Acórdão nº 96A901 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 1997 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO FABIÃO
Data da Resolução11 de Março de 1997
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na Comarca do Porto, o Digno Magistrado do Ministério Público propôs contra A a presente acção de investigação oficiosa de paternidade, na qual pediu que o menor B, nascido em 21 de Setembro de 1990 e registado como filho de C e sem menções de paternidade, fosse declarado filho do réu. Na instrução do processo, o Ministério Público requereu o exame de sangue ao réu, à mãe do menor e a este, mas a mãe do menor faltou, por três vezes, aos exames hematológicos dela e do menor no Instituto de Medicina Legal, sem qualquer justificação, pelo que o Ministério Público requereu que ela fosse presente sob custódia no dito Instituto, na data designada, para efectivação de tais exames, mas o senhor juiz indeferiu este requerimento com o fundamento de ser ilegal a obrigação de submissão a exames hematológicos. Desta decisão agravou o Ministério Público, mas a Relação negou provimento ao recurso. Deste acórdão voltou a agravar o Ministério Público, o qual, na sua alegação, concluiu assim: I - O dever de cooperação para a descoberta da verdade que decorre do artigo 519 do Código de Processo Civil implica que a mãe do menor e o próprio menor sejam obrigados a submeter-se a exame de sangue, o qual não implica qualquer atentado do direito à integridade física, ao bom nome ou reputação ou à reserva de vida privada e familiar, embora implique um atentado à liberdade dos examinados, quando coercivamente realizado, o que, porém, é constitucionalmente admissível, nos termos do artigo 18 n. 2 e 27 n. 3 da C.R.P., e se insere no âmbito das restrições constitucionalmente admissíveis (artigo 40 n. 1 do Decreto-Lei 387-C/87), para além de que a Comissão Europeia dos Direitos do Homem tem considerado compatível com as suas disposições o uso de meios coercivos para a realização de exames ao sangue contra a vontade do examinado e no mesmo sentido se tendo pronunciado, por mais de uma vez, a Relação do Porto; II - no presente caso, não pode sequer sustentar-se que o comportamento da mãe do menor significa iniludivelmente a recusa de realizar o exame; pelo que nem sequer se pode sustentar que determinar de novo a realização do exame é um acto inútil; III - impõe-se o sancionamento da mãe do menor nos termos do dito artigo 519 e a sua coacção para a realização dos exames pretendidos; IV - o acórdão recorrido violou o disposto dos artigos 519 do Código de Processo Civil, 40 n. 1 do Decreto-Lei 387-C/87 e 18 n. 2 e 27 n. 3 da Constituição da República Portuguesa; V - deve dar-se provimento ao recurso, sancionar-se a mãe do menor pelas faltas e impor-se a realização do exame ao sangue dela e do menor, com a comparência sob custódia, se necessário. Não houve contra-alegação. Colhidos os vistos legais, cabe decidir. A primeira questão a resolver consiste em saber se a mãe do menor pode ser obrigada a comparecer, sob custódia, acompanhada do filho menor, no Instituto de Medicina Legal, a fim de aí ambos serem submetidos a exames hematológicos, que foram requeridos nesta acção de investigação oficiosa de paternidade. A resposta não é fácil. Segundo o preceituado no artigo 519 n. 1 do Código de Processo Civil, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, submetendo-se às inspecções necessárias. E, de acordo com o disposto no artigo 1801 do Código Civil, nas acções relativas à filiação, são admitidos como meios de prova os exames de sangue (cfr., para o processo criminal, o artigo 40 n. 1 do Decreto-Lei 387-C/87, de 29 de Dezembro). O escopo do mencionado artigo 1801, para além de afirmar a confiança na capacidade dos laboratórios nacionais para, através de meios científicos, demonstrar a filiação biológica, foi justamente o de esclarecer que os exames de sangue eram admissíveis como meios de prova sem serem ofensivos da intimidade da vida privada ou familiar ou da dignidade nem gravemente danosos da honra e consideração da pessoa examinada (Guilherme de Oliveira, R.L.J. 128, 183 e seguintes Estabelecimento da Filiação, 16 e 17; Antunes Varela, R.L.J. 127, 326; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Janeiro de 1987, B.M.J. 363, 946). Isto é assim quando não há recusa ao dito exame de sangue. Mas, se a houver, como acontece no caso sub-judice, importa, então, saber se é possível compelir a mãe do menor, sob custódia, a comparecer no Instituto de Medicina Legal, acompanhada do menor, a fim de aí serem submetidos aos exames de sangue, mesmo contra a vontade dela, questão esta que é, claro está, diferente da questão da mera admissibilidade de tais exames, ao abrigo do referido artigo 1801. Pois bem, o n. 2 do mencionado artigo 519 logo refere que a recusa da colaboração devida para a descoberta da verdade para além da condenação em multa, não prejudica os meios coercivos que forem possíveis. Do ponto de vista processual, são, pois, legítimos os meios coercivos possíveis, mas tudo está em saber se, do ponto de vista constitucional, entre esses meios coercivos se inclui a obrigação de comparência sob-custódia, no dito Instituto, para a realização dos...

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