Acórdão nº 0443829 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 14 de Dezembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: Na ..ª Vara Criminal do Porto foi decidido: Condenar o arguido B........., como autor de um crime de abuso de confiança fiscal, relativamente a IVA, p. e p., à data dos factos pelo art.º 24º n.º 5 do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 394/93 de 24 de Novembro (RJIFNA), actualmente p. e p. pelo artº105º n.º 5 da Lei 15/2001 de 5/6, na pena de dezasseis meses de prisão, que, nos termos dos artºs 50º do C/P, 11º nºs 6 e 7 do RJIFNA e 14º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5/6, foi suspensa na sua execução por quatro anos, com a condição de, no mesmo prazo de quatro anos, pagar as quantias devidas a título de IVA referidas nos itens 56 e 61 da factualidade provada, no montante de € 73.314,00 (setenta e três mil, trezentos e catorze Euros) e acréscimos legais.
Absolver o mesmo arguido de tudo o mais que lhe vinha imputado.
Condenar a C......... LDA", como autora de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artºs 7º, 11º nºs 2 e 3, 24º n.º 5 do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 394/93 de 24 de Novembro (RJIFNA) e 2º n.º 4 do C/P, na multa de 270 (duzentos e setenta) dias à razão diária de 50 Euros, o que perfaz a multa de € 13.500,00 (treze mil e quinhentos Euros).
Absolve-la de tudo o mais que lhe era imputado.
Inconformados os arguidos interpuseram o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: 1. Os recorrentes não se conformam com o acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" que condenou o arguido B......... na pena de dezasseis meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal (qualificado), p. e p. no art.º 105º, no e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho - Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e a sociedade Mia Cosaro na pena de multa de 270 dias à razão diária de 50,00 e, num total de 13.500,00 €.
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recorrente apesar de todas as dificuldades, no interesse dos trabalhadores e do próprio Estado, evitou paralisar a empresa e foi pagando, através de capitais próprios (injectando nas sociedades do grupo mais de 500.000 contos) os salários aos trabalhadores e outras despesas básicas - Cfr. factos provados sob os nos 42, 43 e 45.
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recorrente teve como propósito único salvar a empresa para satisfazer os interesses de trabalhadores e credores, agindo para evitar um mal maior, em estado de necessidade desculpante e em situação de conflito de deveres.
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art.º 17º do CP dispõe que "Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável".
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recorrente ao longo de todo o processo investigatório nunca ocultou documentos, nunca dificultou o acesso à contabilidade da empresa, nunca tentou obter dos técnicos da Administração qualquer vantagem ilegal - Cfr. facto assente sob o n.º 69.
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arguido sempre ordenou a remessa das declarações periódicas do IVA, nunca ocultando à Administração Fiscal a situação da empresa - Cfr. facto assente sob o n.º 69.
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Face ao colapso económico do Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) e que resulta óbvio dos factos provados, o recorrente evitou a falência das empresas que o constituem, tudo apesar dos 2.000.000 contos prometidos pelo próprio Estado.
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recorrente sempre pugnou, pelo pagamento pontual dos salários aos trabalhadores, à custa do seu próprio rendimento e património, evitando o descalabro de centenas de trabalhadores (e famílias) no desemprego e o pagamento, por parte do Estado, de centenas de milhares de contos em subsídios de desemprego e prestações sociais complementares.
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Os custos do projecto de internacionalização ascendiam a cerca de quatro milhões de contos e considerado um vector importante para a afirmação europeia de Portugal, o Estado, a nível do executivo governamental, comprometeu-se em financiar o ACE em 50% do valor a investir.
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Com a alteração postulada pelas eleições legislativas de 1996, os responsáveis políticos e a própria orientação política do Estado alteraram-se, com suspensão de todas as promessas de incentivos efectuadas ao Recorrente.
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Estado, dos 2.000.000 contos prometidos, apenas fez chegar ao ACE, através do ICEP, a quantia de Esc.200.000$00 a título de subsídio para a participação numa feira internacional - cfr. factos provados n.º 46.
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Perante o incumprimento estadual a internacionalização ficou inviabilizada, pelo que, no final do ano de 1996 e de forma a não arriscar a posição do ACE no mercado nacional e a manutenção de centenas de postos de trabalho, o recorrente optou pelo fim do projecto - cfr. factos provados n.º 47.
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recorrente nos últimos 3 anos pagou ao Estado mais de 900.000,00 € (180.000 contos) de impostos e contribuições em dívida, estando a negociar com o mesmo Estado que originou o seu descalabro económico, um Plano Extrajudicial de Conciliação (DL 315/98, de 20/10), de forma a pagar todos os débitos do ACE - Cfr. docs. juntos aos autos com o requerimento apresentado pelo recorrente em 28/02/2003 - cfr. factos provados n.º 68.
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princípio do n.º 1 do art.º 17º do código Penal, que resulta da matéria de facto dada como provada, funciona nos autos como causa de exclusão da sua culpabilidade.
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Não ficou provado que o recorrente ao actuar como actuou, tivesse consciência que a sua conduta era ilícita.
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Em face das circunstâncias de facto, o erro sobre a ilicitude imputado ao arguido não lhe podia ser censurado, visto que o mesmo agiu verdadeiramente em todo o processo com o cuidado de uma pessoa portadora de uma recta consciência ético-jurídica.
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arguido agiu sem culpa por não ter consciência da ilicitude do facto, não podendo ser-lhe censurado qualquer erro, porquanto o mesmo não agiu com a intenção de cometer qualquer ilícito, mas sim com o propósito de salvar a empresa, salvaguardar os interesses dos seus trabalhadores e até os interesses do Estado, ao qual pagou quanto (até pessoalmente) e quando pôde.
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Ao decidir de modo contrário, ocorreu manifesto erro na apreciação da prova e no enquadramento jurídico de factos apurados, violando (por omissão de aplicação) o art.º 17º do CP.
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Colectivo da ....ª Vara Criminal do Porto determinou, erradamente, a norma aplicável aos factos "sub judicio".
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Os recorrentes poderiam ter sido sancionados pelo crime de abuso de confiança fiscal (simples), nos termos dos nºs 1, 4 e 7 do art.º 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
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n.º 7 do art.º 105º do RGIT dispõe que a qualificação só opera quando os valores que devam constar de cada declaração periódica, considerada individualmente, superar os referenciados 50.000 €.
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Nos autos, compulsados todos os períodos (separadamente), em que era devido imposto sobre o valor acrescentado, verifica-se que em nenhum, os tributos alegadamente em falta superam tal limite.
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Ao recorrente apenas poderia ter sido imputada a prática de um crime de...
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