Acórdão nº 0345473 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Fevereiro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: A Arguida A .......... foi submetida a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, no TJ da Comarca de Bragança, tendo sido, a final, condenada, como autora material de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelo Artº. 371º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (um cento) dias de multa, à taxa diária de 10 (dez) euros, o que perfaz um total de 1.000 euros (mil).

Inconformada com o assim decidido, recorreu para esta Relação, formulando, a rematar a pertinente motivação, as seguintes conclusões: "I - A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento aponta para conclusões inversas das que o Tribunal Recorrido tirou.

2 - Dessa prova não resulta que a recorrente teve contacto com o processo, nem tal se podia provar, através de "forma não apurada".

3 - Assim, não resulta que a recorrente conseguiu a informação de forma fraudulenta ou ilícita.

4 - Igualmente não se pode dar como verdadeiro, que a recorrente sabia o que realmente se entende por segredo de justiça e quando começa ou acaba.

5 - As declarações de B.........., por todas as razões óbvias, não devem merecer credibilidade; ao contrário do que diz a sentença, que a sustenta precisamente no facto de já ter sido muito "badalado" pela imprensa.

6 - A recorrente não referiu apenas que a sua fonte foi o próprio B.........., como se diz na sentença, mas também outras que disse não poder revelar.

7 - A arguida, aqui recorrente, confessou os factos, excepto alguma/algumas fontes de informação.

8 - A recorrente, porque jornalista, não é obrigada a revelar as suas fontes e não pode ser prejudicada por isso.

9 - O documento de fls. 64 não foi unicamente apresentado no M. P. como diz a sentença, mas também no escritório do advogado.

10 - A informação, antes de ser publicada, era já do conhecimento de algumas pessoas além da arguida.

11 - A recorrente não cometeu o crime pelo qual foi condenada, se violação houve do segredo de justiça, não foi a recorrente que o cometeu.

12 - Deveria ter sido absolvida do crime que lhe era imputado, conforme jurisprudência que aponta nesse sentido.

No entendimento da recorrente, foram violadas as disposições dos artigos 86º n.º 4 e 135º n.º 1 do C. P. Penal; os artigos 71º, 72º e 371º n.º 1 do Código Penal e ainda o princípio "In Dubio Pro Reo"; o artigo 38º n.º 2 alínea b) da C. R. Portuguesa, legislação diversa que rege os jornalistas, além de outras que o Venerando Tribunal entenda suprir.

NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Bragança e, em consequência, absolver-se a recorrente, ou quando assim se não entenda, reduzir a pena aplicada, porque exagerada." O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu, ainda na 1ª instância, à motivação do recurso interposto pela Arguida, pugnando pela improcedência do mesmo.

Já nesta instância, o MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso da Arguida, acompanhando a posição já assumida na 1ª instância por este sujeito processual.

Colhidos os vistos e depois de efectuada a audiência prevista no art. 421º do C.P.P., cumpre decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) A arguida é directora do quinzenário denominado "XXX" que se publica nesta cidade e comarca.

2) Na edição de 24/09/01, na 1ª página de tal periódico, a arguida publicou uma fotografia de B.........., à data, arguido nos autos de inquérito nº 723/01, a correr termos neste Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, e escreveu o seguinte texto: "B.......... entregou um documento falso no Ministério Público de Bragança. O documento em causa, um certificado de licenciatura em Ciências Musicais, passado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com média final de 15 valores, não é verdadeiro, segundo a Faculdade em causa ".

3) Já no interior do periódico, desenvolvendo o tema da 1ª página, a arguida escreveu ainda que " o certificado com data de Julho deste ano, é assinado por Conceição..., responsável na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas ... o documento agora entregue apresenta as disciplinas discriminadas e dá como data de conclusão do curso o dia 27 de Julho de 1987.

B.......... ... apresentou também um volume de cerca de 500 páginas comprovativas de que terá elaborado uma tese ou projecto de tese de doutoramento ... A documentação agora entregue surge na sequência da investigação que está a ser levada a cabo pelo Ministério Público de Bragança...".

4) Para elaborar a notícia supra referenciada, cuja factualidade é verdadeira, a arguida teve, de forma não apurada, acesso aos autos de inquérito supra referenciados e, nomeadamente, aos documentos entregues pelo aludido B.........., por intermédio do seu mandatário constituído, nos serviços do Ministério Público deste Tribunal, os quais integravam os mesmos autos de inquérito, documentos que constituem os documentos de fls. 63 a 80 destes autos.

5) À data, os supra aludidos autos de inquérito encontravam-se abrangidos pelo segredo de justiça, dado que ainda não fora deduzida acusação pelo Ministério Público, ainda não se tendo tornado o público o processo de inquérito em causa, o que a arguida, reputada jornalista, conhecida pelo seu rigor jornalístico, bem sabia, bem sabendo igualmente que, por isso, não tinha legitimidade para publicar a factualidade supra referenciada, versada na notícia publicada.

6) Contudo, actuando de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punível por lei, porque ilícita, agiu da forma supra descrita.

7) A arguida não solicitou qualquer autorização judicial para ter acesso aos autos de inquérito supra referenciados ou a parte dos mesmos, nem solicitou qualquer certidão ou cópia dos mesmos.

8) A arguida tem os antecedentes criminais que constam de fls. 31 dos autos (condenação em pena de multa por crime de abuso de liberdade de imprensa).

9) A arguida é professora do ensino superior (QPB) e jornalista com carteira profissional desde 1996.

10) Aufere, mensalmente, a quantia líquida de 1.700 euros no exercício das suas funções de docência.

11) É solteira, mora em casa própria e utiliza viatura da empresa.

12) É sócia-gerente da sociedade "YYY, Lda.", nada auferindo a título de remuneração pela gerência, com uma quota de 22,5%.

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS: O Tribunal a quo considerou não provado: a) que, conforme alegado pela defesa em Audiência, a factualidade constante da notícia publicada, isto é, que o arguido B.......... entregara no M.P. documento falso e tese ou projecto de tese de doutoramento (doc. de fls. 63 a 80) fosse do conhecimento público, na cidade de Bragança, nomeadamente de elementos do Partido Socialista ou do Instituto Politécnico de Bragança.

  1. que tal factualidade tivesse sido divulgada na cidade de Bragança pelo próprio arguido ou seu mandatário judicial.

  2. que, conforme alegado pela arguida, o B.......... a tivesse informado directamente da entrega dos documentos em questão ou do seu teor.

    A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO: O Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção do seguinte modo: "O Tribunal fundou a sua convicção, per si e em conjugação, no teor dos documentos juntos aos autos, mormente, na edição do "XXX" de fls. 7, no teor das certidões de fls. 62-80, 96 a 145, 146-151, nas declarações de B.........., que nos mereceram credibilidade, abaixo melhor referenciadas, nas declarações do Dr. Guedes... e João..., que muito embora tenham referido que o assunto - a falsificação de documentos e a falta de licenciatura do B.......... - já eram do conhecimento público, se referiam, atenta a forma como depuseram e o que disseram, aos primeiros documentos apresentados pelo B.......... no IPB, relativos ao doutoramento (fls. 101 e 101v - carimbo aposto pela Universidade de Aveiro que atesta que o titular do grau académico a que se refere o presente documento tem os direitos inerentes ao grau de doutor pelas universidades portuguesas) e não ao de fls. 64, que foi unicamente apresentado no M.P.; nas declarações da arguida que admitiu ter escrito a notícia aqui em apreço, negou saber estar a factualidade que a mesma versava em segredo de justiça, o que não nos mereceu credibilidade, sendo certo que se trata de reputada jornalista local e o próprio teor da notícia dá conta de que os autos se encontravam em investigação pelo MP., referiu que a sua fonte foi o próprio B.........., o que igualmente não nos mereceu credibilidade, considerando que tal foi negado pelo próprio B.........., que já não se encontrava na sala quando a arguida prestou declarações, o que fez só a final da Audiência, não nos tendo merecido igual credibilidade as suas declarações quanto às suas fontes, que alegadamente viram os documentos e retiveram na memória diversos pormenores dos mesmos, como seja quem assinou o doc. de fls. 64, qual a média final de curso, qual a data aposta no mesmo, quantas páginas tinha a tese de doutoramento, pormenores que só se coadunam com o acesso da arguida aos próprios documentos que, por eliminação e atendendo às regras da vida e normas da experiência comum, dado que não o foi por intermédio do arguido, ou de alguém a quem este os tenha mostrado ou pelo seu mandatário (que substabeleceu logo que soube da falsidade dos documentos por si apresentados), só pode ter sido através dos autos de inquérito, ainda que de forma/fonte não apurada.

    Quanto aos antecedentes criminais e situação pessoal da arguida, teve--se em conta o teor de fls. 31 e as suas declarações.

    Quanto aos factos dados como não provados, alegados quer pela arguida, quer resultando da sua defesa implicitamente, o Tribunal atendeu às declarações do B.........., que negou ter divulgado na cidade de Bragança ir entregar documentos no M.P. e tê-los mostrado a alguém, tendo ainda negado ter falado com a arguida...

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