Acórdão nº 0111514 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Data11 Fevereiro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de....., o arguido RUI....., com os sinais dos autos, acusado pelo Mº Pº da prática de factos susceptíveis de o constituírem autor material de um crime de tráfico de estupefacientes e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec.Lei nº 15/93, de 22.1, com relação à tabela I-C anexa, foi submetido a julgamento, em processo comum singular (artº 16º, nº 3, do C. P. Penal), tendo a acusação sido julgada improcedente quanto ao imputado crime de tráfico de estupefacientes e, feita a convolação para o crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, nº 2, desse Dec.Lei nº 15/93, foi, face à lei nova (artº 28º da Lei nº 30/2000, de 29/11), declarado extinto o procedimento criminal instaurado.

Dessa decisão interpôs recurso o Mº Pº, dizendo em síntese conclusiva: 1. O Mm° Juiz deu como provado que o arguido destinava o estupefaciente apreendido nos autos ao seu consumo.

  1. Para tal socorreu-se do princípio in dubio pro reo.

  2. Porém, não transparece da fundamentação da matéria de facto qualquer dúvida que justifique a aplicação de tal princípio.

  3. Antes resulta o contrário, uma vez que o Mm° Juiz descredibiliza o único elemento de prova que aponta nesse sentido: as declarações do arguido.

  4. Existe, assim, contradição na decisão, bem como erro notório na apreciação da prova, dessa forma incorrendo o Mm° Juiz nos vícios previstos nas al. b) e c) do artº 410°, nº 2, do C. P. Penal.

  5. Mesmo que assim não se entenda, há que considerar que não é compreensível qual a dúvida que motivou o Mm° Juiz na aplicação do princípio em questão, pelo que é insuficiente a fundamentação da sentença, sendo, dessa forma, violados os artº 97°, nº 4, e 374°, nº 2, do C. P. Penal.

  6. Deve, assim, ser retirado o facto em questão da matéria de facto provada e o arguido ser condenado pelo crime de que vinha acusado.

    Ainda que assim não se entenda, 8. A detenção de estupefaciente, ainda que exclusivamente para consumo, fora das situações previstas no artº 2° da Lei nº 30/2000 - e é esse o caso sub iudice -, continua a ser crime, nos termos do artº 21° da Lei da Droga.

  7. Não houve, dessa forma, qualquer descriminalização da conduta do arguido, pelo que sempre deve ele ser condenado, nos termos da Lei vigente à data da prática dos factos, pelo crime previsto e punido pelo artº 40°, nº 2, do Dec.Lei nº 15/93, de 22.l.

    Assim, apontando tais disposições legais como violadas, conclui pela alteração da decisão recorrida no sentido acima apontado.

    Respondeu o arguido, pugnando pela confirmação do julgado.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, em extenso e douto parecer, pronuncia-se pelo provimento do recurso, enquanto ali se sustenta que a conduta do arguido continua a ser enquadrável e punível nos termos do artº 40º do Dec.Lei nº 15/93, parecer a que, notificado, o arguido respondeu, reafirmando a integral descriminalização das condutas tipificadas nesse artº 40º.

    Assim, cumpridos os vistos e realizada a audiência, cabe decidir.

    *Atentas as supra transcritas conclusões da motivação, pelas quais, como é sabido, se delimita o âmbito do recurso, vejamos, antes de mais, a matéria de facto, provada e não provada, que a sentença registou e a fundamentação em que se ancorou.

    Assim, acolheram-se ali como provados os factos seguintes: 1. Em 9/5/2000, cerca das 12.30 horas, nas instalações do Centro de Formação Profissional de....., num armário utilizado pelo arguido, num dos bolsos do blusão que este aí havia guardado, foi encontrado um porta moedas de cabedal, dentro do qual se encontravam 26,563 gr. de haxixe - Cannabis Resina.

  8. Na mesma data, pelas 18.45 horas, foi encontrada na residência do arguido, sita no Lugar..., ....., ....., sendo sua pertença, a quantidade de 189,965 gr. de haxixe - Cannabis Resina.

  9. O arguido destinava essa substância ao seu consumo.

  10. O arguido conhecia as características estupefacientes da substância que detinha.

  11. Ao agir como agiu, o arguido quis e sabia que, detendo para consumo a referida substância, praticava conduta proibida e punida por lei.

  12. Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.

  13. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.

  14. O arguido é casado, tem 1 filho de 12 anos, vive em casa dos pais, está reformado, recebendo a pensão de 36.000$00 mensais, é utente do G....., auferindo 17.000$00 a 25.000$00 por mês, tem como habilitações literárias o 11º ano, é toxicodependente há 15 anos.

  15. Tem antecedentes criminais na área de referência.

  16. Está em tratamento.

    //Como facto não provado consignou-se apenas: - Que o arguido detivesse tais quantidades de haxixe - Cannabis Resina - para as vender e assim obter proveitos económicos para integrarem o seu património.

    //E, motivando a decisão sobre a matéria de facto escreveu-se ali: "O Tribunal formou a sua convicção com base, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

    O arguido confessou, integralmente e sem reservas, a posse do produto estupefaciente que lhe foi encontrado no bolso do blusão no armário do Centro de Formação Profissional de....., bem como aquele que foi encontrado na sua residência.

    Referiu, porém, que o mesmo se destinava ao seu consumo diário.

    Afirma-se como toxicodependente há mais de 15 anos, com hábitos de haxixe, e em situação de tratamento de desintoxicação de heroína.

    Segundo as declarações do arguido, o produto estupefaciente foi adquirido em....., pelo preço de 60.000$00. O arguido costumava adquirir "sabonetes de haxixe", dado que dessa forma lhe saía mais barata a dose. Como consumia 5 a 10 "charros" por dia, esse produto dava-lhe para "uns tempos", e saía-lhe mais barato do que se andasse a comprar pequenas quantidades ao dia ou à semana.

    Face à grande quantidade de haxixe que detinha em seu poder, face ao custo que tal aquisição lhe tinha acarretado, bem como aos proventos que disse retirar da reforma e do trabalho no G....., as suas declarações poderiam não se afigurar credíveis em moldes tais que se pudessem considerar de per si. De facto, a quantidade existente na posse do arguido é algo elevada e os custos da mesma não são muito compatíveis com os seus ganhos.

    No entanto, tal não quer dizer que se possa alguma vez presumir que o arguido detinha em seu poder tal quantidade de haxixe - Cannabis Resina - para traficar, tal qual se mostra enquadrado tipicamente pela acusação.

    É que, ainda que se possa recorrer às regras da experiência comum, por força do artº 127º do CPP, e dizer que a quantidade de estupefaciente detida pelo arguido é muito elevada para um simples consumidor, tal não pode significar que, só por si, se possa dizer que o mesmo é um traficante. Algo mais é necessário e isso passa pela conjugação dos depoimentos obtidos em sede de audiência, depoimentos esses válidos ou com possibilidade de o ser em termos processuais penais.

    Para isso e para prova da acusação, haveria que recolher das testemunhas a ouvir em sede de julgamento declarações que permitissem enquadrar a actividade do arguido no tráfico de estupefacientes.

    Porém, os agentes da GNR ouvidos em sede de audiência apenas referiram que conheciam o arguido como toxicodependente, que o mesmo já foi condenado por tráfico de estupefacientes - heroína - e que o mesmo, junto à Escola, era visto acompanhado de "consumidores".

    Não referiram, porém, que tivessem...

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