Acórdão nº 0433021 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Setembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOÃO VAZ
Data da Resolução30 de Setembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório: No 3º Juízo Cível da Comarca de Santa Maria da Feira, B.......... intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C.........., pedindo que seja declarada nula a aquisição feita pela R, através de escritura pública por si outorgada, nos termos do disposto no art. 490º do C.S.C., de 415.551 acções que a A. detinha no capital social da sociedade "D.........." ou, subsidiariamente, que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 7.882$00, como contrapartida da aquisição de cada uma das referidas acções.

Para tanto, alegou, em suma, que o R.O.C. que elaborou o relatório a que alude o art. 490º no 2 do C.S.C. não era independente da requerida (como prevê este artigo), por se tratar do Fiscal Único desta à data da elaboração do relatório, bem como o Fiscal Único de quase todas as holdings que detinham as participações da sociedade "D.........." e que no referido relatório não foi calculada a real e justa contrapartida de aquisição, que teria que atingir o valor de 7.882$00, o que torna nula a aquisição em causa, por falta de preenchimento de requisitos essenciais previstos no art. 490 do C.S.C., nos termos do disposto no art. 295º do Cód. Civil.

Alega, ainda, que o art. 490º do C.S.C. é materialmente inconstitucional, dado que ofende o disposto nos arts. 13º nºs 1 e 2, 61º nº1 e 62º nº1 da C.R.P..

Defende, também, que a aquisição em causa foi precedida de uma fraude à lei (já que a R. era detida, antes do mesma, por uma sociedade gestora de participações sociais e adquiriu acções desta, por interposta pessoa) e que violou o disposto no art. 397º do C.S.C., o que também acarreta a nulidade do acto.

Por fim, invoca ter existido abuso de direito por parte da R., dado que a aquisição potestativa não foi efectuada por esta com a intenção de evitar conflitos no interior da sociedade (até porque os sócios livres sempre cooperaram e concordaram com o modelo empresarial imprimido pelo "Grupo Y.........."), mas antes retirar aos sócios livres o gozo dos efeitos patrimoniais decorrentes da detenção das acções, que potenciavam, designadamente, a concessão de financiamentos e o recebimento dos lucros relativos ao exercício de 2000 (que se anunciavam como excelentes), assim diminuindo a força competitiva do "Grupo X.........." e praticando concorrência desleal.

A R. contestou, nos termos constantes de fls. 281 a 440, impugnando parte da alegação da A. e invocando, em síntese, as razões pelas quais defende que o R.O.C. que elaborou o relatório a que alude o art. 490º no 2 do C.S.C. era independente relativamente a si e apresentou valores para as acções que estão de acordo com a realidade do mercado e os parâmetros a ter em conta.

Invocou, ainda, que o relatório do R.O.C., ao ter sido emitido ao abrigo do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, constitui um documento autêntico emitido em função de interesse público, pelo que apenas poderia ser impugnando através da dedução do respectivo incidente de falsidade, o que não foi feito.

Pugnou, ainda, pela ininteligibilidade da arguição da inconstitucionalidade do art. 490º do C.S.C. e defendeu a conformidade e compatibilidade da norma do nº 3 do art. 490º do C.S.C. com os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade de iniciativa económica individual e da propriedade privada.

Por fim, alegou a não verificação de qualquer dos elementos de caracterização do instituto da fraude à lei, a não violação do art. 397º do C.S.C. e a inexistência de abuso de direito.

A A. replicou (fls. 705 a 741), defendendo que o relatório do R.C.C. não constitui um documento autêntico, que o R.O.C. nomeado pela R. era comum às accionistas da adquirente e alegou os motivos pelos quais entende que a avaliação e os critérios utilizados não foram os correctos.

A fls. 1103 e 1104 procedeu-se a audiência preliminar, onde foram discutidas as questões de direito suscitadas nos presentes autos.

No âmbito deste ponto da audiência preliminar, pela A. foi suscitada a questão da falta de observância de um outro requisito essencial para a validade da aquisição em causa nestes autos - a inexistência de consignação em depósito judicial -, tendo requerido a junção aos autos de um parecer nesse sentido.

Dada a palavra à R., pela mesma foi requerido prazo para se pronunciar sobre o ora requerido, tendo-se posteriormente pronunciado por escrito sobre o teor de tal parecer, nos termos constantes do requerimento de fls. 1105 a 1117.

A fls. 1118 a 1125, a R. requereu, igualmente, a junção de dois pareceres no sentido da não obrigatoriedade da consignação em depósito a que alude o art. 490º do C.S.C. ser judicial, os quais se encontram juntos a fls. 1126 a 1225.

De seguida, proferiu-se despacho saneador, no qual se decidiu conhecer de mérito, julgando a acção totalmente procedente e, em consequência: a)declarou-se a inconstitucionalidade material do nº3 do artº 490º do Código das Sociedades Comerciais; b)declarou-se nula a aquisição feita pela Ré das 415.551 acções que a Autora detinha no capital social da sociedade "D..........", através da escritura outorgada pela Ré no Primeiro Cartório Notarial de....., em 22 de Dezembro de 2000, ao abrigo do disposto no artº 490º do C.S.C.

A declaração de nulidade vertida sob a alínea b), aplicada por força do artº 294º do C.Civil, teve por fundamento o entendimento de que o artº 490º nº4 do C.S.C. consagra uma inequívoca proibição de que a escritura se faça sem a consignação (judicial) em depósito.

Inconformada, a Ré interpôs recurso, em cujas alegações conclui pela forma seguinte: 1. A norma constante do artigo 490º nº 3, do CSC não é inconstitucional 2. Desde logo, a mesma não se pode considerar violadora do direito fundamental consagrado no artigo 62º nº1, da Constituição.

  1. Com efeito, conforme decidido pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 491/2002, de 26 de Novembro) , está aqui em causa a "propriedade corporativa", a qual é "necessariamente mediatizada pela organização própria da corporação social ou pela interposição do ente social".

  2. Tal significa que a intervenção do legislador é, a este nível, constitutiva das situações jurídicas dos particulares, não podendo os sócios minoritários prevalecer-se da titularidade de um direito fundamental constitucionalmente (pré-) definido.

  3. Mesmo que assim não se entendesse, isto é, mesmo que se considerasse que os direitos dos sócios minoritários - porque de carácter patrimonial - encontram a sua definição a nível constitucional e não ao nível da concreta regulação legislativa das instituições jurídico-societárias.

  4. Ainda assim, não se poderia considerar a norma em crise como violadora do artigo 62º nº 1, da Constituição.

  5. Com efeito, o mesmo direito fundamental está sujeito ao crivo da ponderação com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

  6. E não podemos deixar de ter presentes "as normas da Constituição económica incentivadoras da inovação, da competitividade, da diversificação, da defesa dos interesses nacionais na economia aberta e mundializada do nosso tempo", as quais impõem o favorecimento de grupos de sociedades.

  7. Assim sendo, a restrição em causa sempre se teria de considerar radicada em outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

  8. Por outro lado, a restrição em causa sempre se teria de ter como respeitadora do princípio da proporcionalidade - mesmo à luz de um crivo de concordância prática - tendo em consideração os dispositivos de garantia dos sócios minoritários que constam dos artigos 490º 3 e 4.

  9. O que se diz no que respeita ao direito de propriedade vale no que diz respeito ao direito de livre iniciativa económica consagrado no artigo 61º nº 1, da Constituição.

  10. Na verdade, também este direito fundamental tem de ser perspectivado num quadro constitucional que, "em mais de um preceito (artº 86º nº. 1, 1ª parte, e arts. 81º, alíneas c), d), e) e f), 99º alínea d) e 100º, alínea a)), aponta para a competitividade, a diversificação e a defesa dos interesses nacionais na economia aberta e mundializada do nosso tempo".

  11. Se, tanto no que diz respeito ao direito de propriedade privada, como no que diz respeito ao direito de livre iniciativa económica, sempre teria sido respeitado o princípio da proporcionalidade pela restrição em causa, mesmo considerando um parâmetro de concordância prática; 14. No que diz respeito ao princípio da igualdade, objecto de consagração no artigo 13º da Constituição, a conclusão é necessariamente idêntica; 15. Na verdade, não pode afirmar-se que a operação permitida pelo artigo 490º nº 3, se traduza "pura e simplesmente na eliminação do sócio minoritário apenas porque é minoritário pelo maioritário apenas porque o é" ; 16. A haver uma discriminação - o que é duvidoso tendo em conta a situação de equilíbrio entre sócios maioritário e minoritários - essa não radicaria exclusivamente na real desigualdade de participações.

  12. O que está em causa é um meio legislativo destinado a criar condições objectivas optimizadoras do funcionamento de sociedades de capitais, com vista à prossecução de valores solidamente assentes na Constituição económica.

  13. Atento o exposto, ao decidir nos termos em que o fez, violou o Tribunal a quo o disposto nos Artigos 13º nºs 1 e 2, 61º nº1 e 62º nº2 da Constituição (disposições alegadamente ofendidas pelo nº3 do Artigo 490º do CSC) e, ao fazê-lo, violou necessariamente o nº3 do Artigo...

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