Acórdão nº 99P728 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 1999 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBRITO CÂMARA
Data da Resolução13 de Outubro de 1999
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça os Juízes da Secção Criminal: I No presente processo recorreu do decidido pelo Colectivo em matéria de facto, invocando contradição insanável da fundamentação pelo que não se podem considerar provados os factos referidos no ponto 15 da epigrafe A e na epigrafe B, os arguidos A e B. Recorreram ainda da decisão do Colectivo em matéria de facto C (cfr. 2 e 3 conclusões), D, E, F e G só recorrem da decisão de direito. Os recursos deviam ter sido julgados pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, em conferência se julgou incompetente e competente o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer dos mesmos. II Entendemos porém que o competente é a Relação de Coimbra. Em efeito, havendo recurso em matéria de facto da decisão final do Colectivo há que recorrer para a Relação que é em regra o tribunal adequado para decidir recursos - artigo 427 do Código de Processo Penal - de facto e de direito - artigo 428, n. 1 - e dotado mais do que o Supremo com faculdades adequadas àquele conhecimento - artigo 431, que permite um recurso efectivo em matéria de facto como diz o preâmbulo da proposta de lei propiciadora de nova reforma da Lei 59/98, artigo 430 permitindo a renovação da prova e 426, reenvio. O Supremo só goza da faculdade de reenvio - artigo 426. É nos artigos 428 e 427 para a Relação e no artigo 432 alínea d) que se define qual é o tribunal - Relação ou Supremo - o competente para o recurso da decisão do Colectivo. As outras disposições apenas definem poderes do tribunal uma vez ultrapassada a definição de competência. A intenção mais recente do legislador quis restituir ao Supremo o seu dever fundamental de apreciar o direito e não o facto. Mas, de harmonia com a tradição legislativa anterior - Código de Processo Penal de 1929 e Código de Processo Penal de 1987 - mesmo nos casos em que conheça de direito, exclusivamente, o Supremo continua a poder pronunciar-se em matéria de facto, limitadamente aos casos dos ns. 2 e 3 do artigo 410 - cfr. artigo 434 e Acórdão do Plenário das Secções Criminais de 19 de Outubro de 1995 in D.R. IS-A, de 28 de Dezembro - de modo oficioso, sempre que no recurso as partes estejam limitadas à matéria de direito. Por isso o Supremo oficiosamente, ou porque a deliberação do Plenário esteja ainda em "vigor" apesar das recentes alterações da Lei 59/98, ou por aplicação do artigo 434, relativo aos poderes de cognição do Supremo e não à amplitude do recurso interposto pelas partes, pode, oficiosamente, intervir apreciando a matéria de facto nos limites do artigo 410 para que não assente a sua decisão de direito em bases fácticas erradas. A função do aditamento à alínea d) do artigo 432 anterior da expressão "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito" não pode significar que o recurso também pode visar matéria de facto. Se fosse assim, então mantinha-se como se fez entre 1987 e 1998, a redacção da alínea d). Assim permitir-se-ia, na falta de distinção, que o recurso para o Supremo visasse as duas matérias - direito e facto. Mas não foi esse o caminho. E não foi porque, no preâmbulo citado, o legislador quis restituir ao Supremo a sua função tradicional pura de apreciação do Direito. Não pode passar-se sobre a intenção do legislador quando, como é o caso, ela tem acolhimento objectivo expresso na letra da lei - cfr. artigo 9 do Código Civil. Assim não podemos concordar com o decidido pelo Tribunal da Relação designadamente quando invoca em sua tese que o Supremo se poderia ver confrontado perante clamorosos vícios da matéria de facto. É que se esqueceu quer do acórdão de jurisprudência "obrigatória" do Plenário das Secções Criminais deste Supremo quer do disposto no artigo 434 que permitem que no recurso que a parte ou partes circunscreveram ao direito - possa o Supremo oficiosamente apreciar tais vícios para não permitir a confrontação assustadora referida. O acrescentamento da alínea d) outro significado não tem que não seja dar corpo à vontade do legislador. A ampliação dos poderes da Relação em matéria de facto - cfr. artigo 431 - é a resposta do legislador ao desejo de amplos sectores de que se estabelecesse na lei um efectivo recurso em matéria de facto e não um recurso limitado a alguns vícios. Nem a circunstância de o actual artigo 445, ns. 1 e 3 do Código de Processo Penal retirar ao Acórdão do Plenário atrás citado o seu valor de obrigatoriedade, de harmonia com a decisão do Tribunal Constitucional - Acórdão n. 743/96 de 28 de Maio IS-A D.R. - nem por isso deixamos de seguir a sua jurisprudência por acharmos inteiramente correcta a sua fundamentação e a reforma de 98, na parte dos recursos, em nada contender com tal jurisprudência. No sentido de que quando se põe em causa a matéria de facto em recurso de acórdão de Tribunal Colectivo - e que é o que temos vindo a seguir - o recurso será dirigido à Relação, estão os nossos acórdãos Processos 532/99 e 739/99 proferidos recentemente além de outros deste tribunal de que se junta fotocópia. Também o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto Dr. Simas Santos foi desta opinião em douto parecer exarado no Recurso 393/99, 3. Secção deste Tribunal. Quanto à opinião do Dr. Damião da Cunha, referida na douta conferência do Tribunal da Relação de Coimbra, não se lhe pode dar valor por ser anterior à redacção final da Lei 59/98 e não versar sobre esta. Uma vez que há recorrentes em matéria de facto e em matéria de direito os recursos que se mostram interpostos terão de ser conhecidos no Tribunal da Relação, único que tem competência para apreciar recursos em matéria de facto e de direito. Julgamos assim competente o Tribunal da Relação de Coimbra para conhecer de todos os recursos. Junta-se fotocópia dos acórdãos supracitados para melhor fundamentação. Remetam-se os autos à Relação de Coimbra e comunique-se esta remessa ao Tribunal recorrido. Sem custas. Lisboa, 13 de Outubro de 1999. Brito Câmara, Martins Ramires, Oliveira Martins. (Vencido, entendendo que devia ser o Supremo Tribunal de Justiça a conhecer do recurso pelas razões constantes de voto emitido no citado Processo n. 739/99). Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça os juízes que a constituem: I A veio interpor recurso do acórdão proferido pelo Colectivo da Comarca de Faro para a Relação de Évora com o fundamento de que o recurso põe em crise a matéria de facto julgada provada pelo Colectivo, não se limitando assim a matéria de direito. Por sua vez O arguido B veio recorrer do mesmo acórdão na parte que lhe diz respeito para o Supremo Tribunal de Justiça alegando que o mesmo versa sobre o enquadramento jurídico dos factos e sobre a medida da pena exclusivamente. Os dois recursos foram recebidos para subirem ao Supremo Tribunal de Justiça. A) O artigo 427 do Código de Processo Penal actual estabelece a regra geral de que exceptuado o recurso directo para o Supremo o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a Relação. O artigo 428 n. 1 estabelece que as Relações conhecem de direito e de facto e os artigos 430, 431 e 410 dão a este tribunal, quando conhece de matéria de facto em recurso, as três possibilidades ali referidas: renovação da prova, modificação da decisão recorrida, conhecimento dos vícios que afectam a matéria de facto com reenvio. Por sua vez o artigo 432 alínea d) diz que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo Tribunal Colectivo e frisou, ao contrário do que se dizia na alínea d) do 432 na versão anterior, que tais recursos têm de visar exclusivamente o reexame da matéria de direito. O artigo 434, inserido na secção dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça diz que, sem prejuízo do disposto no artigo 410, ns. 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo visa "exclusivamente o reexame da matéria de direito". B) Resumidamente, no direito anterior à reforma de 98 (Lei 59/98) podia interpor-se recurso para o Supremo invocando quer o erro na matéria de facto quer o erro na matéria de direito, aquele limitado aos vícios do n. 2 do artigo 410 - recurso do acórdão em colectivo. E o Supremo, por força do acórdão do Plenário das suas Secções Criminais de 19 de Outubro de 1995 passou a conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410, n. 2 ainda que nenhuma das partes recorresse em matéria de facto (cfr. Diário República I-A de 28 de Dezembro). E qual o motivo deste acórdão? No processo penal, ao contrário do processo civil há sempre a apreciação de relações jurídicas indisponíveis, a procura da verdade material e o ditame do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido. Daí que a decisão do Supremo não possa ter a natureza formal que algumas vezes tem no Processo Civil. É, em suma, a fundamentação do acórdão. De estranhar seria que, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o órgão de cúpula dos tribunais vocacionado especialmente para a aplicação do Direito, ele se visse, em certos casos, manietado pela inércia (ou conveniência) de alguma das partes que não recorra da matéria de facto, forçado a sancionar a decisão quando era porventura visível que esta continha erros no apuramento dos factos. No artigo 433, ao falar-se dos poderes de cognição do Supremo ressalvava-se a possibilidade de poder este tribunal aplicar o disposto no artigo 410, ns. 2 e 3 deixando, a nosso ver, implícito que aqui se tratava de reservar ao Supremo Tribunal um poder oficioso de conhecimento da matéria referida naquele artigo 410, portanto sem que ela fosse suscitada pela parte no recurso só de matéria de direito. Quanto ao recurso das deliberações do júri - colectivo com Júri - ainda na reforma anterior a 1998 ele devia ser interposto para o Supremo de harmonia com a alínea b) do artigo 432 seguindo-se o mesmo regime que acabamos de relatar e admitindo-se recurso da matéria de facto. C) Se recuarmos um pouco mais, ao regime de recursos que vigorava logo após o Decreto-Lei 605/75 que instituiu o júri...

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