Acórdão nº 0041482 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Maio de 2001 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO GOMES
Data da Resolução02 de Maio de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO.

1.1. Nos Serviços do Mº Pº, junto do Tribunal Judicial de ....., corre termos o processo de inquérito nº .../..., em que é denunciante IGAE e arguido Nuno....., por factos susceptíveis de integrar a eventual prática de um crime de reprodução não autorizada de programas de computador, p. e p., pelos arts. 14º, nº1, do DL. nº 252/94, de 20OUT, e 9º, da Lei nº 109/91, de 17AGO.

1.2. Em 28SET2000 o arguido requereu ao Mº Pº que fosse declarada nula a busca efectuada pela IGAE, no seu gabinete técnico de arquitectura, sito em ...., por violação do disposto no art. 174º, do CPP, por falta de competência da IGAE para proceder à inspecção e consequente busca, bem como a restituição dos computadores ao arguido nos termos do art. 186º, do CPP.

1.3. Por despacho de 19OUT2000 o Mmº Juiz de instrução do Tribunal Judicial da Comarca de ....., indeferiu o requerimento do arguido, com o fundamento de que dos arts. 1º, nº1, 3º, als. b) e d), e 29º, nº 1, do DL. nº 269-A/95, de 19OUT, as atribuições do serviço de inspecção são os de uma verdadeira autoridade de polícia criminal a quem caberá coadjuvar as autoridades judiciárias nos termos do CPP (arts. 1º, als. c) e d), e 55º, nº2, do CPP), ainda que em ilícitos cuja investigação não está ainda atribuída a um específico órgão de polícia criminal e que, lato senso, não deixam de ter analogia com outros crimes classificados de antieconómicos.

De resto, se alguma incompetência funcional houvesse ao nível da investigação policial, nada na lei processual admite que tal se reflicta na validade de um acto processual, quanto muito, importaria a posteriori, uma transferência de competências, sendo certo que a original notícia do crime e as providências necessárias para acautelar a conservação dos meios de prova são obrigatórios para qualquer autoridade policial (arts. 241º, 242º, nº 1, al. a), 243º, 248º e 249º, do CPP).

O arguido confunde uma simples investigação/inspecção, comum neste tipo de infracções relacionadas com a economia, o comércio ou a prestação de serviços, acto prévio à existência de qualquer inquérito criminal, com a busca, meio de obtenção da prova, no âmbito de uma investigação criminal.

Tratando-se de acto de inspecção em estabelecimento/gabinete que o arguido não considerou ou sequer alegou que fosse reservado e, por natureza, será aberto ao público/clientes do serviço prestado, não carecia de despacho prévio da única autoridade competente para, nesta fase, processual, ordenar eventual busca em espaço reservado que não esteja previsto no art. 177º, do CPP - Ministério Público.

Confirmada a legalidade da acção que deu origem à apreensão de elementos probatórios materiais conducentes á imputação ao arguido do crime p. e p., pelo art. 9º, nº1, da Lei nº 109/91, tratando-se de objectos, programas e produtos, dessa actividade ilícita, não é só válida a manutenção da sua apreensão (art. 178º, nºs 1 e 2, do CPP), como é previsível que sejam declarados perdidos a favor do Estado nos termos dos arts. 12º, da Lei nº 109/91, e 109º, do CP.

1.4. Inconformado com este despacho, o arguido, veio dele interpor recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: "1 No dia 29AGO00, pelas 11 horas, o arguido foi objecto de uma inspecção efectuada no seu gabinete técnico de arquitectura, sito na morada supra indicada, por agentes da Inspecção Geral das Actividades Económicas, "em conformidade com um planeamento operacional" (e não com base em qualquer queixa), da qual resultou a sua detenção, a apreensão de dois computadores e a constituição do arguido como autor do crime de reprodução não autorizada de programas de computador previsto no art.14° n° 1 do DL n° 252/94, de 20/10 e punido nos termos do art. 9º, n° 1 da Lei 109/91.

  1. O DL 252/94 de 20 de Outubro (Lei da protecção dos programas de computador) não atribui a qualquer entidade competência específica para acções de natureza preventiva e repressiva ou proceder à investigação e instrução dos processos de contra-ordenações, pelo que o IGAE é incompetente para o efeito.

  2. A única entidade competente - com base numa notícia de um crime que no caso inexistia, pois no início da actuação nenhuma suspeita ou queixa havia sobre o requerente - é o Ministério Público.

  3. Por isso, e independentemente de indícios de crime que não existiam, a entrada no gabinete de arquitectura do requerente e busca de provas aí guardadas, só podia ser efectuada por qualquer polícia criminal nos termos do disposto no art. 174° nºs 2 e 4 do C.P.P.

  4. Por falta de competência para a acção a que procederam e por violação do art 174° n° 2 do CPP - o requerente não autorizou a busca nem a mesma se encontra expressamente declarada no auto - é a mesma nula assim como os actos subsequentes, no caso, a apreensão de dois computadores.

  5. O recorrente está em tempo de arguir a nulidade nos termos do disposto no art 120, n° 3 al. c) do CPP, como se refere no BMJ 416, pág. 541.

  6. O Meritíssimo Juiz de instrução indeferiu a pretensão por entender que as infracções ao DL 252/94 são delitos antieconómicos e assim a IGAE teria competência própria a para o e efeito.

  7. Além disso, como delitos antieconómicos, iniciar-se-ia sempre por um acto de investigação/inspecção donde a legitimidade da IGAE para proceder.

  8. Sucede que do nosso ponto de vista o Meritíssimo Juiz fez um enquadramento errado do DL 252/94, dado que faltando aos interesses aí protegidos o carácter de supra-individualidade, o mesmo não pode ser enquadrado dentro do Direito Económico ou Direito Penal Económico mas sim no âmbito das Direitos de Autor e direitos conexos.

  9. Por todos na doutrina, Costa Andrade e José Manuel Figueiredo Dias in BMJ n° 262 pág 33 e Direito Penal Económico, edição do Centro de Estudos Judiciários, pág. 88 e Rui Saavedra - A Protecção Jurídica do Software e a Internet, pág. 125, 94, 114 e 128 a 130.

  10. É assim que "os programas de computador receberam da parte do legislador nacional "protecção análoga à conferida às obras literárias" (art 1° n° 2 do DL 252/94 e respectivo preâmbulo), apesar de anteriormente terem sido os mesmos no plano normativo comunitário qualificados explicitamente, como "obras literárias na acessão da convenção de Berna para a protecção de obras literárias e artísticas" ob. cit. pág. 148.

  11. Não podendo a acção da IGAE ser legitimada com base no poder de praticar actos de investigação/inspecção, errada se torna também a interpretação feita na decisão recorrida sobre o local onde a mesma se efectuou ao considerar-se que um gabinete de arquitectura - mormente no local onde se encontram os computadores (local de trabalho) - não é um "lugar reservado ou não livremente acessível ao público".

  12. O conceito de "lugar vedado ao público" - cuja violação é punida pelo art. 191° do CP - é-nos dado pela "salvaguarda de um conjunto heterogéneo de valores ou interesses. Que vão desde valores ainda conotados com a reserva e o segredo pessoais, passando pelo segredo comercial e industrial, até valores de eficiência económica e burocrático-administrativo". A persistir-se na definição de um bem jurídico igualmente presente na tutela de inviabilidade de todos os espaços, terá de optar-se por uma definição exclusivamente formal. O bem jurídico identificar-se-á, assim, com a posição jurídica reconhecida ao titular, que se analisa no direito de admitir e excluir" Costa Andrade in Comentário Conimbricense do Código Penal Parte Especial, tomo 1, pág. 718.

  13. A busca foi efectuada num gabinete de arquitectura, sito no primeiro andar de um prédio urbano e, os computadores, encontram-se forçosamente numa área de trabalho dado servirem para se elaborar os projectos das obras que a arquitecto tem em curso.

  14. Ora o trabalho do arquitecto (projectos e desenhos) são sua propriedade (art. 25º do Código do Autor) e a sua fruição exclusiva pelo arquitecto está prevista no art. 67º do mesmo código.

  15. Por natureza aqueles são locais reservados, para os quais é necessária a ordem de busca emitida pela autoridade judiciária (art. 174°) que aí se possa proceder ao exame das coisas, pelo que o Mmº Juiz fez uma errada interpretação do disposto no art 174° do CPP.

  16. Pretende-se, por último, no despacho recorrido legitimar aquela acção com base no disposto nos arts 248º e 249º do CPP - Medidas cautelares e de polícia - numa interpretação errada dos mesmos.

  17. De facto "Os órgãos de polícia criminal podem proceder por sua própria iniciativa a revistas e buscas, quando a urgência o exigir. É ainda a urgência que legitima estas diligências por parte dos órgãos de polícia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT