Acórdão nº 0211947 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMARQUES SALGUEIRO
Data da Resolução22 de Setembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto No Proc. Comum Singular nº ../.. do -º Juízo Criminal da Comarca do....., o arguido B....., com os sinais dos autos, foi submetido a julgamento e condenado: a) como autor de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art° 137°, n° 1 e 2, do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e, b) como autor das contra-ordenações p. e p. pelos art° 24°, nº 1 e 3, e 25°, n° l, al. a), e 2, do C. Estrada, na coima de € 200, por cada uma, ou seja, na coima de € 400.

Dessa decisão, interpôs recurso o arguido, concluindo assim a sua motivação: 1. A lógica dos factos e circunstâncias em que ocorreu o crime é contrária ao que procedeu na sentença, existindo, por isso, um erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal) e também nos termos apontados quanto à matéria de facto com referência ao artº 412º, nº 3, al. a) e b).

  1. O arguido não se deslocava em excesso de velocidade, não praticou a contra-ordenação p. e p. no artº 24º do C. Estrada.

  2. O recorrente não teve uma conduta grosseiramente negligente, sendo que a douta sentença recorrida fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos e devia o recorrente ter sido julgado pelo crime de homicídio simples, p. e p. pelo nº 1 do artº 137º do C. Penal.

  3. Face à errada subsunção dos factos ao direito, a pena aplicada devia aproximar-se dos seus limites mínimos (artº 71º do C. Penal).

  4. Considerando o circunstancialismo dos factos e a pessoa do arguido e também aplicando o artº 4º do Dec.Lei nº 401/82, de 23/9 e o artº 50º do C. Penal, devia a execução desta curta pena de prisão ser suspensa.

  5. O artº 369º do C. P. Penal não foi obedecido, com claro prejuízo para o arguido, para a verdade e para a justiça.

  6. Faltou o exercício do contraditório em relação a questão que foi essencial ao juízo condenatório e sua medida e alcance, nomeadamente na determinação concreta da medida da pena.

  7. Por tal, tudo se processou com violação do estatuído nos artº 32º, nº 1 e 5, da C. R. Portuguesa e 321º, nº 3, 322º, nº 2, 327º e 355º do C. P. Penal, no afloramento dos princípios da contraditoriedade e imediação, dado que, em regra, toda a prova e outras questões a juízo devem ser produzidas e analisadas em audiência de julgamento.

  8. O que determinará a nulidade da sentença recorrida, nos termos dos artº 379º, al. b) e c), e 374º, nº 2, do C. P. Penal.

  9. Mais é nula a sentença recorrida, nos termos dos artº 374º, nº 2, e 379º do C. P. Penal, por a convicção condenatória não estar fundamentada, nem na parte fundamentada se fez um exame crítico das provas (não produzidas em julgamento) que fundamentaram a condenação.

  10. A condenação foi alicerçada para além da prova que se produziu em audiência, o que ofende o estatuído no artº 355º, também com referência ao artº 362º, al. d), do C. P. Penal ou sua falta.

  11. A douta sentença violou, por erro de interpretação, o disposto nos citados preceitos e diplomas legais, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue no sentido exposto, v. g., nulidade da sentença e da audiência de julgamento, tudo com o consequente reenvio do processo para novo julgamento (artº 410º, nº 2, al. b) e c), e 426º do CPP).

    Sem prescindir, 13. Atento o lapso de tempo entretanto decorrido, não podem os factos ser apreciados por contra-ordenações por extinção por prescrição, entretanto operada, nos termos dos artº 27º-B, nº 3, 28º e 32º do Dec.Lei nº 433/82 e 121º do C. Penal.

  12. Não devia ter havido um julgamento em concurso de contra-ordenações com um crime, de acordo com o estatuído no artº 20º do Dec.Lei nº 433/82.

    Respondeu o Mº Pº, contrariando a argumentação do recorrente e pugnando pelo não provimento do recurso, salvo quanto à suspensão da execução da pena, relativamente à qual entende que o recurso deve proceder.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto subscreve a resposta do Mº Pº na 1ª instância, parecer a que, notificado, o arguido respondeu, vincando a posição do Mº Pº quanto à suspensão da execução da pena e reafirmando, no mais, as posições expostas na motivação.

    Cumpridos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

    *Atentas as questões que se levantam no recurso e que as conclusões da motivação reflectem, vejamos, antes de mais, o que a sentença houve como provado e não provado e, bem assim, a fundamentação em que a convicção do Tribunal se justificou.

    Assim, foi ali havido como provado o seguinte: 1. No dia 22-2-2000, pelas 14H15, na Avª....., ....., o arguido conduzia o motociclo, com a matrícula LZ-..-.., no sentido Poente-Nascente e no troço compreendido entre a Rotunda..... e a Rua......

  13. Fazia-o, porém, em velocidade que não foi possível determinar, mas que era excessiva para as condições de trânsito intenso que ali circulava, de peões e veículos, pois que não lhe permitia em condições de segurança executar manobras cuja necessidade era de prever, nomeadamente para parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, atento o trânsito de peões e a aproximação de uma passagem assinalada na faixa de rodagem para a travessia de peões - passadeira - existente, mais ou menos, em frente ao n° ... daquela Avenida .

  14. 0 arguido, tendo estado parado nos semáforos da saída da Rotunda....., imprimiu uma tripla aceleração ao motociclo no espaço entre a esta e a referida passadeira, que dista daquela saída cerca de 100 metros, atingindo grande velocidade.

  15. Aconteceu que tinha iniciado a travessia desta passadeira, do lado esquerdo para o lado direito, considerando o sentido de marcha do arguido, o peão C....., o qual, face às acelerações que ouviu, provenientes do motociclo ainda distante, se imobilizou em plena passadeira e a um ou dois passos do separador central de vias de onde vinha, tendo aí sido colhido pelo motociclo conduzido pelo arguido que, transitando em velocidade excessiva e pelo lado esquerdo da faixa de rodagem e não tendo moderado especialmente a sua velocidade à aproximação daquela passagem assinalada na faixa de rodagem para a travessia de peões, contra ele foi chocar violentamente, em plena passadeira, projectando-o a cerca de l0 metros e assim lhe produzindo as graves lesões descritas no relatório de autópsia - designadamente lesões traumáticas crânio-encefálicas - e das quais resultou a morte, como consequência necessária e adequada.

  16. Apesar do choque, o motociclo foi imobilizar-se a mais de l8 metros do local da colisão.

  17. Ao conduzir da forma descrita, o arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.

  18. O arguido agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

  19. Como antecedentes criminais tem o arguido uma condenação, em pena de multa, aplicada por sentença de 5-2-2001, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 4-2-2001.

  20. O arguido tem como habilitações o 8° ano de escolaridade, vive com os pais e aufere o salário mensal de 350 euros.

    E, como não provado, consignou-se o seguinte: Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que, aquando do acidente, a visibilidade era escassa, concretamente por no passeio onde se deu o embate existir uma árvore capaz de tirar a visibilidade de qualquer transeunte ou condutor que por lá transite, agravada neste caso pelo menos apuramento dos sentidos da vítima, pessoa de muita idade.

    Enfim, em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto escreveu-se assim: "A matéria fáctica resultou da conjugação das declarações do arguido com as declarações da assistente e depoimentos das testemunhas, que se encontram documentados em acta, participação de fls 2 a 4, relatório de autópsia de fls 11 a 18, documentos de fls 176/177 e CRC.".

    *Isto posto, vejamos as questões que o recurso levanta.

    Na linha da acusação pública contra si deduzida, foi o recorrente condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, nos termos do artº 137º, nº 1 e 2, do C. Penal, essencialmente por se ter aproximado a grande velocidade de uma passagem assinalada na faixa de rodagem para a travessia de peões, aí tendo colhido a vítima que, após ter atravessado a meia faixa de rodagem contrária, saíra do separador central e iniciara a travessia da outra metade da faixa de rodagem por onde, encostado à esquerda, o motociclo do arguido circulava.

    Como questão nuclear, diz o arguido que a prova produzida não suporta a conclusão a de que se deslocava com excesso de velocidade e que a sua conduta tinha sido grosseiramente negligente, tendo o Tribunal...

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