Acórdão nº 0210483 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do PORTO I - RELATÓRIO No Tribunal da Comarca de....., em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, foi julgada a arguida: MANUELA....., casada, enfermeira, nascida em 26 de Agosto de 1953 na freguesia de....., concelho de....., residente na Rua....., em....., titular do B.I. nº......

Por acórdão de fls.119 a 134, foi a arguida condenada pela autoria de um crime de burla qualificada (artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2 alínea c) do Código Penal), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, na condição de, no prazo de 90 dias, contados do trânsito em julgado desta decisão, a arguida pagar ao ofendido José..... a quantia de 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos), correspondente ao valor dos prejuízos que lhe causou.

A arguida interpôs recurso ordinário (fls.147), em cuja motivação, concluiu, em síntese: a) - O tribunal julgou incorrectamente os pontos da matéria de facto enumerados na motivação de I a IX; b) - O depoimento prestado pelo conjunto das testemunhas, designadamente pelas declarações do ofendido, sua irmã e Otilio...., impõem uma decisão diferente em sede da matéria de facto, de modo a que a mesma não integre, porque manifestamente impossível, a previsão da norma do crime de burla qualificada; c) - A qualificação jurídica dos factos efectuada no acórdão recorrido, bem como a qualificação pela alínea c) do nº2 do art.218 do CP mostram-se incorrectamente efectuadas, pelo que não podia a recorrente ser condenada pelo crime de burla a gravada, violando-se o disposto nos arts.217, 218 nº2 c) CP; d) - Da matéria de facto constante dos depoimentos das testemunhas e declarações do ofendido resulta que a recorrente deveria quando muito ser condenada pelo crime de abuso de confiança, previsto no art.205 nº1 do CP; e) - A determinação da indemnização a atribuir ao lesado foi arbitrária e exageradamente determinada, pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no art.51 nº1 a) CP, devendo a indemnização ser reduzida; f) - O acórdão recorrido fez errada aplicação das normas do art.410 nº2 a) CPP e dos arts.51, 205 nº1, 217 e 218 do CP.

Na resposta, o Ministério Público preconizou a improcedência do recurso.

Realizou-se a audiência, mantendo-se a instância válida e regular.

II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Considerando que o objecto e âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação as questões essenciais que importa decidir, são as seguintes: erro na apreciação da prova; o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a qualificação jurídica dos factos (crime de burla, burla agravada ou abuso de confiança); a indemnização arbitrada ao ofendido, como dever da suspensão da execução da pena de prisão.

2.2. - O julgamento da matéria de facto pelo Tribunal da 1ª instância: 2.2.1 - Os factos provados: 1 - A arguida exerce a actividade profissional de enfermeira, fazendo-o, à data dos factos, no Centro de Saúde da...., concelho de.......

2 - O ofendido José..... é doente, pelo que se deslocava e desloca, com frequência, a esse Centro de Saúde para fazer curativos.

3 - Era a arguida que, normalmente, fazia esses curativos ao ofendido, quer no Centro de Saúde, quer na residência deste, onde se deslocava às vezes para o efeito, incluindo aos fins de semana.

4 - Tal relação profissional criou entre o ofendido e a arguida uma relação de confiança, desta conhecida.

5 - No dia 13 de Setembro de 1999, cerca das 14 horas, a arguida deslocou-se uma vez mais a casa do ofendido, sita na Rua....., ....., ......, para lhe fazer curativos.

6 - Era do conhecimento da arguida que o ofendido tinha recebido, através do seu irmão, poucos dias antes dessa data, a quantia em dinheiro de esc.400.000$00 (quatrocentos mil escudos) - em notas do banco de Portugal - proveniente da Segurança Social, que se destinava a custear as suas despesas de saúde e que ele guardara na mesa de cabeceira do seu quarto de dormir, o que ela também sabia.

7 - Tinha também a arguida conhecimento que o ofendido ia ser internado, poucos dias depois, no Hospital....., em....., a fim de ser submetido a uma intervenção cirúrgica.

8 - Aproveitando-se da relação de confiança existente entre ambos e do facto de o ofendido, devido ao seu estado de saúde e à proximidade da prevista intervenção cirúrgica, se encontrar muito debilitado quer física quer psicologicamente, a arguida, alegando que seria mais seguro ser ela a guardar-lhe aquela importância em vez de a entregar aos seus irmãos, que certamente a gastariam em pouco tempo, convenceu o ofendido a entregar-lhe aquela quantia de 400.000$00 em dinheiro, que este retirou da mesa de cabeceira e lhe passou para a mão.

9 - Para reforçar a confiança do queixoso na restituição do dinheiro e nas suas boas intenções, a arguida solicitou-lhe o bilhete de identidade e o cartão da Segurança Social, dizendo-lhe que tais documentos serviriam para efectuar o depósito daquela quantia numa instituição bancária e assim a salvaguardar dos irmãos dele, depósito esse que jamais efectuou.

9 - Ao actuar pela forma descrita, usando aquele estratagema para deitar a mão ao dinheiro do ofendido, a arguida fê-lo com a intenção de se apropriar, como se apropriou, da mencionada quantia de 400.000$00 em dinheiro, desígnio que já formulara.

10 - A arguida apropriou-se dessa quantia em dinheiro, fazendo-a sua, integrando-a no seu património e dando-lhe destino que não foi possível apurar, bem sabendo que obtinha para si um benefício patrimonial indevido à custa do correspectivo empobrecimento do ofendido.

11 - Agiu a arguida deliberada e conscientemente, apropriando-se da quantia em dinheiro de 400.000$00 que sabia pertencer ao ofendido, contra a vontade deste, aproveitando-se do facto de ele ter concordado que ela lhe guardasse tal importância durante o período em que estivesse internado, comportamento que o induziu a praticar já com aquele seu propósito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12 - O ofendido vive em condições precárias, numa casa pequena, sem água canalizada nem electricidade, tendo como único rendimento a quantia de 10.000$00 mensais a título de pensão de sobrevivência, sendo sustentado por uma sua irmã, o que era do perfeito conhecimento da arguida.

13 - Ao ser despojado daquela quantia de 400.000$00 pela arguida, ficou o ofendido numa situação ainda mais precária, nomeadamente para custear as suas despesas com a saúde e alimentação, vendo-se reduzido à mencionada pensão de 10.000$00 por mês e ao apoio da irmã.

14 - Sabia a arguida que, à míngua dessa quantia, ficava o ofendido reduzido ao rendimento de 10.000$00 mensais e ao apoio familiar para poder manter-se e sobreviver, deixando-o em situação de, por si só, não poder prover às suas despesas, que incluíam as relativas aos internamentos hospitalares.

15 - Em data indeterminada, situada entre 27 de Setembro e 26 de Novembro de 1999, período em que o ofendido esteve internado no Hospital....., sendo contactada por Júlio....., irmão do ofendido, que a informou que este estava necessitado de dinheiro para fazer face a algumas...

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