Acórdão nº 0544695 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2005 (caso NULL)
Data | 30 Novembro 2005 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - Relatório: I - 1.) No Círculo da Comarca de Matosinhos, em processo comum com a intervenção do tribunal colectivo, foi o arguido B........... submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do Cód. Penal, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas mesmas disposições e ainda pelos art.ºs 22.º, 23.º e 73.º, e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, do mesmo diploma.
Efectuado o mesmo, foi o libelo acusatório julgado parcialmente procedente, bem como o pedido cível formulado, razão pela qual o arguido foi condenado: - Como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, do Cód. Penal, na pena de seis anos de prisão.
- Como autor de um crime de homicídio simples, consumado, p. e p. pelo art. 131.º, na pena de 13 anos de prisão.
- Como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão.
Em cúmulo jurídico, na pena única de dezasseis anos de prisão.
- Ainda, no pagamento às demandantes C............e D........... de uma indemnização fixada em € 222.500,00 (duzentos e vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal.
I - 2.) Inconformado com a decisão, recorre o arguido B.......... para esta Relação, para o efeito aduzindo após o convite para a sua correcção endereçada pelo despacho de fls. 1033, as seguintes conclusões: 1.ª - O Tribunal a quo fundamentou a condenação pelo crime de homicídio simples na forma tentada nos depoimentos das testemunhas G......., H.......... e I.........., convencendo-se de que o arguido, segurando a pistola com as duas mãos, gritou: "L............., sai da frente que eu vou fodê-lo" e, em seguida, a uma distância de cerca de 3 metros, disparou na direcção do G............., procurando alvejá-lo.
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- Nenhuma testemunha falou de forma rigorosa e inequívoca num disparo a cerca de 3 metros, nem na frase "L............., sai da frente que eu vou fodê-lo", pelo menos no contexto em que a insere o acórdão ora sob recurso.
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- Houve, portanto, erro notório na apreciação da prova, art. 410.º, n.º 2, c), do CPP, que se tornou relevante para efeitos condenatórios.
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- Ainda que se entenda que o alegado disparo foi efectuado, como refere a testemunha H............., a cerca de 1 metro do G............., tendo disparado a tão curta distância, o arguido, por mais inábil que fosse no manuseamento de armas de fogo, só não atingiu o G............. porque não quis; conclusão que resulta da experiência comum. A intenção do arguido foi meramente intimidatória, no sentido de pôr termo ao conflito que se tinha gerado.
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- Assim, não houve tentativa, porque não se verifica o carácter volitivo que lhe é intrínseco e que decorre da expressão "um crime que decidiu cometer", contida no n.º 1 do art. 22.º do C.P.
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- Tendo em conta as contradições entre os depoimentos das referidas testemunhas, mormente no que diz respeito ao número de disparos e sua sequência, fica a dúvida se o disparo em causa não terá sido efectuado para o ar. Se o foi, também não houve tentativa, porque o acto não é idóneo a produzir o resultado típico - art. 22.º, n.º 2, b), do CP.
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- Em relação à condenação pelo crime de homicídio simples consumado, o confronto físico entre o arguido e a vítima, conjugado com a comprovada diminuição da imputabilidade do arguido (atente-se nos relatórios psicológico e psiquiátrico juntos e nos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, seus subscritores) faz com que seja razoável concluir que este agiu em erro sobre as circunstâncias do facto, mais concretamente, sobre a verificação dos pressupostos da legítima defesa - art. 32.º do C.P.
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- Como a legítima defesa exclui a ilicitude (art. 31.º do C.P.), a legítima é defesa putativa exclui o dolo (art. 16.º, n.º 1 e 2 do mesmo código), ficando ressalvada a punibilidade da negligência (n.º 3 do mesmo artigo).
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- Mesmo que assim não se entenda (por se considerar solução demasiado ousada, ainda que fundamentada), sempre se pode afirmar que o arguido agiu sob compreensível emoção violenta, despoletada no momento em que o L......... e o G........... se envolveram em luta e que durou até ao desenlace infeliz da situação.
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- Embora a emoção violenta seja compreensível quando susceptível de afectar o homem médio suposto pela ordem jurídica, devem ser levadas em conta as circunstâncias do agente, nomeadamente as suas relações sociais e afectivas, e que cabalmente se provaram nestes autos.
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- Mesmo que se considere que, para haver nexo de causalidade entre o motivo e a prática do crime de homicídio privilegiado (art. 133.º do C.P.), é necessário que seja a vítima a praticar o facto determinante do estado de emoção violenta, tal requisito é preenchido pelo cenário de luta em que a vítima e o arguido se envolveram e do medo deste de poder ficar tetraplégico.
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- A aquisição e a detenção de arma proibida são condutas que consubstanciam um crime de perigo relativamente menor e, pela conjugação do disposto nos arts. 40.º e 70.º, ambos do C.P., não devem ser punidas com pena de prisão.
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- O uso de arma proibida não deve ser punido de todo porque, neste caso, a norma do art. 275.º do C.P., está numa relação de consunção com as dos arts. 131.º e segs. do mesmo código.
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- Assim, o sentido em que o Tribunal a quo interpretou e aplicou os arts. 70.º e e 275.º do C.P., com o devido respeito, está errado.
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- Quanto à condenação no pedido cível, e no que se refere aos danos morais, atendendo a que as requerentes não lograram provar o estado físico e emocional da vítima nos momentos que antecederam a sua morte, e que aquela terá ficado inconsciente no momento em que caiu (facto corroborado pela testemunha H.............), a indemnização fixada - € 10.000 (dez mil euros) - parece exagerada, devendo ser reduzida para valor não superior a Euros 5000 (cinco mil euros).
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- No que toca ao dano morte propriamente dito, o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo - € 40.000 (quarenta mil euros) - afasta-se da tendência geral que tem vindo a ser seguida pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que pela perda do direito à vida tem vindo a fixar indemnizações que oscilam entre os 15 e os 30 mil euros.
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- O art. 496.º do Código Civil impõe que, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, se atenda às circunstâncias previstas no art. 494.º do mesmo diploma. Assim, se a motivação do presente recurso, no que se refere à parte criminal, merecer acolhimento deste Tribunal, deve o montante indemnizatório ser reduzido para um valor não superior a € 25.000 (vinte e cinco mil euros).
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- Quanto aos danos patrimoniais, o Tribunal a quo, ao fixar o montante indemnizatórios por danos futuros, não distinguiu, como devia, entre o que se reflecte na esfera patrimonial da requerente C.......... e o que se reflecte na da menor D........... .
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- É lei da vida, é natural, que a menor vai crescer, estudar, entrar na vida activa e autonomizar-se pessoal e economicamente. Por isso, atento o disposto nos arts. 1879.º e 1880.º, ambos do C.C., os danos patrimoniais futuros da requerente D............. estão limitados no tempo, devendo considerar-se a idade de 25 anos como um limite razoável para a filha menor do falecido completar a sua formação profissional.
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- Como a menor tinha 4 anos ao tempo da ocorrência dos factos, impõe-se fixar em 21 anos o período de alimentos devidos e, com base nele, calcular o montante respectivo.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente.
I - 3.) Na sua resposta, o Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Matosinhos, posto que de forma não condensada em conclusões, desenvolveu argumentação no sentido de defender o seu não provimento.
I - 4.) Por seu turno, a assistente e demandante C........ (por si e em representação da sua filha menor D..........), veio a resumir a sua posição relativamente ao recurso interposto com a dedução das seguintes conclusões: 1.º - Tendo em conta a prova produzida em sede de julgamento, quer testemunhal, quer documental, a decisão proferida pelo Tribunal Colectivo não pode ser alvo de qualquer contestação.
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- No que concerne à condenação no crime de homicídio simples consumado, p. e. p. no art. 131.º do CP, o Tribunal Recorrido teve, efectivamente, em conta toda a prova produzida em sede de julgamento, pelo que, não tem qualquer acuidade legal os reparos ora efectuados pelo arguido, em sede de recurso.
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- É verdade que o arguido vinha inicialmente acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 3, alínea d), parte final, do CP., uma vez que o Ministério Público entendeu, quando proferiu despacho de acusação, que os actos imputados ao arguido - homicídio consumado - foram praticados por motivo manifestamente fútil.
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- Porém, atenta aquela prova produzida em julgamento, e assim, à matéria de facto tida como provada, o Tribunal Recorrido entendeu, e bem, não se verificar aquela circunstância agravante, de o crime perpetrado ter sido determinado por um qualquer motivo fútil.
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- Para o efeito, o Tribunal a quo teve em consideração o prejuízo cognitivo de que padecia o arguido, tal como resultou das conclusões do relatório do exame médico legal psiquiátrico e dos esclarecimentos prestados pelo Dr. M........... .
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- Tal conclusão não retira, contudo, a imputabilidade ao arguido; determina, sim, uma diminuição do seu discernimento, a qual não permite concluir pela alegada futilidade do motivo que o levou a matar.
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- Por seu turno, o Tribunal Colectivo já entendeu - e bem - apreciar com reserva o relatório, e respectivos esclarecimentos, de avaliação psicológica, efectuados pela Dr. a N...
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