 de Abril de 2005, em processo pendente desde 1995, a admissibilidade ou não do recurso em análise não pode ser aferida à luz do disposto no nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil.

    7. Atentemos agora no regime de admissibilidade e de proibição de recurso de agravo de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça à luz da referida lei.

      Antes da entrada em vigor, no dia 1 de Janeiro de 1997, do Código de Processo Civil Revisto, prescrevia o artigo 754º daquele do Código, nas suas alíneas a) e b), respectivamente, caber recurso de agravo para o Supremo da sentença do tribunal de comarca a que se referia a excepção estabelecida no artigo 800º e do acórdão da Relação de que fosse admissível recurso, salvo nos casos em que coubesse recurso de revista ou de apelação.

      O normativo do nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil Revisto, ainda sem alteração de redacção, expressando caber recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo nos casos em que couber revista ou apelação, é essencialmente idêntico ao da alínea b) do mesmo artigo, na antiga versão, a que acima se fez referência.

      Isso significa que a admissibilidade ou não do recurso em causa deve ser aferida à luz do disposto no nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil, correspondente à antiga alínea b) do mesmo artigo.

    8. Vejamos, finalmente, a solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

      O despacho reclamado de não admissão do recurso não foi proferido contra o princípio da proibição de decisões surpresa e a não audição prévia da reclamante, por virtude da própria reclamação, perdeu a característica de nulidade, em razão de sanação subsequente.

      Estamos, na espécie, perante um recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão proferido pelo tribunal da Relação em recurso de agravo de decisão proferida na 1ª instância na fase de saneamento do processo de inventário.

      A haver recurso do referido acórdão, porque a discordância da recorrente se reporta à interpretação de normas processuais, ele seria, efectivamente, de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 721º, nºs 1 e 2 e 754º, nº 1,do Código de Processo Civil).

      Acresce que estamos, no caso vertente, perante um recurso de uma decisão interlocutória, porque, face ao processo de inventário, não é inicial nem final.

      Mas como não é aplicável no caso vertente o nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil Revisto, em qualquer das suas versões, a conclusão é no sentido de que, à luz do que se prescreve no seu nº 1, é o recurso de agravo para este Tribunal legalmente admissível.

      Impõe-se, por isso, em quadro de revogação do despacho do relator, a admissão do referido recurso.

      IV Pelo exposto, admite-se o aludido recurso.

  2. Julgamento do recurso I "AA", interessada no processo de inventário, reclamou da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, invocando a descrição insuficiente de...

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