Acórdão nº 080245 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 1991 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelALBUQUERQUE DE SOUSA
Data da Resolução03 de Outubro de 1991
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social intentou, no 9 Juizo Civel de Lisboa, a presente acção de despejo contra A, pedindo que fosse declarado caduco, por falecimento da inquilina , ocorrido em 1-10-84, o contrato de arrendamento que vigorou entre o autor, como senhorio, e B, e o reu, que nesse andar morava, como hospede, e o continuou a ocupar depois da morte da arrendataria, condenado a entregar-lho, livre e desocupado, e, ainda, a pagar-lhe uma indemnização de 50000 escudos mensais, desde Novembro de 1984 ate a efectiva entrega do andar. O reu, citado em 5 de Maio de 1986, contestou a acção, com o fundamento de ter direito ao novo arrendamento, nos termos do artigo 3, n. 1, alinea a), do Decreto-Lei n. 328/81, de 4 de Dezembro, pois vivia no andar arrendado com a inquilina em economia comum. Seguindo o processo ate julgamento, veio a ser proferida a sentença de folhas 78-82, que, julgando a acção so em parte procedente, decretou o requerido despejo imediato, absolvendo, porem, o reu do pedido de indemnização pela ocupação do andar. Da sentença recorreram de apelação o reu e, subordinadamente, o autor, tendo a Relação de Lisboa, por seu douto acordão de folhas 109-115, revogado a mesma sentença, declarando gozar o reu do direito ao novo arrendamento, sujeito ao regime de renda condicionada, pelo que se absteve de conhecer do objecto de recurso subordinado, que julgou prejudicado. Inconformada com esse aresto, o autor dele interpos recurso de revista. Pelo acordão de folhas 135-137, este Supremo Tribunal, concedendo a revista, revogou o acordão recorrido, mantendo a sentença proferida na 1 instancia, na parte em que ordenou o pretendido despejo, e ordenou que os autos voltassem a Relação, para se pronunciar sobre o pedido de indemnização formulado pelo autor e de que não chegou a tomar conhecimento naquele acordão de folhas 109 e seguintes. Baixando o processo, em obediencia ao que assim foi ordenado por este Tribunal, a Relação proferiu o douto acordão de folhas 149 - 155, no qual, revogando a sentença da 1 instancia, na parte em que julgou improcedente o pedido indemnizatorio e dele absolveu o reu, condenou este a pagar ao autor, a titulo de restituição por enriquecimento sem causa, "a quantia correspondente, a liquidar em execução de sentença, calculada a razão de 10294 escudos por mes, desde Maio, inclusive, de 1986, ate efectivar entrega da casa, com as respectivas actualizações - descontado so o que, porventura, ja tenha pago como renda", nestes termos dando provimento ao recurso subordinado. E deste acordão que o autor pede a presente revista, que funda na violação do preceituado nos artigos 483 e 562 do Codigo Civil. O recorrido pronuncia-se no sentido de se dever negar a revista. Tudo visto: Transitado em julgado o acordão de folhas 135, que revogou o acordão da Relação de folhas 109 e manteve a sentença da 1 instancia, na parte em que decretou o requerido despejo, decidido ficou, definitivamente, não gozar o reu, ora recorrido, do direito, por ele invocado, ao novo arrendamento. Por isso mesmo, e tendo sido condenado, em definitivo, a fazer entrega imediata ao autor do andar por ele ocupado, o recorrido, na sua contra-alegação de folhas 171, começou por declarar que ja entregou o andar ao recorrente. Dai que a unica questão, ainda subsistente, que ha que decidir seja a relativa ao pedido de indemnização que o autor formulou cumulativamente com o de despejo e de consequente entrega do andar. A sentença da 1 instancia, nessa parte, julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo, consequentemente, o reu do pedido de indemnização pela ocupação do andar. Dessa parte da sentença, que lhe foi desfavoravel, interpos o autor recurso, subordinado do qual, porem, no acordão de folhas 109, a Relação não conheceu, por a considerar "irremediavelmente prejudicado". E o Supremo, no acordão de folhas 135, ao ordenar que o processo voltasse a Relação, expressamente esclareceu: "para se pronunciar sobre o pedido de indemnização do autor". Trata-se, efectivamente, de um pedido de indemnização, formulado, com base na responsabilidade civil (extra-contratual) por factos ilicitos, ao abrigo do disposto no artigo 483 do Codigo Civil, consistindo a questão a decidir, conforme o recorrente a enuncia, em se definir o "quantum" indemnizatorio que o reu deve pagar ao autor. Todavia, dados os termos em que o acordão recorrido (de folhas 149 e seguintes) decidiu, põe-se-nos o problema de saber se a Relação podia, neste caso, aplicar o regime do enriquecimento sem causa (artigos 473 e 474 do Codigo Civil), nomeadamente, por entender que a permanencia do reu no andar arrendado depois do falecimento da inquilina não envolveu responsabilidade civil (por não haver culpa), e se, condenando o demandado na restituição (não pedida) daquilo com que ele se locupletou injustamente a custa do demandante (que, alias, não invocou esse locupletamento), em vez de o condenar no pedido indemnização baseada na responsabilidade civil, alterou ou convolou a causa de pedir. O autor alegou e imputou ao reu factos que considerou ilicitos e culposos (de modo implicito), violadores do seu direito e causadores de determinados prejuizos. Por isso, considerou a situação como de responsabilidade civil (fundada na culpa), geradora duma obrigação de indemnização. Sucede, porem, que o acordão recorrido, começando por definir a unica questão a resolver como sendo a da indemnização pedida pelo autor, no entanto, tendo por não verificada a culpa e entendendo, assim, não se encontrarem reunidos os requisitos da responsabilidade civil susceptiveis de fundamentar uma obrigação de indemnizar, por parte do reu, entendeu, todavia, ser possivel, com base nos mesmos factos, "discernir uma obrigação de restituição do enriquecimento do R. a custa do A., ao ocupar, sem causa justificativa, uma casa pertencente a este ultimo,sem, com isso, se operar qualquer convolação da causa de pedir". Para tanto, a Relação entendeu tratar-se, tão so, de um problema de qualificação dos factos - dos mesmos factos (alegados e provados)-, sendo licito ao tribunal qualifica-los como constituindo um caso de enriquecimento do reu, a custa do autor, sem causa (juridica) justificativa, conforme o disposto no artigo 664 do Codigo de Processo Civil, por se mostrar descabida a qualificação que de tais factos fez o autor (faltando a culpa). Deste modo, julgando a acção procedente, quanto ao pedido de indemnização, e concedendo provimento ao recurso subordinado, a Relação condenou o reu a pagar ao autor, "como restituição do enriquecimento que obteve a custa deste", 10294 escudos por mes (montante da renda condicionada que seria devida no caso de direito a novo arrendamento, e não a pedida indemnização de 50000 escudos por mes, equivalente a renda por que o andar podia ter sido então arrendado), considerando não operar alteração da causa de pedir, ao decidir, como decidiu, e verificar-se apenas "mudança de perspectiva relativamente aos factos que a integram". Queremos crer que, no caso "sub judice", não tem interesse de maior o problema suscitado pela forma como o acordão em apreço encarou a questão e a resolveu, consistindo, na verdade, somente na determinação do montante da indemnização que o reu deve pagar ao autor a questão a decidir, conforme diz o recorrente. Tal problema parece poder enunciar-se assim.- O reu não pode ser condenado a pagar a indemnização pedida com base na responsabilidade por factos ilicitos (a titulo de perdas e danos), ao abrigo do artigo 483 do Codigo Civil, mas ja pode ser condenado a titulo de não locupletamento a custa alheia, nos termos do artigo 473 do mesmo Codigo, se se considerar que isto não representa alteração ou convolação da causa de pedir, mas, tão so, mudança de perspectiva quanto aos factos que a integram, sendo de entender que apenas se trata de um problema de qualificação dos factos. O problema, portanto, consistiria, no fundo, em saber se a acção de não locupletamento assentara na mesma causa de pedir que a acção de indemnização de perdas e danos. Sendo afirmativa a resposta, como implicitamente se aceita no acordão recorrido, parece que não haveria obstaculo ao reconhecimento da existencia duma obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, em vez da invocada obrigação de indemnização; sendo negativa a resposta, então o tribunal não poderia ocupar-se senão da existencia ou da inexistencia do invocado credito de indemnização. Nesta ultima hipotese, contudo, a concluir-se pela existencia da alegada obrigação de indemnização, igualmente se haveria de determinar a base do calculo do respectivo montante. Assim, em qualquer das hipoteses, sendo de dar, como a Relação deu, provimento ao recurso subordinado (do autor), e tendo o reu acatado o acordão da Relação, que não impugnou, sempre a questão se resumiria, a final, em saber se, para o efeito da determinação do "quantum" indemnizatorio, se deve atender ao valor da renda condicionada a que se alude na resposta ao quesito 15 (10294 escudos mensais) ou, antes, ao valor da renda por que a casa poderia ser arrendada a partir de Novembro de 1984, a que se refere a resposta ao quesito 3 (50000 escudos mensais). A questão de saber se a acção baseada nas regras do enriquecimento sem causa assenta ou não na mesma causa de pedir que a acção de indemnização com base na responsabilidade civil tem surgido, com alguma frequencia, na doutrina e na jurisprudencia, a proposito das excepções da litispendencia e do caso julgado (e principalmente a respeito do alcance objectivo do caso julgado), em casos, portanto, em que se pressupõe a repetição duma causa e em que se discute, sobretudo, a identidade objectiva das acções (em sentido lato, abrangendo-se na expressão tanto a identidade do objecto - sentido restrito - como a da causa de pedir, ate porque, muitas vezes, ha que conjugar e combinar o objecto com a causa de pedir, sendo certo, porem...

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