Acórdão nº 0417080 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2005
Magistrado Responsável | ÉLIA SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No Círculo Judicial de....., em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo (proc. n.º../99 do -º Juízo Criminal), foram julgados os arguidos B..... e C....., devidamente identificados nos autos, tendo sido proferida acórdão onde se decidiu: "(…) Julgar parcialmente procedente a acusação do M.P. e parcialmente procedente o Pedido de Indemnização Cível deduzido pelo Banco E...., SA e improcedente o formulado pela sociedade "D....., Lda." e, em consequência, - Absolver o arguido B....., pela prática, como co-autor material, de treze (13) crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. a) e treze (13) crimes de burla, dois na forma tentada e os restantes consumados, p. e p. pelos do art. 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a), 22.º, 23.º e 74.º, todos do Código Penal (1995); - Condenar a arguida C..... pela prática, como autora material e em concurso real, de um (1) crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. a) e 3, numa pena de dezoito (18) meses de prisão, de dois crimes de burla, consumados, p. e p. pelos do art. 217º, n.º 1, 218º, n.º 2, al. a), numa pena de dois (2) anos de prisão relativamente àquele em que é lesado o Banco E...., SA, três (3) anos e seis (6) meses de prisão, em relação àquele em que foi visado o então Banco F...., de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelos do art. 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2, al. a), 22.º, 23.º e 74.º, sendo todas as disposições agora citadas do Código Penal (1995), na um (1) ano de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão.
- Mais se absolve a arguida C..... e a sociedade dos restantes ilícitos de que vem acusada e sem prejuízo da anterior condenação.
- Condena-se solidariamente a arguida C..... e a sociedade "G...., Lda." a pagar ao "Banco E...., SA" a quantia de € 26.426,92, acrescidos de juros à taxa legal desde 1999/Set./09 e até integral pagamento, primeiro à taxa de 7 % ao ano e após 2003/Mai./01 pela taxa de 4 %.
Mais se absolve o arguido B..... deste pedido.
Custas nesta parte na proporção de 4/9 para o Banco E...., SA e de 5/9 para a arguida C..... e a referida sociedade "G...., Lda.".
Absolver os arguidos do Pedido de Indemnização Cível formulado pela sociedade "D....., Lda." Custas deste pedido por esta demandante.
Condenar a arguida nas custas deste processo, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC, bem como nos respectivos encargos, os quais compreendem: 1/4 de procuradoria, bem como em 1 % da taxa de justiça a favor do F.A.V. - Dec. Lei n.º 423/91, de 30/Out.; Dec. Reg. n.º 4/93, de 22/Fev.
Notifique e após trânsito remeta boletins, passando ainda mandados de detenção para a arguida C..... com vista ao cumprimento desta pena de prisão." Inconformados com tal decisão, dela recorreram o ofendido "Banco E...., SA" e arguida, formulando, respectivamente, as seguintes conclusões (transcrição): Banco E...., SA 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença na parte em que a mesma condena a arguida no pagamento ao recorrente da quantia de €26.426,72, acrescida dos respectivos juros à taxa legal desde 9/9/1999, e assim a absolve de parte do pedido de indemnização cível formulado por este no valor de € 41.463,94, acrescida dos respectivos juros à taxa legal.
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Tendo o Recorrente procedido ao desconto e creditado na conta da sociedade "G...., LDA", entre outras, as letras no montante de Esc. 5.733.000$00 em 1999/Jul./20 e de Esc. 2.579.573$00 em 1999/Jul./28, por contratos de desconto, passou aquele a ser o legítimo portador dos títulos em causa.
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Na verdade, "o desconto bancário é a operação pela qual alguém, mediante certa retribuição (desde logo deduzida), adiante a outra pessoa a importância correspondente ao montante de um crédito desta (a receber mais tarde de terceiros) e fica investido na qualidade de titular desse crédito para reembolsar pela cobrança do mesmo, embora o descontário fique obrigado a reembolsá-lo caso o dito crédito não seja pago no vencimento" - cfr. Ac. Rel. do Porto de 19/10/1978 in Col. de Jurisp., 1978, pág. 1258.
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Como consta da matéria dada como provada o Recorrente descontou todos os títulos referidos em 15°) da matéria de facto assente, tendo logrado debitar em 1999/Set./08 na conta de depósitos à ordem da sociedade " G...., Lda." o valor da letra de Esc. 3.422.250$00 e logrado estornar em 1999/Set./09 o valor da letra de Esc. 6.996.600$00.
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Porém, não logrou o Recorrente recuperar o montante adiantado àquela sociedade por força do desconto das outras duas letras, ou seja, a de Esc. 5.733.000$00 e a de Esc. 2.579.573$00, no montante global de Esc. 8.312.573$00.
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Os títulos em causa estão juntos aos autos e deles é o Recorrente legítimo portador.
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A falta de pagamento dos títulos no respectivo vencimento não é espelhada na conta de depósitos à ordem, isto é, não é feito o débito dos títulos na conta de depósitos à ordem porquanto se o fosse perderia o Recorrente os seus direitos cambiários relativos aos mesmos com referência aos montantes titulados sendo estes devidos por força do respectivo descoberto gerado e não por ser legítimo portador, como é, dos títulos em causa.
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Sendo legítimo portador dos títulos juntos aos autos, em especial dos títulos que tinham vencimento em 15 de Novembro de 1999 (de Esc. 5.733.000$00) e em 30 de Novembro de 1999 (de Esc. 2.579.573$00) é, em consequência, o Recorrente credor do montante global neles titulado de Esc. 8.312.573$00 e dos respectivos juros, sendo este o montante do seu efectivo e real prejuízo a ser considerado em sede de indemnização cível em consequência da actuação criminosa da Arguida C......
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Ao decidir como decidiu violou o M.º Juiz o disposto no art. 483° ex vi art. 129° do Código Penal.
Arguida -
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A arguida de uma vez só procedeu ao preenchimento de treze letras de câmbio que assinou e apresentou a desconto no Banco F...., Banco H.... e Banco E...., SA, pelo que não poderá ser elemento decisivo para a qualificação da conduta da arguida como integrado a prática em concurso real de três crimes de burla, dois na forma consumada e um na forma tentada, a circunstância de ter tido de se deslocar a três agências bancárias e de induzir em erro os três funcionários que a atenderam em cada uma dessas instituições de crédito.
- B) Não obstante a existência de contacto com três funcionários distintos, existe uma homogeneidade de acção, pelo que o preenchimento e falsificação da assinatura em cada das letras de câmbio configura a prática de um crime continuado de burla na definição do art. 30º do CP, por ter subjacente a existência de um único desígnio e momento exógeno de predisposição do agente para a prática do crime.
- C) A corroborar esta posição temos a existência da unidade resolutiva a que se faz alusão na decisão recorrida e a existência de uma conexão temporal que na decisão recorrida se deu por provada, o que, em conformidade com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar, apontando nesse sentido, que o agente executou toda a actividade sem renovar o seu processo de motivação: a actividade da arguida foi feita num espaço muito curto de tempo - o preenchimento das treze letras de câmbio efectivou-se num único dia - o que tudo aponta no sentido da unidade de resolução criminosa.
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Nessa medida, deverá considerar-se que a arguida cometeu um só crime de burla, sob forma continuada, e não três crimes de burla em concurso real, dois de forma consumada e um na forma tentada.
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Na decisão recorrida considerou-se existir concurso real dos crimes de burla e de falsificação seguindo-se a doutrina fixada no Assento n.º 8/2000 de 2000/01/20, publicado no Diário da República, I Série - A de 2000/05/23, mas como tem sido entendido com larga tradição no nosso direito penal, porque o uso do artifício ou meio fraudulento exigido pela figura da burla compreende a prática da falsificação, que é em si própria o recurso a um meio fraudulento, deverá considerar-se que o crime de burla consome o crime de falsificação, quando aquela seja cometida através desta, corno sucede "in casu", face à matéria de facto dada por provada.
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Pelo que deverá considerar-se o crime de falsificação pelo qual a arguida foi condenada consumido pela condenação...
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