Acórdão nº 0240196 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Janeiro de 2003 (caso NULL)

Data29 Janeiro 2003
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Por sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de O....., os arguidos Afonso ..... e Joaquim ....., foram condenados, como co-autores materiais, na forma consumada e continuada de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 24° n° 1 e 5 do RJIFNA, na redacção do Decreto Lei n.º 394/93 de 14 de Janeiro, na pena de prisão de um ano e oito meses.

De acordo com o disposto no art. 1º, n. 1, e sob a condição resolutiva estabelecida no art. 4° da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, foi perdoado um ano da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos.

Inconformados com a condenação os arguidos recorreram, rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: O arguido Joaquim: O artigo 24° do R.J.I.F.N.A. na redacção do D.L. 394/93 de 14 de Janeiro dispõe que quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido (...); Face à factualidade objectiva apurada em audiência de julgamento, não estão verificados os elementos do tipo de crime pelo qual o arguido foi acusado, de facto, este não se apropriou das prestações tributárias em questão, uma vez que não se apoderou nem integrou no seu património as importâncias que deveriam ter sido en-tregues nos cofres do estado; Conforme resulta da douta sentença recorrida, "não se provou que os arguidos se tenham apoderado e integrado no seu património as importâncias que deviam ter entregues nos cofres do Estado. (...)"; A sociedade de que o arguido era sócio gerente, desde finais de 1994 que entrou em ruptura financeira, o que ocorreu em parte devido aos atrasos nos pagamentos por parte dos clientes que encomendavam as empreitadas; Tratava-se de clientes que contratavam com a sociedade gran-des empreitadas, nomeadamente a Câmara Municipal de O......, que envolviam o dis-pêndio de grandes quantias em dinheiro, em mão de obra e com matérias primas, cujo reembolso ocorria, por vezes, um ano após a emissão das facturas; O arguido, na sua qualidade de sócio gerente, fez todos os esforços para que a sociedade em questão, não obstante as dificuldades, continuasse a laborar normal-mente, cumprindo todas as obrigações em matéria salarial para com os seus 75 tra-balhadores, e para com terceiros credores, nomeadamente sub-empreiteiros e forne-cedores; Os arguidos, com este esforço e com a opção de pagamentos adoptada, espera-vam conseguir realizar dinheiro para a sociedade e deste modo poderem pagar a to-dos os credores e obviamente ao próprio Estado, o que não seria viável se parassem com a laboração; O arguido nunca teve a intenção de não regularizar a situação fiscal da socieda-de, o que resulta da matéria de facto dada como provada em audiência de julgamen-to; O crime de abuso de confiança fiscal só se consuma com a apropriação da pres-tação tributária, o que só ocorre se o infractor inverter o titulo da posse e fizer sua a prestação tributária, incorporando-a no seu património, o que não se verificou no caso concreto e resulta da matéria de facto dada como não provada, assim, não es-tão preenchidos os elementos do tipo de crime em questão, nomeadamente a apro-priação; Este entendimento foi acolhido recentemente por este Venerando Tribunal, que decidiu, "resultando da matéria de facto provada que os arguidos não actuaram com a intenção de apropriação da prestação tributária (...) - visto que consta que o res-pectivo montante foi utilizado em diversas despesas correntes da sociedade por difi-culdades de tesouraria, o que significa que tal utilização foi efectuada na expectativa de o imposto ser pago logo que fossem resolvidas tais dificuldades (...) - falta um dos elementos típicos do crime de abuso fiscal.

O ora recorrente encontrava-se perante um conflito de deveres, ou seja, o dever de pagar ao Estado e o dever funcional de manter a sociedade a funcionar. Não pre-tendia a salvaguarda de interesses próprios, mas tão só a salvaguarda de interesses alheios, tendo optado por prioritariamente pagar aos trabalhadores.

Dispõe o artigo 36° do Código Penal que, « não é ilícito o facto de quem, no caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos (...) satisfaz o dever (...) de va-lor igual ou superior ao do dever (...) que sacrifica»; A opção do recorrente de pagar prioritariamente aos trabalhadores, sempre com a intenção de a final também poder vir a regularizar a situação fiscal da empresa, sempre constituiria uma causa de justificação, que exclui a ilicitude da sua opção, tratasse de uma circunstância que acresce ao facto, determinando a sua justificação, fundamentando a sua licitude; A determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes; Toda a aplicação de uma pena deve ter em vista a medida da culpa do agente, mas deverá também ser considerada a vertente ressocializadora e de reinserção social do agente, de modo que com a sua aplicação a situação social do agente não sofra mais do que o estritamente necessário; O arguido em audiência de julgamento fez revelações espontâneas contribuindo para a descoberta da verdade, sendo o seu comportamento revelador da sua coope-ração com a justiça, é primário, é bem considerado no seu meio social, está perfeita-mente integrado na sociedade e tem uma família para sustentar, a ponderação de todos estes aspectos não justifica a aplicação ao arguido de uma pena de prisão superior a um ano; A redução da medida da pena ao seu limite mínimo realiza de forma adequada as finalidades da punição, uma vez que a censura do facto praticado e a aplicação da pena de prisão de um ano é suficiente para afastar o arguido da prática de outros crimes desta natureza, considerando também que o mesmo nunca mais quis ser de-tentor de capital social em qualquer outra empresa; O acórdão [rectius a sentença] recorrido violou por errada interpretação o artigo 24° do R.J.I.F.N.A., na redacção do D.L 394/93 de 14 de Janeiro e violou o disposto no artigo 71° e 72° do Código Penal.

Deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência o arguido ser absolvido da prática do crime de abuso de confiança fiscal pelo qual foi condenado e por não estarem verificados os elementos do tipo deste crime. Se assim não se entender, deverá a pena aplicada ao arguido ser reduzida para o seu limite mínimo, ou seja, ser aplicada ao arguido a pena de um ano de prisão.

O arguido Afonso: No relatório da douta sentença alude-se apenas contra dois arguidos, no entanto, na fundamentação fala-se no "comum acordo de "todos os três" para, mais adiante se falar em os "arguidos (arguida) aderiram ao Plano Mateus".

Como os arguidos identificados e condenados são do sexo masculino, há uma obscuridade na douta sentença, que expressamente se invoca, se não mesmo, uma nulidade artigos 380º n° 1 alínea b) e 379°, n° 1 alínea c) do C.P.P.

Quando, entre os factos provados, se escreveu que: - "dele (aquele valor) se apropriaram, fazendo-o seu, usando-o para aquilo que Ihes aprouve " - e, mais adiante se disse: "dele se apoderaram ....em detrimento do património do Estado" para, se escrever: "Não se provou que os arguidos se tenham apoderado e integrado no seu património as importâncias que deveriam ter entregue nos cofres do Estado" (sic).

Decorre, segundo as regras da experiência comum que não se pode dizer que alguém se apropria e, depois, se dizer que não se provou que tenha integrado no seu património e que não se apropriou.

Estamos pois, num dos casos tipificados como vício no artigo 410, n° 2, b) do C.P.P., que determina nulidade que, por ocorrer na sentença, não se pode considerar sanada.

Se, nos nºs 10 e 7 da fundamentação de facto provada se diz que os arguidos se apropriaram e usaram, os valores em causa, para os fins que Ihes aprouve, e se vem a reconhecer, mais adiante, que essas afectações foram para "evitar paralisar a actividade" da sociedade - n.º14 -, "quer perante fornecedores, quer sobretudo, perante os trabalhadores" - n° 15., há manifesta e insanável contradição neste ponto: apropriação ou afectação para não paralisar a actividade, "estabelecendo prioridades nos pagamentos".

Estamos, mais uma vez, perante vício de fundamentação subsumível na alínea b) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P.

Nos termos da legislação em vigor, artigo 24° no1 do Decreto Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro com a redacção dada pelo Decreto Lei n° 394/93 de 24 de Novembro, o crime de abuso de confiança fiscal só se consuma com a apropriação, o mesmo acontecendo com o crime comum de abuso de confiança.

Ora, salvo melhor entendimento, a apropriação só ocorre quando o infractor fizer sua a prestação tributária retida, isto é, incorporando-a no seu património.

Da matéria dada como...

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