Acórdão nº 0430906 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução18 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No Tribunal Judicial da Comarca de .............., B............ e C............., residentes na rua .........., nº.., .........., ..........., vieram propor acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra ICOR - Instituto para a construção rodoviária, com sede na .......... - .............

Alegam que são donos de determinado prédio e que o Réu está a implantar uma via rodoviária apelidada de Variante de ............

Sucede que esta última via está a ser efectuada junto ao prédio do Autor e a execução da mesma, por via de escavações, explosões e remoção de terras e pedras, casou danos àquele imóvel.

Pedem a procedência da acção e, em consequência, serem reconhecidos como donos e legítimos proprietários do imóvel objecto da presente acção judicial; ser o Réu condenado a pagar todos os montantes invocados na petição inicial a título de danos patrimoniais que ascendem à quantia de € 16.500,00; ser o réu condenado no pagamento dos correspondentes juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, e, ainda, nas custas judiciais e procuradoria condigna.

Citado, veio o Réu arguir a incompetência material do presente tribunal para o dissídio desta acção.

Requereu ainda o réu a intervenção principal provocada do consórcio D.........../E............, o que foi deferido.

Respondendo, pugnou o Autor pela competência material do presente tribunal.

D............. deduziu incidente de intervenção acessória provocada das companhias de seguros X.............. e Z............., o que, também, foi deferido.

Por despacho de fls. 223 e segs., o Mmº Juiz, conhecendo da invocada excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria (excepção dilatória de conhecimento oficioso), julgou-a procedente, e, consequentemente absolveu "o Réu ICOR - Instituto para a construção rodoviária; e as Chamadas D..............; E............; Comp. de Seguros X............ e Z........... da presente instância." Inconformado com o assim decidido, vieram os autores interpor recurso de agravo, onde apresentaram as competentes alegações, concluindo pela revogação da decisão recorrida, de forma a decidir-se pela competência, para o conhecimento do mérito da causa, do Tribunal Judicial de .............. e não do Tribunal Administrativo.

O Réu (Instituto das estradas de Portugal) contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir, sendo que a instância mantém a sua validade.

II . FUNDAMENTAÇÃO II. 1. OS FACTOS: A factualidade a ter em conta é, essencialmente, a supra referida, alegada pelos autores/agravantes.

Assim, segundo alegaram, a construção de uma estrada pelo ICOR, com utilização de máquinas de grande porte, remoção e movimentação de terras e utilização de dinamite, provocou danos na sua casa , fissuras nas paredes, danos nos tectos, portas, janelas, gradeamentos, materiais cerâmicos, estuques, gessos, pinturas, deslocação de assentamentos e alicerces, etc.

Mais alegaram terem sido orçado tais danos, em 11.000,00 €, que peticionam, bem assim peticionando os decorrentes da desvalorização da casa (5.500,00 €), tudo acrescido de juros moratórios.

  1. 2. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada pelo restringe-se à procedência da excepção invocada pelo réu ICOR - presentemente IEP (DL nº 227/2002, de 30.10) - de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial de ..............., para conhecer do pedido formulado contra si, por se entender ser competente, para o efeito, então, o Tribunal Administrativo de Círculo, porquanto a acção tem como objectivo a efectivação da sua (ICOR) responsabilidade civil extracontratual, por danos havidos no imóvel dos autores em virtude da execução de uma via rodoviária apelidada de Variante de ............... que o réu (excepcionante) estava a implantar junto ao referido imóvel.

    Cumpre, assim, aferir da competência para conhecer o pedido formulado pelos autores/agravantes, os quais sustentam ser o Tribunal de ............ o competente para tal, ao invés do que entende o réu/agravado que sustenta incumbir tal competência ao Tribunal Administrativo.

    Quid juris? III. O DIREITO: Segundo o art. 209º da CRP que "1.- Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de Tribunais: a)- O STJ e os Tribunais Judiciais da 1ª e 2ª instância: b)- O STA e os Tribunais Administrativos e Fiscais" O art. 212º, nº3 daquela Lei Fundamental diz que «compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».

    Na base da repartição da competência está o princípio da especialização. reservando para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito (A. Varela, Manual Proc. Civil, pág. 194, 195 e 207).

    "Ex vi" da lei ordinária do art. 51º-1 h), ETAF (Dec. Lei nº 129/84. de 27.4, alterado pelo Dec. Lei nº 228/96, de 29.11) «compete aos Tribunais Administrativos de Círculo, conhecer das acções sobre a responsabilidade civil extracontratual dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso».

    Por sua vez, o seu art. 4º, nº1, al. f), definindo os limites desta jurisdição, diz que estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal, os recursos e as acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.

    O conhecimento destas questões é que cabe aos Tribunais Judiciais, porque "ex vi" art. 211, nº1, da CRP; 18º, nº1, LOFTJ; e 66º, CPC , são os Tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

    Para efeitos de mera comparação - embora inaplicável ao presente caso -, citar-se-á, para confronto o disposto no art. 4º-1- a) e g) do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.2 e alterado pela Lei nº 107-D/ 2003, de 31.12.

    Segundo o disposto no artº 4º, nº1, al. f), do mesmo ETAF, estão for da jurisdição administrativa os recursos e acções que tenham por objecto questões de direito privado, mesmo que qualquer das partes seja pessoa de direito público. Tais acções caem, assim, na competência residual dos tribunais judiciais, pois que, segundo os artsº 18º da Lei nº 3/99, de 13.01 e 66º do CPC, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outras ordem jurisdicional.

    Do até aqui explanado, logo ressalta que importa, essencialmente, averiguar se a responsabilidade que os autores assacam ao agravado (ICOR) está no âmbito da gestão pública (art. 51º, ETAF aplicável) ou privada (seu art. 4º).

    Esta é, de facto, a questão central, pois entendendo-se que está em causa nesta demanda uma conduta ou omissão do ICOR por acto de gestão pública, é o Tribunal Administrativo respectivo o competente para conhecer do mérito da causa; não o estando, a competência pertencerá ao Tribunal judicial (Comum), in casu o Tribunal Judicial de ..............

    Efectivamente, segundo o artº 6º do DL nº 237/99, de 25.06 - que, com os estatutos anexos, regem a vida do ICOR-Instituto para a Construção Rodoviária, como Instituto Público que, para o exercício das suas atribuições está equiparado ao Estado (artº 5º) -, são da competência dos tribunais administrativos as acções tendentes a efectivar a responsabilidade do ICOR ou dos seus órgãos, emergentes de actos de gestão pública, sendo certo que tal - segundo o disposto no nº 2 deste artigo - não prejudica o conhecimento pelos tribunais comuns das questões que sejam da sua competência em razão da matéria, designadamente os litígios decorrentes das relações regidas pelo direito privado, nas quais sejam parte o ICOR e mais Institutos sucessores da extinta JAE.

    Como é sabido, a competência material depende do thema decidendum concatenado com a causa de pedir (Bol. M.J. 459-449 e Ac. STJ in BMJ 364-596).

    O mesmo é dizer que tal competência - tal como ocorre com qualquer outro pressuposto processual - afere-se em face da natureza da relação jurídica material em litígio, tal como a apresenta o autor na demanda.

    Importa, portanto, ver se a conduta do réu/ICOR que integra a causa de pedir tal como a configuram os autores nesta acção se integra, ou não, no conceito de acto de gestão pública (cit. artº 51º do citado ETAF).

    Vejamos, pois.

    Muito se tem escrito, na doutrina e jurisprudência, sobre a distinção entre acto de gestão pública e acto de gestão privada, podendo-se aqui citar inúmeros arestos onde se procura fazer tal distinção - o que se tornaria monótono, sendo, porém, desnecessário.

    Cremos, porém, que se gerou uma base de consenso na nossa doutrina e jurisprudência, quanto à citada distinção, podendo afirmar-se que as ideias básicas consensuais a tal respeito são estas: - Actos de gestão pública são os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção; - Actos de gestão privada são os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração em que esta aparece despida do poder público (o ius imperii), e, portanto, numa posição de paridade com o particular ou os particulares a que os actos respeitam, e, daí, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder...

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