Acórdão nº 0312546 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Outubro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do PORTO I - RELATÓRIO Na Comarca de MACEDO DE CAVALEIROS, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, foi julgado o arguido: JOSÉ..., casado, pastor, nascido a 01/06/65 na freguesia de..., concelho de Macedo de Cavaleiros, filho de José Francisco... e de Maria..., residente em ... e, presentemente, em cumprimento de pena no E.P. de Bragança.

Por acórdão de 22/01/03 (fls. 409 a 423), decidiu-se: 1º)- Condenar o arguido pela autoria, em concurso real de infracções, de: a)- um crime de homicídio qualificado (artºs 131°, 132° 1 e 2 al. d), C.P), na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.

b)- um crime de detenção ilegal de arma (artº 6° do D.L. nº 22/97), na pena de 1 (um) ano de prisão.

c)- um crime de ameaça (artº 153°, nº 2 do CP), na pena de 1 (um) ano de prisão.

  1. )- Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, com as penas aplicadas nos processos nº 204/01 e 368/00, na pena única de 20 (vinte) anos de prisão e em 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de um Euro e cinquenta cêntimos, perfazendo 315,00 Euros.

    30)- Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido e em consequência condenar o arguido a pagar aos demandantes, a quantia de global de cento e noventa mil Euros.

    O Ministério Público interpôs recurso de direito, limitado à pena aplicada ao crime de homicídio qualificado, sustentando ter sido violado o art. 71 do CP, porquanto a culpa e as exigências de prevenção impõem a pena de 20 anos de prisão, devendo o arguido ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão e 210 dias de multa, à taxa de €1,50.

    Não se conformando com o acórdão condenatório, o arguido dele interpôs recurso, submetendo à apreciação da Relação as seguintes questões: 1º)- O acórdão recorrido enferma de ausência de fundamentação.

  2. )- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  3. )- Erro notório na apreciação da prova, como se constata pela audição dos depoimentos gravados da assistente das testemunhas.

  4. )- Não pode, em caso algum, haver lugar à qualificação do homicídio, nos termos do art. 132 nº 2 alínea d) do Código Penal.

  5. )- O acórdão recorrido violou os arts. 32 da CRP, 131, 132 e 153 do Código Penal.

  6. )- Caso assim se não entenda, a pena deve ser reduzida, tendo sido violados os arts. 40 e 71 do Código penal.

  7. )- Erro notório na apreciação da prova quanto à acção cível e inexistência entre o acto e os danos.

  8. )- A indemnização arbitrada é manifestamente exagerada.

  9. )- O acórdão recorrido violou os arts. 483, 494, 496, 562 a 566 do Código Civil.

    Respondeu apenas a assistente, preconizando a improcedência do recurso.

    Na Relação, o Ex.mo PGA emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

    Realizada a audiência, a instância mantém-se válida e regular.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - Delimitação do objecto dos recursos: Em bom rigor o recorrente não deu cabal cumprimento à regra do art. 412 nº 3 e 4 do CPP, como observou pertinentemente o Ex.mo PGA, mas sendo ainda perceptível o sentido útil da sua pretensão, tal não obstará ao conhecimento do recurso sobre a matéria de facto.

    No essencial, a impugnação dos factos por erro de julgamento relaciona-se com os crimes de homicídio e de ameaças alegando não se ter provado que tenha matado o João Xavier e ameaçado o Manuel Malta, bem como os factos atinentes ao pedido cível.

    Quanto ao recurso de direito, incide fundamentalmente sobre a qualificação ou não do crime de homicídio, a determinação da medida da pena, bem como à indemnização civil arbitrada.

    O Ministério Público questiona tão somente a pena aplicada ao crime de homicídio qualificado.

    2.2. - Os factos provados: 1)- No passado dia 29 de Dezembro, pelas 18 horas, na localidade de ..., concelho de Macedo de Cavaleiros, no Largo..., onde o João Xavier aguardava os animais a beber, este e o arguido encontraram-se.

    2)- Na sequência de uma breve discussão entre eles, relacionada com o esgoto de uma máquina de lavar que antes deitava para as manilhas da rua e na altura já para a fossa da casa do João, o arguido, pegando na pistola transformada, calibre 6,35mm Browning, marca Tanfoglio Giuseppe, de sua propriedade e que trazia consigo, apontou e visando-o disparou um tiro na direcção do João Xavier, atingindo-o e provocando-lhe ferida circular perfurante do hemitorax esquerdo a 2 cm do mamilo esquerdo na linha média, axilar esquerda, entre o 4° e 5° espaço intercostal, entrando, a bala, na aurícula esquerda e saindo pelo ventrículo esquerdo, perfura o lóbulo inferior do pulmão esquerdo, a base do pulmão direito e a 7ª costela e vem alojar-se entre a 3ª e 4ª costela dorsal, lesões cárdio-toráxicas, essas que foram causa directa, necessária e exclusiva da sua morte.

    3)- Após ter feito o disparo e deixando a vítima caída na rua, o arguido dirigiu-se ao "Café C...", sito na mesma localidade, onde anunciou ter morto o falecido, dizendo para os presentes as seguintes expressões "Já arrefeci o céu da boca a um..." "aquele já está...", e questionado sobre quem era aquele, respondeu: "O Joãozinho...", após o que se retirou, informando que "não era o único" e "tinha mais guardadas", o que foi entendido pelos presentes que podia matar mais alguém com as balas que ainda tinha.

    4)- Face ao acontecido, começaram a acorrer ao local várias pessoas, e entre elas, Manuel Malta, o qual na rua, à porta do tal café, tecia alguns comentários à morte que acabara de ocorrer, nomeadamente que o mal tinha sido da GNR por não lhe terem conseguido tirar a pistola, face ao que o arguido que se encontrava sem os presentes saberem, a cerca de 10 metros num beco, se lhe dirigiu, dizendo "está aqui a pistola, anda tirar- ma, ainda cá estão seis... a ti trago-te vontade... não vais para casa." 5)- Tais palavras provocaram no Manuel Malta e nos que ouviram tais palavras o justo receio de que o arguido o quisesse matar, alvejando-o com algum disparo que lhe tirasse a vida, ou lhe viesse a causar lesões físicas graves, pelo que, de imediato e a solicitação de um dos presentes, se refugiou no café, e no interior da casa-de-banho do mesmo, local de onde apenas saiu passado algum tempo, devidamente acompanhado de outra pessoa, quando o arguido já ali não se encontrava, o qual se veio a pôr em fuga.

    6)- A arma utilizada pelo arguido não estava registada nem manifestada.

    7)- O arguido agiu sempre voluntária, livre e conscientemente, disparou a arma na direcção da vítima João Xavier, com o propósito de lhe tirar a vida, objectivo este que foi de imediato alcançado, bem sabendo que não lhe eram permitidas tais condutas, e que não podia por lei ter na sua posse e utilizar a arma e, muito menos ainda, fazer uso da mesma nas condições descritas nos autos, e dirigiu ao Manuel Malta as expressões acima descritas que lhe causaram medo e inquietação de que algo idêntico lhe viesse a acontecer, disparando contra si.

    8)- O arguido e o falecido eram vizinhos e amigos e a única questão que se havia suscitado entre eles era a água da máquina que estava resolvida.

    9)- O arguido é de humilde condição social, era pastor, pastoreando rebanhos ao ganho, vivia com a esposa e um filho.

    10)- Foi condenado no Proc. 204/01 do Tribunal de Macedo de Cavaleiros em 5/6/02, pela prática em 8/7/01 de um crime de ameaças, p.p. pelo artº 153° 2 CP, na pessoa de Manuel Malta, na pena de 18 meses de prisão; e no Proc. 368/00 do mesmo Tribunal, em 21/11/01, pela prática em 9/12/00, de um crime de ofensas à integridade física p.p. pelo artº 143°1 CP na pena de sessenta dias de multa, um crime de ameaças p.p. pelo artº 153° 1 e 2 CP na pena de cento e vinte dias de multa e um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artº 275° 3 CP na pena de sessenta dias de multa, e em cumulo jurídico em 210 dias de multa à taxa diária de 300$00, perfazendo 63.000$00, que o arguido não pagou.

    11)- O arguido é pessoa dotada de personalidade agressiva e conflituosa, sendo conhecido por "Zé Inverno", e nesse dia já tinha ameaçado outra pessoa.

    12)- O falecido João Xavier, conhecido por "Joãozinho" dedicava à esposa e filhos, assistente e demandantes do pedido cível, um profundo amor e carinho, constituindo com eles um agregado familiar unido.

    13)- Tinha à data do seu falecimento 63 anos de idade, constituindo com a esposa o único sustento do agregado familiar, ajudados pelos filhos quando se encontravam de férias, quer no amanho das terras do casal quer no cuidado com o gado bovino que possuíam, daí retirando um rendimento mensal médio não inferior a 200.000$00 (1.000 Euros), com o que provia pelo sustento da família e custeava os estudos superiores de três filhos e secundários de dois filhos, sendo previsível que assim devesse continuar, face à idade dos filhos e não ter problemas de...

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