Acórdão nº 06B2110 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução29 de Junho de 2006
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Empresa-A intentou, no dia 10 de Outubro de 2000, contra Empresa-B, a que sucedeu .... acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 93 739 253$ a título de danos patrimoniais e 20 000 000$ por danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios desde a data da citação, à taxa legal aplicável, tudo a liquidar em execução de sentença, com o alegado fundamento na denúncia abusiva e em violação da boa fé de um contrato de fornecimento exclusivo para revenda de gás de petróleo liquefeito.

Em contestação, a ré afirmou não ter a autora satisfeito os requisitos exigíveis aos concessionários, ter-se desinteressado do negócio e a perda de expressão deste, concluindo no sentido da legitimidade de denúncia e de não ter obrigação de indemnizar os excessivos danos invocados pela autora.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 16 de Julho de 2004, por via da qual a ré apenas foi condenada a pagar à autora, a título de indemnização de clientela, a quantia de € 30 000, actualizável segundo a taxa da inflação.

Apelou a autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 11 de Outubro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - como foi convencionada a renovação automática do contrato no caso não houve denúncia, mas oposição à sua renovação, distinção que se reflecte na tutela da confiança e da lealdade decorrente da boa fé contratual; - o acórdão recorrido não considerou a situação da negociação e execução do contrato decorrente da matéria de facto assente; - a recorrida não respeitou os ditames da boa fé induzidos na tutela da confiança e da lealdade a que estava obrigada, por nada ter feito para contrariar o ataque feito ao mercado pelas sociedades Empresa-B e Empresa-C e nunca ter estabelecido com a recorrente o acompanhamento permanente e interactivo do desenvolvimento do negócio; - em décadas de relações contratuais, só na reunião de 14 de Junho de 2000, ao fim de três anos, a recorrida lhe facultou o mapa de previsões de consumos versus consumos reais, apesar de as boas práticas de gestão imporem que tal era o tempo mais do que suficiente para consolidar um negócio por si já consolidado há décadas e apenas sujeito às contingências capazes de reflectirem pequenas alterações; - entre 1994 e 1997 houve decréscimo de consumos da recorrente e da recorrida, altura em que a Empresa-B e a Empresa-C entraram no mercado do Algarve, onde desenvolveram fortes campanhas de captação de clientes, contra as quais a recorrida não deu resposta alguma; - o decréscimo de consumos em 1995 e 1997 é denominador comum em toda a rede de concessionários no distrito de Faro e não exclusivo da recorrente, e esta, em 1999, cresceu no consumo no butano e no propano; - a recorrida incorreu em manifestos erros de gestão do seu segmento do gás de petróleo liquefeito, em particular na área de acção da recorrente, e actuou com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium; - verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil, porque a recorrida, com a oposição à renovação do contrato, violou os artigos 334º e 762º, nº 2, do Código Civil; - os prejuízos cujo valor é peticionado resultam do comportamento ilícito da recorrida, pelo que deve ser obrigada a indemnizá-los, designadamente em relação aos lucros cessantes, nos termos dos artigos 562º, 564º de 798º do Código Civil; - o acórdão recorrido violou os artigos 334º, 562º, 564º, 762º, nº 2 e 798º do Código Civil, aplicando erradamente o direito, pelo que deve ser anulado.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão de alegação: - a vontade expressa pela recorrida de pôr fim ao contrato no seu termo traduziu o exercício de um direito legítimo que não extravasa os limites da boa fé nem ofende clamorosamente o sentido de justiça; - não se mostram preenchidos os requisitos do abuso do direito.

II É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido: 1. A autora tem por objecto social o comércio de veículos motorizados, equipamentos, reparações e estação de serviços para os mesmos, comércio de produtos petrolíferos e energias alternativas e aquisição de bens imóveis, arrendamentos e locação de bens móveis e imóveis, e a ré é uma empresa multinacional que opera em Portugal, desde há longas décadas, como distribuidora de combustíveis líquidos e gasosos.

2 Antes do contrato de 4 de Julho de 1994, já a autora fazia parte da rede de concessionários exclusivos de gás Shell, actuando numa zona geográfica maior do que a constante daquele contrato, tendo ambas iniciado vínculos contratuais noutras áreas da actividade do comércio de combustíveis em 1948, inicialmente com AA, sócio fundador da autora, e, a partir de 1954, directamente com ela.

  1. Inicialmente, o sócio fundador da autora começou pela actividade de revendedor da ré de petróleo iluminante e gasóleo a granel, e, posteriormente - a partir de 1954 e já sob a sua forma societária - passou a desenvolver o comércio de lubrificantes e outros produtos e a explorar, no Algarve, áreas de serviço da ré, vulgo bombas de gasolina.

  2. Há cerca de 42 anos, a autora passou a ser o agente da ré em todo o Algarve, para a revenda exclusiva do referido gás em garrafas, passando, a partir de então, a ser o seu revendedor de primeira linha para todo o Algarve, tendo chegado a ter uma rede de mais de 200 revendedores de 2ª linha, altura em que a ré havia iniciado o comércio de gás em Portugal e em particular no Algarve.

  3. Em 1980, por acordo entre autora e a ré, a área geográfica de fornecimento em exclusivo daquele gás em garrafas para revenda restringiu-se aos municípios de Faro e de São Brás de Alportel e a Quarteira e Almancil do município de Loulé, e, em 1992, a primeira abriu mão das áreas de Quarteira e Almancil, passando o seu exclusivo de revenda do shell gás em garrafas a desenvolver-se apenas nos municípios de Faro e de São Brás de Alportel.

  4. Houve diversas reuniões entre os representantes da autora e os da ré onde esses assuntos foram devidamente ventilados e discutidos, e, na reunião de 13 de Julho de 1992, ficou claro que à segunda não agradava o não desenvolvimento das vendas do gás butano e do propano e que desaprovava a forma como a primeira promovia as entregas ao domicílio.

  5. Dessa reunião foi lavrada uma acta que a ré remeteu à autora para seu conhecimento, acta que a última recebeu, e foi nessa reunião que ficou assente que esta cederia a área de Almansil e Quarteira.

  6. Durante alguns meses, o novo concessionário não possuía loja, e o contrato de 4 de Julho de 1994 surgiu depois de negociações havidas entre a autora e a ré, onde se fizeram reparos à actuação comercial da autora, e esta tinha perfeito conhecimento desses reparos.

  7. No âmbito das suas actividades comerciais normais, acima concretamente definidas, a autora e ré declararam por escrito, no dia 4 de Julho de 1994, sob a designação de contrato de fornecimento exclusivo de gás de petróleo liquefeito e fiança, a primeira só comprar à última aquele gás em garrafas, para fins de revenda exclusiva nos municípios de Faro e de São Brás de Alportel.

  8. A cláusula décima-quinta do módulo mencionado sob 9 é do seguinte teor: «O presente contrato terá a duração de dois anos, com início na data da sua assinatura, e considerar-se-á automaticamente renovado por períodos sucessivos de dois anos, se nenhuma das partes o denunciar através de carta registada com aviso de recepção, enviada à outra parte com a antecedência mínima de 90 dias relativamente ao termo do período de duração inicial ou ao de qualquer das suas eventuais renovações.

  9. A autora manteve-se, através do contrato de 4 de Julho de 1994, integrada na rede de concessionários exclusivos da ré de gás butano e propano que é vendido em garrafas aos clientes desse produto, consumidores finais, e cada membro dessa rede de concessionários tem obrigações específicas, actua numa área geográfica pré determinada e deve respeitar as normas técnicas e de segurança e, comercialmente, deve agir em conformidade com os interesses e a política comercial pré-definidos pela ré.

  10. Cabia à autora comercializar o gás shell em garrafas na sua área geográfica, em conformidade com os interesses da fornecedora e a sua política comercial, e prestar aos clientes - consumidores finais - a assistência de que estes careciam.

  11. No comércio do referido gás é prática normal as concessões para revenda serem dadas em regime de exclusivo para áreas geográficas predefinidas, e a prática normal da actividade de revenda dele no mercado assenta na imposição pela empresa distribuidora aos revendedores em regime de exclusivo - os chamados revendedores de 1ª linha - da constituição de redes de revenda para o seu abastecimento dentro dessas áreas geográficas - os chamados revendedores de 2ª linha.

  12. A partir de 1994, a Empresa-B passou a concorrer no mercado, nomeadamente no Algarve, com campanhas de captação de clientela, e a ré não desenvolveu qualquer campanha que as contrariasse, e, no respeitante à autora, verificou-se, quer no que respeita ao gás butano, quer no que se refere ao gás propano, que os consumos aumentaram no ano de 1999 relativamente a 1998.

  13. Em 1998, a ré deu instruções à autora no sentido de funcionários seus afectos à actividade do gás de petróleo liquefeito realizarem um curso de formação, que visou, no essencial, o manuseamento de garrafas e utilização nele de empilhadores e teve em vista a formação em áreas de segurança e ambiente, que foi frequentado pelo funcionário da autora BB e realizou-se no Parque de Armazenagem e Enchimento da Banática, tendo a ré custeado parte desse curso.

  14. Entendeu a ré que a autora não deu satisfação aos requisitos de dinâmica e agressividade comercial que o negócio da distribuição de gás em garrafas exige, e que não dinamizou a sua rede de revenda em 2ª linha, pelo que não cobria...

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