Acórdão nº 0345248 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4ª Secção Criminal da Relação do Porto: No termo do inquérito instaurado na Delegação da Procuradoria da República junto do TJ de São João da Madeira, o MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu acusação contra ... LUÍSA ....... e MANUEL ............, imputando a ambos a co-autoria de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada p. e p. pelos arts. 26º e 30º, nº 2, do Código Penal e pelo art. 27º-B do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA) aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, infracção pela qual também seria responsável criminalmente, nos termos do art. 7º, nº 1, do cit. RJIFNA, a pessoa colectiva "... - UNIÃO ........, LDA".

Tendo sido requerida, por ambos os Arguídos, a abertura da instrução, o Exmº. Sr. Juiz de Instrução, depois de inquiridas todas as testemunhas arroladas pelos Arguidos, proferiu despacho de não pronúncia relativamente aos Arguidos LUÍSA ... e MANUEL ..., apenas tendo pronunciado, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelos arts. 26º e 30º-2 do Cód. Penal e pelo art. 27º-B do cit. RJIFNA aprovado pelo DL. nº 20-A/90, de 15 de Janeiro (na redacção introduzida pelo DL. nº 394/93, de 24 de Novembro, ex vi do DL. nº 140/95, de 14 de Junho), a sociedade "... - UNIÃO ......., LDA." (cfr. o despacho de fls. 225-236).

É desse despacho de não pronúncia dos Arguidos LUÍSA .... e MANUEL .... que tanto o MINISTÉRIO PÚBLICO como o Assistente INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL ora recorrem para esta Relação, formulando, no termo das respectivas motivações, as seguintes conclusões:

  1. O MINISTÉRIO PÚBLICO: "1 - Face aos elementos de prova colhidos no inquérito, (fundamentalmente, a prova documental), e os colhidos em sede de instrução (depoimentos de testemunhas), é nosso entendimento que dos autos resultam elementos de prova bastantes que permitem concluir pela forte probabilidade de, em julgamento, os arguidos ... Luísa e Manuel ....... sofrerem condenações pelos crimes que lhes são imputados na acusação.

    2 - Tendo em consideração o período de tempo a que se reportam os factos em apreciação, compreendido entre Julho de 1996 e Agosto de 1998, os indícios colhidos no decurso do inquérito e da instrução são os bastantes para submeter todos os arguidos acusados a julgamento, na medida em que os sócios ... Luísa e Manuel ....... eram gerentes de direito e de facto da sociedade arguida.

    A arguida ..... Luísa trabalhava na empresa no período em questão, quatro a sete horas por dia; assinou cheques para pagamento de salários aos trabalhadores, emitidos à ordem destes, e outros, para pagamentos a fornecedores, em branco; tomou conhecimento de que houve uma situação em que os salários não foram pagos em tempo; em 1997 a arguida sabia que havia atrasos nos pagamentos aos trabalhadores, falando com o marido sobre isto.

    O arguido Manuel ........ deixou de ir à empresa, mas ainda assinou alguns documentos em 1996, e em 2000 assinou o requerimento para o processo de recuperação de empresa da U.........

    Algumas das testemunhas inquiridas referem que o arguido Manuel ..... terá assumido a gerência da « M....... » e não a da « U......... », mas não sabem especificar desde quando tal sucedeu.

    Entendemos, assim, que não resulta claro que o arguido Manuel ....., no período em questão, estivesse totalmente afastado dos destinos da «U...... » e não tivesse conhecimento de que a empresa havia deixado de fazer os pagamentos devidos à Segurança Social.

    É que, pese embora muitos dos documentos constantes dos autos, referentes a folhas de vencimento, não se encontrarem assinados por ele, o certo é que, na sua maioria, não se encontram assinados por nenhum dos sócios, e como não seria imprescindível que o fossem, não estando o mesmo diariamente na empresa, é mais uma razão para concluir que apenas não estão assinados por ele por tal assinatura não ser fácil de obter.

    3 - Resulta do disposto no art. 7.º, n.º 1, do R.J.I.F.N.A., e actualmente, do art. 7.º, n. 1 do R.G.I.T., o seguinte : « As pessoas colectivas e equiparadas (as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas e outras entidades fiscalmente comparadas), são responsáveis pelos crimes previstos no presente Regime Jurídico (previstas na presente Lei), quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo ». - ( o parêntesis é referente ao R.G.I.T. ) - .

    Ou seja, se a decisão instrutória assume que o responsável pela gerência é o sócio relativamente ao qual não se pode já exigir responsabilidade criminal, também não poderá tal responsabilidade ser exigida, por si só , à pessoa colectiva.

    A sociedade arguida é criminalmente responsável, apenas nos mesmos termos em que o forem os seus órgãos ou representantes, ou seja, o respectivo agente individual.

    4 - Ao decidir pela não pronúncia dos arguidos ..... Luísa e Manuel ..... e pela pronúncia da sociedade arguida, a decisão instrutória violou o disposto nos arts. 308º, n.º 1 e n.º 2, 283.º, n.º 2 do C.P.P. e o art. 7.º, n.º 1 do R.G.I.F.N.

    A." B) O Assistente INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL: "1. A arguida Luisa passou a assinar a documentação, nomeadamente cheques e livranças, uma vez que eram necessárias duas assinaturas para vincular a sociedade aqui também arguida, para que a mesma não deixasse de laborar.

    2. De facto, e a ser assim, resulta evidente, de acordo com as regras de experiência comum, que uma empresa não funciona apenas financeiramente com cheques e livranças, que existe todo um arsenal de documentos necessários ao funcionamento empresarial e à continuidade e desenvolvimento do circuito económico-financeiro de uma empresa em actividade que, no caso concreto, obrigatoriamente, teriam de ser assinados por duas pessoas a fim de que a empresa pudesse, legalmente, laborar.

    3. Deveria o próprio Tribunal, oficiosamente ordenar a produção de mais meios de prova adicional desse factualismo ? 4. Talvez. Porém, 5. verifica-se que, segundo o Técnico de Contas Alcino: 6. a arguida foi "chamada para as funções de gerência", 7. que assinava "para que a empresa funcionasse e por essa razão ela assinava sabendo o que estava a assinar (sublinhado nosso)( ... )." 8. Que " Em 97, também havia atrasos nos pagamentos aos trabalhadores, atrasos de dias." 9. Que a arguida sabia disto", 10. Que a arguida ( ... ) tentou sempre resolver a parte salarial falando com o seu marido sobre isto.

    11.

    A arguida vinha ao seu escritório para se inteirar dessa situação, de quando é que os salários seriam pagos (sublinhado nosso).

    12. Depoimento este, contraditório com o depoimento da arguida Luísa quando, a mesma, afirma que: 13.- "somente (sublinhado nosso) ter tido conhecimento da situação da empresa após a morte do seu marido, em Outubro de 99 ( ... )" 14. Assim sendo, entende o recorrente que esta factualidade é suficientemente relevante para que se decidisse de forma diferente da que se decidiu e que os indícios recolhidos, sendo assim mais que suficientes, impunham uma decisão diversa da recorrida, isto é, 15. devia ter-se considerado a arguida .... Luísa como tendo exercido de facto a gerência da empresa arguida, uma vez que participava activamente no desenvolvimento da actividade da empresa, não só pelos documentos que assinava para vincular legalmente a arguida empresa mas também pelo própria participação e conhecimento nos destinos da empresa uma vez que, 16. ao assinar aquela documentação, como assinava, 17.

    "sabendo o que estava a assinar" 18. a mesma proporcionava, obviamente, à sociedade arguida a continuidade necessária ao seu legal desenvolvimento económico-financeiro.

    19. Não devendo colher a sua escusa dos destinos dessa mesma sociedade.

    20. Mas mais.

    21. Se " Em 97, também haviam atrasos nos pagamentos aos trabalhadores, atrasos de dias" e, 22. a "A arguida sabia disto" e " tentou sempre resolver a parte salarial falando com o seu marido sobre isto." 23.

    E que ia ao escritório da testemunha Alcino para se inteirar dessa situação, de quando é que os salários seriam pagos (sublinhados nossos), 24. não parece ser da experiência comum que alguém reaja e actue desta forma e, consequentemente nada tenha a ver, de facto, com a condução das relações laborais, comerciais e financeiras da empresa que legalmente vincula.

    25. Também por estes factos se impõe uma decisão diferente da recorrida, isto é, bastam estes factos, com o devido respeito e salvo melhor opinião, para que, na douta decisão instrutória, se concluísse pelos indícios de gerência de facto e se pronunciasse a arguida nos termos legais.

    Nestes termos e no que mais doutamente será suprido por V. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão Instrutória recorrida na parte em que não pronunciou a arguida .... Luisa ........., porquanto se violaram os arts. 308.º, 283º/1. e 307º/1 do C.P.P., promovendo-se pela sua pronúncia porquanto, haverem indicios suficientes, recolhidos até ao encerramento da Instrução, para que a mesma fosse pronunciada nos termos legais, assim se fazendo JUSTIÇA!" Os Arguidos MANUEL ..... e .... LUISA ...... responderam ambos às motivações de recurso apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pelo Assistente, pugnando pela improcedência dos recursos por estes interpostos e formulando, a rematar as respectivas contra-motivações, as seguintes conclusões:

  2. O Arguido MANUEL .....: "a) Dos elementos de prova recolhidos durante o inquérito e a instrução resulta suficientemente provado que o recorrido, Manuel ..........., não praticou o crime de que vem acusado, mostrando-se, assim, de todo improvável que, submetido a julgamento, venha a ser condenado.

    1. Com efeito, quer pelos abundantes e consistentes depoimentos testemunhais, quer pela ausência de outros meios de prova que indiciem o contrário, conclui-se que o recorrido, embora gerente de direito, deixou de praticar actos inerentes a tal cargo desde...

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