Acórdão nº 0340047 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Junho de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | AGOSTINHO FREITAS |
Data da Resolução | 04 de Junho de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No .... Juízo do Tribunal Judicial da comarca de P....., no processo n.º ..../..., foi submetido a julgamento, perante tribunal singular, o arguido Joaquim ....., acusado pelo Ministério Público da autoria material de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo art.º 152°, n.o 2, do Código Penal, e civilmente demandado pela ofendida Maria Fernanda ....., pela quantia de 4.987,97 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em razão da conduta do arguido.
*Realizado o julgamento, com documentação dos actos de audiência, por sentença de 06-10-2002, o tribunal veio a decidir, no que ao recurso interessa, o seguinte: - Julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenar o arguido Joaquim ..... pela prática de um crime de maus tratos a cônjuge, do art. 152º do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão, suspendendo a sua execução pelo período de dois anos.
- Julgar o pedido de indemnização civil procedente por provado e, em consequência, condenar o arguido a pagar à ofendida a quantia de 4.987,97 €.
[…]*Inconformado, o arguido interpôs recurso, extraindo da correspondente motivação a seguinte conclusão (transcrição):
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A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VALOROU FACTOS QUE NÃO PODIA FAZER, MAXIME, OS REFERIDOS NOS PONTOS, 3-4-5-8-9-11 E 12, JÁ QUE NÃO SÃO INTEGRADORES DO CONCEITO DE REITERAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DO TIPO LEGAL DE CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE.
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NÃO FORAM ALEGADOS FACTOS MATERIAIS SIMPLES E CONCRETOS DEVIDAMENTE ENQUADRADOS NAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR, QUE UMA VEZ PROVADOS, PUDESSEM INTEGRAR O CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE.
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OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS NA DOUTA SENTENÇA E CONSTANTES DA DOUTA ACUSAÇÃO PUBLICA, COM EXCEPÇÃO DO PONTO 6, NÃO PODIAM SER IMPUGNADOS ESPECIFICADAMENTE PELO ARGUIDO E DAÍ A SUA IRRELEVÂNCIA JURÍDICA.
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OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, DADO SEREM MERAMENTE CONCLUSIVOS E OU DESENQUADRADOS DAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR EM QUE TERÃO OCORRIDO, SÃO INSUSCEPTÍVEIS DE SEREM SUBSUMIDOS AO CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE.
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MESMO QUE ASSIM SE NÃO ENTENDA SEMPRE OS FACTOS OFENSIVOS REFERIDOS NA DOUTA SENTENÇA TERÃO DE HAVER-SE POR PERDOADOS PELO CÔNJUGE INOCENTE, JÁ QUE NÃO FORAM IMPEDITIVOS DA VIDA EM COMUM.
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O ÚNICO FACTO CONCRETO PROVADO FOI A AGRESSÃO VERIFICADA EM JULHO DE 2.000, SENDO QUE ESTA NÃO É OBJECTIVAMENTE GRAVE, NEM FOI PRATICADA SEM MOTIVO OU PRETEXTO, JÁ QUE HOUVE RAZÃO PARA TAL A QUAL ESTAVA RELACIONADA COM A PARTILHA EM VIDA DOS BENS DO CASAL, À QUAL O ARGUIDO SE OPÔS E DAÍ A REACÇÃO DA OFENDIDA.
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SÓ FACTOS CONCRETOS E DETERMINADOS E REITERADOS E OCORRIDOS A PARTIR DE JULHO DE 2.000, DATA DA SEPARAÇÃO DO CASAL, SERIAM PASSÍVEIS DE QUALIFICAÇÃO, UMA VEZ ALEGADOS E PROVADOS, DE INTEGRAR O CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE E NUNCA OS VERIFICADOS ANTERIORMENTE, MAXIME, HÁ MAIS DE DOIS ANOS, NEM SEQUER CONCRETAMENTE ALEGADOS E PROVADOS, COMO, IN CASU, SE PRETENDE.
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O ARGUIDO SÓ DEVERÁ SER ASSIM CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE OFENSAS CORPORAIS SIMPLES PREVISTO E PUNIDO PELO ARTIGO 143º DO C. PENAL, CRIME PARA O QUAL SE DEVERA CONVOLAR A CONDENAÇÃO.
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O PERDÃO ENTRE OS CÔNJUGES, MESMO IMPLÍCITO, TEM RELEVÂNCIA CIVIL E CRIMINAL.
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A LEI PENAL, MAXIME, PARA PREENCHIMENTO DO TIPO LEGAL DO ARTIGO 152, NÃO PODE DAR RELEVÂNCIA A FACTOS OFENSIVOS QUE PARA O LEGISLADOR CIVIL DEIXARAM DE O SER FACE AO PERDÃO PELO CÔNJUGE INOCENTE, O QUE IRIA CONTRA A LÓGICA DO SISTEMA NO SEU CONJUNTO.
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A MATÉRIA CONSTANTE DOS FACTOS PROVADOS COM EXCEPÇÃO DO PONTO 6, DADO SER MERAMENTE CONCLUSIVA E OU INSUSCEPTÍVEL DE PROVA, PORQUE NÃO ENQUADRADA NAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR, EM QUE SE VERIFICOU, O QUE IMPEDIU O ARGUIDO DE A IMPUGNAR ESPECIFICADAMENTE, NÃO PODE SER VALORADA COMO INTEGRADORA DO CONCEITO DE REITERAÇÃO PARA EFEITO DO PREENCHIMENTO DO TIPO LEGAL DE CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE.
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EM CONSEQUÊNCIA A CONDENAÇÃO NO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL NÃO PODE DEIXAR DE SER INADEQUADA, POR EXAGERADA, FACE AO ILÍCITO PRATICADO, MAXIME, CRIME DE OFENSAS CORPORAIS SIMPLES.
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MAL ANDOU POIS A MERIT.A SR.A DR.A JUIZ A QUO AO CONDENAR O ARGUIDO COMO AUTOR MATERIAL DE UM CRIME DE MAUS TRATOS A CÔNJUGE.
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VIOLOU A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, POR ERRO DE SUBSUNÇÃO O DISPOSTO NOS ARTIGOS, 410º N.OS 2 E 3 DO C. P. P.; 152.º DO C.PENAL; 1780 E 1786 DO C. CIVIL.
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VIDE NO SENTIDO DO EXPOSTO, POR TODOS O DOUTO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE ÉVORA DE 23 DE NOVEMBRO DE 1999, IN COLECTÂNEA DE JURISP. ANO 24-1999-TOMO 5-PAG. 284 E 285 E ACÓRDÃO DA REL. DO PORTO DE 3 DE NOVEMBRO DE 1999, IN COLECT. DE JURISP. ANO 24-1999-TOMO 5-PAG. 223 A 226.
TERMOS EM QUE REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA E SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE CONDENANDO O ARGUIDO COMO AUTOR MATERIAL DE UM CRIME DE OFENSAS CORPORAIS SIMPLES PREVISTO E PUNIDO PELO ARTIGO 143.º DO C.PENAL, BEM COMO CONDENANDO O DEMANDADO CÍVEL NO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO NÃO SUPERIOR A 250 EUROS, SERÁ FEITA JUSTIÇA*Admitido o recurso, a Ofendida/Demandante Maria Fernanda ..... apresentou resposta, rematando-a com a seguinte conclusão (transcrição): 1.ª O que importa para a decisão destes autos são factos provados em julgamento e a aplicação do Direito a esses factos, como fez bem, o Tribunal recorrido, pois perante aquilo que foi provado em Audiência de julgamento a decisão do Tribunal não podia ser outra.
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Os actos praticados pelo arguido contra a pessoa da sua esposa e ofendida são os de artigo 152.º do Código Penal, e não os do artigo 143.º do mesmo Código.
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Nunca houve perdão por parte da ofendida para existir perdão a ofendida tinha que ser livre para perdoar ou não, a ofendida viveu sempre num mundo de medo e terror criado pelo arguido que perdeu a qualidade de ser humano para ser um pau mandado do arguido, pois quem perde pelo medo toda a dignidade humana faz tudo o que quer o mandante.
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Há continuidade pois a violência praticada pelo arguido sobre a ofendida era permanente até ao último acto que provocou a separação de facto entre o arguido e a ofendida.
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Não há de exclusão da ilicitude, pois o tratamento psiquiátrico do Réu foi posterior aos factos, nem tão pouco causa de justificação, pois uma eventual questão de partilha não justifica violência conjugal.
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O valor atribuído a título de indemnização civil é perfeitamente justo e equilibrado e para mais o arguido e a ofendida tem duas casas de habitação.
Pedido Termos em que negando-se provimento ao recurso se fará inteira Justiça.
*O Ex.mo Magistrada do M.º P.º também apresentou resposta que rematou com a seguinte conclusão (transcrição): 1- Os factos imputados ao arguido e pelos quais veio a ser condenado, estavam claramente concretizados na acusação e situados no tempo; 2- O arguido Joaquim ....., durante os vários anos que manteve a comunidade conjugal com a ofendida Maria Fernanda ....., de forma reiterada, tratou-a de forma cruel, ofendendo física e psiquicamente; 3- Tal revela que o arguido de forma voluntária adoptou um comportamento de total desrespeito da dignidade pessoal do seu cônjuge; 4- Esta conduta é claramente violadora do tipo legal de crime previsto no art.º 152.º do Código Penal, por que foi condenado o arguido; 5- A M.ma Juiz "a quo" efectuou um correcto enquadramento jurídico dos factos dados como provados e a medida concretamente aplicada foi ajustada ao comportamento do arguido; 6- Não houve, pois, violação de qualquer normativo legal; 7- Deve, assim, ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida.
*Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto aderindo à posição sustentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu o seu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
*Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não houve resposta.
***Colhidos os vistos legais e realizada a audiência de julgamento, cumpre decidir.
A fundamentação fáctica da sentença recorrida é a que se transcreve.
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Factos provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa: 1. O arguido casou-se com a ofendida Maria Fernanda ..... no dia 9 de Julho de 1961, na freguesia de ....., nesta comarca.
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A casa de morada de família estava situada, após breves temporadas em outros locais, em lugar de ....., freguesia de ....., nesta comarca.
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Desde o início da vida em comum que o relacionamento entre arguido e ofendida se revelou conflituoso, gerando-se entre ambos discussões frequentes.
Na sequência dessas discussões e frequentemente, o arguido agredia corporalmente a ofendida, com as mãos, assim como utilizando cabos de vassoura, que vibrava no corpo da depoente, louça, que projectava na direcção desta à vista dos filhos menores do casal, e até objectos cortantes, como uma foice, com a qual chegou a cortar a ofendida num dedo, pelo menos numa ocasião.
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Agindo assim, o arguido causava grande humilhação na ofendida, para além das dores e lesões decorrentes de tais agressões.
Destas agressões resultaram ferimentos para a ofendida Maria Fernanda, a qual os curava por si própria, sem recurso...
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