Acórdão nº 98B1050 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPEREIRA DA GRAÇA
Data da Resolução18 de Maio de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão n.º 3/99 Processo n.º 1050/98 - 2.ª Secção. - Acordam em pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: A e marido, B, deduziram contra o Banco Nacional Ultramarino, S. A., embargos de terceiro.

Alegaram, em síntese: São donos da fracção autónoma designada pela letra K, correspondente ao rés-do-chão, B, do prédio sito na Rua de Cesário Verde, ..., Costa da Caparica, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 0042/070185 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2691; Adquiriram a fracção por escritura pública de 22 de Junho de 1987; Só vieram a registar a aquisição em 10 de Setembro de 1996; A dita fracção foi penhorada em 9 de Março de 1995 e a penhora foi registada provisoriamente, por dúvidas, em 8 de Novembro de 1995, sendo o registo convertido em definitivo em 15 de Julho de 1996.

Pediram, consequentemente, que os embargos fossem recebidos e julgados provados e procedentes, dando-se sem efeito a penhora ofensiva do seu direito.

Os embargos foram recebidos e contestados, prosseguindo os autos até ao despacho saneador sentença. Deram-se como assentes os factos alegados pelos embargantes e acima resumidos, uma vez que se consideraram provados no processo pelos competentes documentos autênticos, cuja autenticidade o embargado não pôs em causa. Naquele despacho foram os embargos julgados totalmente improcedentes, mantendo-se a validade da penhora, com base nos seguintes fundamentos: «De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do Registo Predial, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.

A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do CRP.

'Terceiros', para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito arredado por facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente (v. Acórdão, com força obrigatória geral, do STJ n.º 15/97, de 20 de Maio, in Diário da República, 1.ª série, de 4 de Julho de 1997).

Este conceito amplo de 'terceiro' era já o defendido por vasta doutrina e jurisprudência (v., por todos, o referido acórdão) e o mais consentâneo com a finalidade do registo (v. artigo 1.º do CRP).

Do exposto concluo que o embargado é terceiro (para efeitos do disposto no artigo 5.º do CRP), pelo que o direito não registado dos embargantes não lhe é oponível.» Recorreram os embargantes e, nas suas alegações de recurso, solicitaram a subida directa do recurso a este Supremo, nos termos do artigo 725.º do Código de Processo Civil (CPC), facto que não mereceu oposição por parte do recorrido.

Concluíram, deste modo, as alegações recursivas: «1 - Diz a súmula do acórdão uniformizador da jurisprudência invocado: 'Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito arredado por um facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.' 2 - O acórdão supõe que há um direito registado que, por isso, não deve ser arredado por facto jurídico, ainda que anterior, mas não registado ou registado posteriormente, sendo este o seu entendimento correcto, pela sua súmula perante o caso concreto que o provocou.

3 - No caso dos presentes embargos a situação é diferente, pois aqui há um contrato de compra de fracção, feita pelos embargantes, não registada oportunamente, isto é, antes da sua penhora, embora o registo da penhora seja anterior ao registo daquela compra.

4 - A penhora, diligência judicial no âmbito da execução, não confere qualquer direito, não constitui direito a favor do exequente, constituindo um ónus, mas não o direito que o acórdão supõe.

5 - Por outro lado, a compra da fracção transfere a propriedade dela para os embargantes por efeito do contrato [artigo 879.º, alínea a), do CC], não sendo o registo predial constitutivo.

6 - Não havendo qualquer direito resultante da penhora, não sendo esta um direito, não se verifica o pressuposto: direito registado de que fala o acórdão, susceptível de ser arredado pela compra anterior, não registada oportunamente, feita pelos embargantes.

7 - A decisão recorrida faz errada aplicação do acórdão uniformizador, ao supor que há um direito registado oponível à compra da fracção pelos embargantes e consequente aquisição da propriedade.

8 - Por outro lado, a sentença violou os citados dispositivos do CC: artigo 408.º, n.º 1, e artigo 879.º, alínea a), pois não contemplou o facto da transferência da propriedade a favor dos embargantes por força do contrato da compra e venda, independentemente do registo.

9 - Os embargantes, ora recorrentes, têm a posição de terceiros, ex vi do artigo 351.º, n.º 1, do CPC, não são parte na causa.

10 - À execução estão sujeitos apenas os bens do devedor - artigo 821.º do CPC, sendo a venda judicial uma venda forçada efectuada pelo Estado que, assim, se substitui ao dono da coisa objecto de penhora, e, nos termos do artigo 892.º, é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar e, uma vez que o imóvel penhorado não pertence ao património do executado (pertence aos embargantes), o Estado carece de legitimidade para efectuar a venda e, então, a venda é nula, nulidade que é de conhecimento oficioso.

11 - Não deve o tribunal colocar-se na posição incómoda de praticar acto da venda nula e, mantendo-se a penhora, propondo-se vender a fracção, o tribunal a quo viola os citados dispositivos do n.º 1 do artigo 351.º e do artigo 851.º do CPC e do artigo 892.º do CC.

12 - Caso a penhora se mantenha, os embargantes - cujo direito de propriedade sobre a fracção está provado documentalmente - terão de percorrer o complicado ou, pelo menos, mais demorado caminho do protesto, anulação da venda, reivindicação, etc., para obterem o resultado substancial que nos embargos se pretende e que no processo de embargos pode ser obtido com segurança, mandando o princípio da economia processual, subjacente ao artigo 351.º, n.º 1, citado, que os embargos sejam julgados procedentes e levantada a penhora e também por aqui este artigo se mostra violado pela sentença recorrida.

13 - Tanto bastará para que a sentença recorrida seja revogada, julgando-se procedentes os embargos e levantada a penhora.

14 - Acresce que ao Estado compete garantir a efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos (artigo 2.º da Constituição da República) e o direito à propriedade privada é garantido pela Constituição (artigo 62.º) e tem dignidade constitucional, nesta medida tendo natureza análoga aos direitos fundamentais (artigo 17.º).

15 - Quando o Estado penhora, mantém a penhora, e depois, substituindo-se ao devedor, vende o bem penhorado que sabe ser de terceiro (os ora embargantes), apesar de o artigo 851.º do CPC dizer que só os bens do devedor respondem pelas dívidas, viola os citados dispositivos da Constituição (artigos 2.º, 62.º e 17.º) porque então estamos perante uma nova forma de privação forçada da propriedade, privação que não se esgota nas figuras da requisição e de expropriação referidas no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição e a sentença recorrida não contemplou estes textos da Constituição, violando-os.

16 - Caso se considere que o acórdão uniformizador em referência é aplicável ao caso, então também, na súmula, ele não contempla os artigos 2.º, 62.º e 17.º da Constituição, nos mesmos termos referidos com relação à sentença recorrida, violando-os.

17 - Conclusões anteriores levam a que, caso se entenda aplicável aqui o acórdão uniformizador em referência, se considere que é viável a sua revisão e substituição por outro acórdão que, na uniformização da jurisprudência, fixe o conceito tradicional de terceiros, único capaz de assegurar a protecção do direito de propriedade privada garantida na Constituição e então a alteração do acórdão uniformizador deverá ser no sentido de que a expressão 'terceiros' para efeitos do registo predial tem o alcance restrito tradicional, de adquirentes, do mesmo autor, de direitos incompatíveis sobre certa coisa.

18 - A possibilidade de revisão do acórdão uniformizador, a pedido dos interessados, está prevista no n.º 2 do artigo 732.º do CPC e sublinhada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 18 de Agosto.

19 - Finalmente, a título acessório, invoca-se a nulidade derivada do facto de a sentença recorrida ser omissa quanto à posse dos embargantes e seus factos alegados - omissão de questão que o Tribunal devia conhecer - artigo 668.º, n.º 1, do CPC e que aqui pode ser invocada - artigo 722.º, n.º 3, do mesmo Código, nulidade que deve ser declarada, com as consequências legais.

20 - No presente recurso só há questões de direito a decidir e, considerando isto, requerem, ao abrigo do artigo 725.º, n.º 1, do CPC, que o presente recurso seja enviado directamente ao Supremo Tribunal de Justiça.

21 - Requerem também que, se for entendido que o acórdão uniformizador em referência é aqui aplicável e que é viável a sua substituição por outro, o julgamento se faça com intervenção do plenário das secções cíveis - cf. artigo 732.º-A do CPC.» Em contra-alegações, o recorrido pronuncia-se pela manutenção do decidido.

Por despacho de fls. 68 e 69, o Exmo. Juiz reconheceu haver omissão de pronúncia e supriu a nulidade, pronunciando-se sobre a matéria em questão, mas mantendo, na íntegra, a parte decisória da sentença.

O recurso foi admitido para ser processado como revista, nos termos do artigo 725.º, n.º 5, do CPC. Remetidos os autos ao Exmo. Conselheiro Presidente, a fim de ajuizar da conveniência de julgamento ampliado, para eventual alteração do acórdão unificador vigente, obteve-se decisão no sentido de se viabilizar a eventual revisão da jurisprudência.

Nos termos do artigo 732.º-B, n.º 1, do CPC, os autos foram ao Ministério Público para emissão de parecer. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto concluiu do...

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