Acórdão nº 0041402 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Maio de 2001 (caso None)

Magistrado ResponsávelMANSO RAÍNHO
Data da Resolução09 de Maio de 2001
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em audiência na Secção Criminal da Relação do Porto: Em processo comum e perante o tribunal singular da comarca de ....., o Ministério Público deduziu Acusação contra MANUEL ....., identificado nos autos, a quem imputou a prática de dois crimes de difamação, com abuso de liberdade de imprensa, p. e p. pelo art.º 180º, nº 1 e 183º nº 1 al. a) do C. Penal, e artº 30º nº 2 da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, agravados pelo artº 184º do C. Penal.

O Assistente Dr. F.... aderiu à acusação do Mº Pº e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido nos termos constantes de fls. 163 e 164 onde concluiu pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 2.000.000$00 acrescida de juros à taxa legal a contar da notificação, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos.

A final foi proferida sentença que, julgando procedente a acusação e o pedido cível, condenou o arguido, pela autoria dos acusados crimes, nas penas parcelares de 11 e 9 meses de prisão, do que resultou a pena única de 18 meses de prisão, bem como no pagamento ao assistente da quantia indemnizatória de 2.000.000$00.

A pena foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, na condição de ser satisfeita a indemnização ao ofendido no prazo de 1 ano.

É desta sentença que vem interposto pelo Ministério Público junto da 1ª instância o presente recurso que, motivado, apresenta as seguintes conclusões: 1. - o crime cometido em 18 de Março de 1999 é mais censurável que o cometido em 11 de Março de 1999, quer pelas expressões utilizadas, e objectivamente consideradas, quer pelo tom de voz do arguido, quer pela obrigação que tinha de não reincidir na actividade criminosa, especialmente na sequência do exercício do direito de queixa do ofendido, que é legítima, quer porque o fez como retaliação pelo uso de referido direito de queixa.

  1. - o arguido tem antecedentes criminais, estando a decorrer o período da suspensão da pena e, por isso, estava solenemente advertido de que não deveria cometer novos factos ilícitos típicos.

  2. - o dolo, directo, é da máxima intensidade e, por isso, máximo o grau de culpa, sendo as circunstâncias gerais que rodearam a prática da infracção, e que são apenas agravantes, factores relevantes para a medida da culpa.

  3. - o artº 71º, n.º 1 e 2 do C. Penal deve ser interpretado no sentido de que a medida da culpa do agente determina a medida concreta da pena, dentro dos limites da lei. Consequentemente, e se a isso se não opuserem razões de prevenção, como não se opõem no caso sub judice, sendo máximo o grau da culpa, a pena em concreto tem de ser fixada em medida muito próxima do limite máximo da moldura penal abstracta.

  4. - pelo que a M.ª Juíza deveria ter condenado o arguido, pelo crime cometido em 18 de Março, em pena próxima dos 12 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 19 meses de prisão.

  5. - ao não o fazer a douta sentença recorrida violou o disposto no artº 71º, nºs 1 e 2 do C. Penal.

  6. - a concessão ou denegação da suspensão da pena deve ser fundamentada em razões de prevenção especial, nomeadamente em razões de ressocialização, mas também sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

  7. - o artº 50º do C. Penal deve ser interpretado no sentido de que a suspensão da pena é permitida, ou até imposta, desde que o juízo de prognose tenha em conta aquelas necessidades de prevenção.

  8. - no tocante à prevenção especial deve atender-se, como do preceito se vê, à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstancias deste.

  9. - da matéria de facto apurada, designadamente da personalidade do arguido, revelada pelos factos ilícitos típicos, propensa ao cometimento de crimes, da sua conduta anterior - o arguido cometeu os crimes no período de anterior suspensão de pena - e da conduta posterior - o arguido não confessou integralmente os factos e, também não demonstrou qualquer arrependimento, não pode concluir-se que está inserido na sociedade.

  10. - a comunidade em que o arguido está inserido, do Nordeste ......, equipara o valor «honra» ao valor «saúde» e até ao valor «vida», pelo que não pode conformar-se com a condenação do arguido nos moldes em que o foi, até pela probabilidade real que existe de que o arguido reincidirá na agressão moral ao ofendido e/ou a outras pessoas.

  11. - consequentemente, o juízo de prognose deveria ter sido formulado em sentido negativo, isto é, de que a ameaça da pena não é suficiente nem para afastar o arguido da criminalidade, nem para satisfazer o sentimento jurídico da comunidade.

  12. - assim, deveria ter sido condenado o arguido em pena de prisão efectiva, não havendo, por isso, lugar à aplicação da pena de substituição, pelo que foi violado o disposto no artº 50º, n.º 1 do C. Penal.

  13. - admitindo que o arguido ainda possa beneficiar do instituto da suspensão da pena, então, para garantir que as finalidades da punição sejam asseguradas de forma adequada e suficiente, a suspensão da pena deve ser acompanhada de regime de prova, até para mais fácil ressocialização do arguido.

  14. e, em todo o caso, ao arguido deve ser imposta regra de conduta, nos termos do artº 52º do C. Penal, de não poder participar em programas radiofónicos do tipo daquele em que as difamações foram praticadas, durante período da suspensão da pena, dever esse que poderá constar do plano individual de readaptação social, ou cumulativamente com ele, como o permite o n.º 3 do artº 50º do C. Penal.

  15. - foram violados os artigos 71º, n.º 1 e 2, 50º n.º 1, 52º, n.º 1 e 3, e 53º do C. Penal.

  16. - a sentença recorrida deve ser alterada decidindo-se: - elevar a medida da pena do crime cometido em 18 de Março de 1999 para pena próxima 12 meses e o cúmulo jurídico para 19 meses, de prisão; - entendendo-se ser de manter a suspensão da pena, deve esta acompanhar-se de regime de prova, sempre com a imposição ao arguido da proibição de participar em programas radiofónicos do tipo do "S......." .

    O arguido respondeu ao recurso, concluindo pela respectiva improcedência.

    O assistente pronunciou-se pela procedência do recurso.

    Nesta Relação o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

    Colhidos os vistos e efectuada a legal audiência, cumpre apreciar e decidir.

    São os seguintes os factos que a sentença recorrida elenca como estando provados: 1. O arguido é comentador convidado do programa radiofónico emitido pela Rádio ........ "S.........".

  17. Nessa sua qualidade interveio no Programa que foi radiodifundido no dia 11 de Março de 1999, depois das 21,30 horas, e que foi radiodifundido, em repetição, no dia 14 de Março de 1999, após as 11,30 horas.

  18. No referido programa, o arguido proferiu, entre outras, as seguintes expressões: "Esses senhores (os Juizes) não podem ser criticados. Acordam de cú para o ar e podem dar voz de prisão ... E um indivíduo vai lá para dentro. Esses senhores, usando e abusando do lugar deles, andam aí nalgumas aldeias a pressionar, a fazer chantagem e não sei quê ... e então andamos nós aqui ... já não são cidadãos como nós?!".

  19. E perguntando-lhe então o jornalista: "Andaram a pressionar o quê?" ele respondeu: " A história de ..... . Qual foi o jornalista de uma cadeia de televisão que foi à B... querer filmar a jagunçada da água. Porque é que não filmou? Porque um Sr. Dr. Juiz ameaçou que fazia e que acontecia se filmasse. Porque razão é que esses cidadãos...

  20. Retorquiu então o jornalista: "Mas quando na via pública, os direitos dos jornalistas têm de ser preservados!" ao que o arguido respondeu: "Exactamente. Não é a puxar dos galões que se resolvem as questões".

  21. A fim de conhecer a morada do arguido com vista à instauração de queixa crime, o assistente telefonou a uma pessoa das suas relações pessoais, indagando da morada do mesmo e à qual comunicou as razões de semelhante pedido - apresentação de queixa crime.

  22. Conhecedor de que o assistente tinha contactado essa pessoa que é chefe de trabalho do arguido, este, no dia 18 de Março de 1999, depois das 21, 30 horas, dia imediato em que foi para o ar novo programa "S......", e o qual foi novamente radiodifundido, em repetição, no dia 21 de Março de 1999, após as 11,30 horas, logo na abertura, teve a seguinte intervenção, em leitura de documento que levava escrito: " Antes de falarmos em temperatura, eu quero aqui fazer uma denúncia pública.

    A semana passada ... são dois minutos".

    Um dos outros intervenientes comentou: "Então vamos começar com denúncias?" tendo o arguido retorquido: "Vamos, vamos! A semana passada comentaram-se determinadas situações relacionadas com a Magistratura e o sistema da Justiça em Portugal e em alguns Países, e mais concretamente determinada situação verificado na aldeia de ......, concelho de ....... . Tal programa foi para o ar às 21 h e 30 m do dia 11 de Março, Quinta Feira. Na Sexta Feira de manhã, dia 12, houve um ser vivo que não gostou do que ouviu e telefonou ao meu chefe, fazendo queixinhas por ter dito o que disse no...

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