Acórdão nº 0542341 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - Relatório: I - 1.) Inconformado com o despacho de não pronúncia do arguido B.........., na sequência da instrução por este pedida no Proc. n.º .../00....... do Tribunal Judicial da .........., no qual se mostrava acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 2, do Cód. Penal, recorre o assistente C.........., para esta Relação, apresentando para sustentar as razões de agravo que entende assistirem-lhe, as conclusões que abaixo se transcrevem: 1.ª - Contrariamente ao entendimento da Exm.ª Senhora Juiz "a quo", entende o Recorrente que existem indícios suficientes nos autos que permitem concluir que a criança nasceu com vida, como o próprio Arguido reconhece no seu requerimento de abertura da instrução, não se admitindo a hipótese da impossibilidade objectiva do cometimento do crime, por inexistir o objecto do tipo legal em questão; 2.ª - O relatório da autópsia é peremptório ao afirmar que os exames realizados demonstram a existência de respiração extra-uterina; 3.ª - A criança não foi entregue à médica pediatra imediatamente após o parto, mas sim "pouco depois"; 4.ª - A médica pediatra em nenhum ponto do seu depoimento afirma que a criança lhe foi entregue para reanimação no estado de cadáver; 5.ª - Os Senhores Peritos, sobre este ponto, apenas admitem a mera hipótese do ar nos pulmões da criança falecida se dever às manobras de reanimação, contudo, não baseiam tais suposições em exames clínicos, contrariamente ao laudo da autópsia que vai diametralmente em sentido contrário; 6.ª - A Sr.ª Juiz "a quo" violou o valor probatório a atribuir a cada um dos meios de prova, para além de errar na sua apreciação; 7.ª - Dos factos que se podem apurar na prova produzida, é manifesto que a assistência prestada à mãe da criança falecida, pelo Arguido, na primeira deslocação ao hospital, não foi a melhor, face aos circunstancialismos e à história clínica apresentada pela parturiente, acabando a criança por morrer em consequência da má prática clínica do Arguido; COM EFEITO, 8.ª - Por volta das 05h30m, conforme registo de entrada na secretaria da urgência, a parturiente deslocou-se ao hospital; 9.ª - Só depois do registo, da espera e da deslocação até ao 1° andar foi atendida pela enfermeira-parteira, a quem se queixou de fortes dores pélvicas, insistindo que a criança se encontrava na posição sentada, e que, segundo a sua médica assistente, se a criança se mantivesse naquela posição, teria de recorrer a uma cesariana, tendo mostrado o boletim de grávida onde constava toda a informação e ainda que a parturiente tinha tido uma anterior cesariana, "Toque colo amolecido quando permeável à polpa. Apresentação pélvica. Aconselho repouso e controlo (ou) semanal." 10.ª - Enfermeira-parteira que, face aos factos relatados, colocou a parturiente a fazer exame cardiotocográfico, o qual demorou, pelo menos, 10 minutos; 11.ª - Só no final desse exame, apareceu o Arguido que aquela havia mandado chamar; 12.ª - O Arguido realizou exame vaginal e verificou o resultado do exame cardiotográfico, os quais, no entender daquele, indiciavam que a parturiente ainda não tinha entrado em trabalho de parto, tendo escrito no Boletim "Toque colo amolecido quando permeável à polpa."; 13.ª - Pelo que, deu alta à parturiente, com a recomendação para que esta comparecesse na consulta com a sua médica assistente, na segunda-feira seguinte; PORÉM, 14.ª - É falso que pudesse ter realizado tal exame às 05h30m, pois, atentos todos os factos apurados, o mesmo só pode ter examinado a parturiente às 06h30m; 15.ª - Assim, depois de receber a alta, vestir-se, percorrer os corredores, entrar para o carro e chegar a casa, a parturiente nunca chegou a casa antes das 07h00m; 16.ª - E foi quando tinha acabado de chegar a casa, que lhe rebentaram as águas, pelo que de imediato regressou ao hospital; 17.ª - Onde foi registada a sua entrada às 07h30m, já pelo Assistente, por a mesma ter entrado directamente nos serviços de urgência, com o feto à vulva, PELO QUE, 18.ª - Não havia dúvidas que às 05h30m a mãe da criança estava em trabalho de parto, em consequência das fortes dores pélvicas que a levaram ao hospital, ainda que os restantes exames não fossem conclusivos, e que tendo a criança uma apresentação pélvica, impunha-se, neste contexto, uma cesariana de imediato, como declaram os Senhores Peritos, independentemente da relativa prematuridade da criança, ... que era apenas de uma semana e meia...; 19.ª - Para justificar o injustificável, o Arguido, numa atitude inqualificável, atribui a culpa pela morte da criança, ao facto de a mãe não ter ido imediatamente ao hospital quando se deu a ruptura da bolsa de águas, indício seguro de que a mãe da criança tinha entrado em trabalho de parto e que justificava o seu internamento ... e a intervenção clínica às 06h30m quando a examinou; 20.ª - Sendo impossível e falsa a afirmação do Arguido de que a ruptura da bolsa de águas se deu duas horas antes das 07h30m; DE RESTO, 21.ª - A fazer fé nas declarações do Arguido, que alega que a ruptura da bolsa de águas ocorreu por volta das 06h00m, 06h30m, a mãe da criança ainda se encontrava no hospital ou nem sequer tinha sido examinada por ele, sendo tão grave que, numa situação dessas, a mãe da criança falecida não devia ter saído do hospital; 22.ª - A afirmação do Arguido sobre a parturiente não ter colaborado na expulsão do feto é, não só desmentida pelas declarações da mãe da criança falecida, como pelo depoimento da enfermeira D.........., que refere que a parturiente durante o parto puxou de forma normal, não se tendo o parto prolongado por muito tempo, e pelos Senhores Peritos nas respostas dadas ao quesito n.º 4, que, partindo do facto falso de que a parturiente não colaborou na expulsão do feto, concluem nos seguintes termos: "Esta recusa pode levar a um prolongamento do período explosivo. No entanto, trata-se de uma situação que geralmente não se mantém durante muito tempo, já que as contracções uterinas, por si só promovem a expulsão do feto." 23.ª - Forçoso é concluir que só a má consciência do Arguido o pode levar a atribuir culpa à parturiente; 24.ª - Não sendo admissível a hipótese avançada do parto precipitado, para justificar o malogrado desfecho, uma vez que o parto dos autos demorou, seguramente, no mínimo duas horas, já que, eram muitas as dores sentidas pela parturiente às 05h30m quando deu entrada no hospital; 25.ª - As dores pélvicas são outro forte indício do início do trabalho de parto, independentemente do resultado dos exames vaginais e cardiotográficos, como unanimemente afirmam os peritos e o Arguido bem sabia e devia saber, até por ter sido ele quem o fez o primeiro parto à parturiente; NÃO OBSTANTE, 26.ª - O Arguido não se inteirou devidamente da intensidade e natureza das dores apresentadas pela parturiente, como lhe competia enquanto médico, tendo concluído e avaliado erradamente que as mesmas se deviam à formação da parte inferior do útero, JÁ QUE, 27.ª - Se tivesse agido com o zelo e diligência impostos pela boa prática médica, certamente que teria apurado a verdadeira natureza e intensidade das dores apresentadas pela parturiente, e, conjugado este factor com a apresentação pélvica da criança, a sua relativa prematuridade, o estado do colo do útero, a existência de uma anterior cesariana, E, 28.ª - Certamente teria diagnosticado uma gravidez de elevado risco com parto prematuro e realizado, de imediato, uma cesariana na parturiente, como se conclui no relatório da autópsia médico-legal e no parecer da Senhora Perita E.........., ou pelo menos colocá-la em observação directa no hospital, nem que fosse por uma hora; 29.ª - Também só uma má consciência do Arguido justifica a sua conduta, com o facto de "o bebé, apesar de ter uma apresentação pélvica, poder mudar para apresentação cefálica, o que acontece em cerca de 97 por cento dos casos"; 30.ª - Mas, se efectivamente se tratou de um parto precipitado, o que caberia unicamente ao Arguido diagnosticar, parece não haver quaisquer dúvidas que, atentos os riscos inerentes a tais partos, a apresentação da criança, a sua relativa prematuridade e os antecedentes clínicos da parturiente, se impunha, sem margem a quaisquer considerações, uma cesariana de imediato para retirar a criança em segurança, a qual não foi feita, unicamente porque o Arguido não fez um diagnóstico correcto da situação clínica da parturiente, em virtude da omissão dos mais elementares deveres de cuidado, zelo e diligência; ALIÁS, 31.ª - Se o resultado dos exames clínicos a que o arguido sujeitou a parturiente eram incompatíveis com as dores de que esta se queixava, a atitude mais prudente certamente que não seria mandar a grávida para casa mas, tal como defende a Senhora Perita E.........., manter a parturiente em observações até uma maior definição da sua situação clínica; TAMBÉM, 32.ª - Aqui é forçoso concluir que o Arguido omitiu os mais elementares deveres objectivos de cuidado, uma vez que não agiu com todo o zelo e diligência que a situação concreta exigia, nomeadamente, não deu a devida relevância às dores de que a parturiente se queixava, e ignorou os antecedentes clínicos da parturiente que já tinha tido uma anterior cesariana, as recomendações da médica assistente, que, conjugadas com a apresentação da criança e a iminência do início de trabalho de parto, indiciavam uma gravidez de risco e aconselhavam uma cesariana de imediato, o que culminou na morte perfeitamente...

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