Acórdão nº 0611185 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Junho de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | JOAQUIM GOMES |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO.
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No PCC n.º …./03.9GNPRT da ….º Juízo Criminal de Matosinhos, em que são: Recorrente/Arguido: B…….
Recorridos: Ministério Público.
foi o arguido condenado, por acórdão de 2005/Dez./15, constante a fls. 646 e ss., pela prática, como autor material e em concurso real, de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e .p. pelos art. 131.º, 132.º, n.º 1 e 2 al. g), 22º e 73º, n.º 1, al. a) e b),sendo um, na pessoa do ofendido C……, na pena de cinco (5) anos de prisão e outro na pessoa de D……, na pena de seis (6) anos de prisão, de um crime de substâncias explosivas ou análogas e armas, p. e p. pelo art. 275.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de dois anos e meio de prisão, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212°, n°1 do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão, de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, do art. 290°, n°1 do Cód. Penal, na pena de dois anos de prisão, seguindo-se uma pena única de 11 anos de prisão.
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- O arguido insurgiu-se contra esta condenação, interpondo recurso da mesma, mediante o qual pretende, em primeiro lugar, que seja absolvido dos crimes pelos quais foi acusado, ou então, em segundo lugar, que se ordene o reenvio do processo para novo julgamento com base no art. 436.º do C. P. Penal, pedindo em terceiro lugar que se proceda a nova e adequada qualificação ou então pela redução das penas que lhe foram aplicadas, apresentando, em suma, as seguintes conclusões: 1.ª) pugna o ora recorrente no sentido que não foi produzida prova suficiente e inequívoca de molde a imputar a prática dos crimes ao ora recorrente; 2.ª) mas ainda que assim se entendesse -- à luz de uma estranha e arriscada "livre apreciação da prova" -- as penas aplicadas são injustificadas, pesadíssimas e, nessa medida, perturbadoras; 3.ª) pese embora, os presentes autos se encontrem pontuados de múltiplas referências -- não comprovadas -- a uma suposta personalidade violenta do arguido ora recorrente, o certo é que este não tem antecedentes criminais, para além de 3 (três) condenações por condução sem carta, e pela prática de 1(um) crime de dano qualificado e coacção sobre funcionário.
4.ª) o recorrente é de humilde condição sócio-económica, trabalhava, vivia com a esposa e tem 2 (dois) filhos menores, de 3 anos e 5 meses respectivamente.
5.ª) O ora recorrente não pode aceitar e conformar-se com a matéria dada como provada, desde logo, porque no ponto 1, se refere que era o Arguido quem conduzia o veículo Mercedes Benz Vito, matrícula ..-..-PU, interveniente nos factos em apreço nos autos e de onde foram disparados o tiro ou os tiros que atingiram o veículo dos ofendidos; 6.ª) O Arguido ora recorrente sempre negou que tivesse sido ele quem, naquele dia, conduzia o veículo e, nessa medida, quem disparou; 7.ª) A análise dos depoimentos dos ofendidos e das testemunhas principais permite sustentar a tese do Arguido ou, pelo menos, levantar sérias dúvidas quanto à imputação que se pretende inequívoca de ter sido o Arguido o autor dos disparos ou do disparo; 8.ª) É fácil concluir pela leitura do Acórdão que o Arguido ora recorrente foi condenado na emergência simples dos depoimentos dos ofendidos C….. e D…… e da conjugação destes depoimentos com os autos de reconhecimento efectuados em sede de inquérito e em Audiência; 9.ª) Em atinência ao depoimento destes dois ofendidos, o probatório oferece muitas dúvidas, incongruências e, à luz da experiência comum, não podem merecer credibilidade; 10.ª) O depoimento da testemunha E……, que era o acompanhante do condutor da carrinha Mercedes Vito, foi peremptório em dizer que não era o Arguido, ora recorrente quem conduzia e quem disparou, mas sim um seu irmão, muito parecido com ele de alcunha F…… - o Inspector da P.J. G……, confrontado pela Sra. Juiz Presidente sobre a existência deste indivíduo, pelo mesmo foi dito que existia mas que nunca foi investigado; 11.ª) A leitura do depoimento desta testemunha a efectuar através da transcrição da prova, não deixa margem para dúvidas quanto à sua consistência e credibilidade não sendo correcto dizer-se -- como se diz no Acórdão -- que o mesmo depôs de forma contraditória.
12.ª) No dia seguinte, esta testemunha, ainda circulando no mesmo veículo com o mesmo condutor, foram abordados pelo Agente da GNR H……, na Praça da Galiza no Porto, tendo o condutor fugido na altura em que lhe foi pedida a identificação; 13.ª) Não há nenhuma dúvida que este Agente da GNR interceptou a carrinha Mercedes Vito, que nele seguiam o condutor (autor do disparo ou dos disparos) bem como o E……, porém, confrontado em Audiência com o Arguido ora recorrente, disse não o reconhecer; 14.ª) Resulta do exposto que a matéria dada como provada é pontuada por múltiplas discrepâncias, muitas dúvidas, muitas incongruências; 15.ª) A condenação de que o Arguido foi alvo devia encontrar-se sustentada na produção de uma prova clara, transparente e inequívoca, confundindo-se livre apreciação da prova com livre arbítrio; 16.ª) O Arguido pugna pela sua absolvição, ou pelo reenvio dos autos para novo Julgamento atentas as dúvidas não ultrapassadas e não dissipadas.
17.ª) O Arguido foi condenado, entre outros, por 2 (dois) crimes de homicídio na forma tentada, mas não ficou demonstrado claramente o número de tiros que foram disparados; 18.ª) O certo é que só um deles (terá sido só um?) é que atingiu o veículo onde circulavam os ofendidos, não tendo ficado demonstrado que o atirador pretendia tirar a vida aos dois ofendidos e ao filho destes; 19.ª) Se assim não se entender, sempre se dirá, que a pena aplicada foi extremamente severa e inadequada; 20.ª) Quanto aos crimes de dano e de atentado á segurança de transporte rodoviário os mesmos encontram-se consumidos pela prática do crime principal; 21.ª) Deve o Arguido ser absolvido do crime de dano e de atentado à segurança de transporte rodoviário atento o regime da consunção; 22.ª) E quanto aos crimes de homicídio: tendo-se apurado que apenas um disparo atingiu o veículo dos ofendidos, a ser condenado, sê-lo, por um crime de homicídio na forma tentada, com dolo eventual.
23.ª) NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: Artigos 131º, 132º, 22º e 73º do Código Penal; Artigo 212º do Código Penal; Artigo 290º do Código Penal; Artigo 275º do Código Penal.
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- O Ministério Público respondeu em 2006/Jan./24, a fls. 753-762, pugnando pela manutenção do decidido, porquanto e em suma: 1.ª) não existem razões para a revisão da matéria de facto, não tendo o recorrente sequer referenciado os suportes técnicos em que alicerça essa pretensão; 2.ª) os crimes de dano e de atentado à segurança de transporte rodoviário encontrarem-se em concurso real com os crimes de atentado à segurança rodoviária, porquanto os interesses protegidos nestes três ilícitos são distintos; 3.ª) a pena única de 11 anos aplicada não merece qualquer censura por ser justa e equilibrada.
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- Nesta instância o ilustre PGA emitiu parecer a fls. 773/774v, aderindo totalmente à resposta anterior.
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- Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do C. P. Penal, colheram-se os vistos legais, nada obstando ao conhecimento deste recurso.
*As questões suscitadas em recurso prendem-se com o reexame da matéria de facto (1), a consunção dos crime de danos e de atentado à segurança de transporte rodoviário pelo crime de homicídio qualificado tentado (2) e a medida da pena (3).
* **II.- FUNDAMENTOS.
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O ACÓRDÃO RECORRIDO.
Na parte que aqui releva transcrevem-se os factos provados e não provados, assim como a subsequente motivação.
"A- Factos provados da acusação: 1- No dia 03/08/2003, cerca das 16h, o arguido conduzia o veiculo ligeiro de mercadorias, marca "Mercedes- Benz", modelo "VITO", de cor verde, com a matricula "..-..-PU", pertença da sua irmã, levando como passageiro a testemunha E…… .
2- Cerca das 16h30m, no itinerário complementar IC1, no sentido sul/norte, em direcção a Vila do Conde, surge à frente da carrinha conduzida pelo arguido o veiculo ligeiro de passageiros, marca "Vokswagen", matricula ..-..-KE.
3- Este último veículo era conduzido por C……, que transportava na frente, a sua mulher, D…… e imediatamente atrás desta, no banco traseiro, sentado na cadeira de segurança, o filho, então menor de 3 anos, I……. .
4- O arguido pretendeu ultrapassar o referido veículo, fazendo sinais de luzes, mas o condutor do "Vokswagen" não lhe facilitou a ultrapassagem, tendo-lhe feito um gesto com a mão indicando para que "passasse por cima".
5- Mais à frente, C….. encostou-se à direita e o arguido ultrapassou esse veículo, exibindo uma arma de fogo, que aparentava ser uma "Whalter".
6- Junto da saída para Lavra, a carrinha "Mercedes" tomou a faixa de saída, abrandando a marcha, facto que fez com que a viatura conduzida pelo C…… passasse junto daquela.
7- Nessa ocasião, quando o lado direito da viatura "VW Passat' estava a pouca distância do lado esquerdo da viatura Mercedes, o arguido apontou a arma de fogo em direcção àquele veículo, e disparou pelo menos dois tiros, fazendo pontaria aos corpos dos ocupantes do mesmo.
8- Em consequência de um dos disparos, o vidro traseiro do lado direito do veículo automóvel estilhaçou, mesmo junto à cabeça do menor I….. e a mãe deste, que estava sentada à sua frente, foi atingida na zona cervical, pelo mesmo projéctil.
9- O ofendido C….., apesar do sobresssalto que sentiu, conseguiu imobilizar a sua viatura, não tendo perdido o controle da mesma, enquanto que o arguido retomou a marcha do seu veículo, fugindo daquele local, na saída de Lavra.
10- A ofendida D….. e o menor I….. receberam tratamento médico no Hospital de S. João, no Porto.
11- O menor sofreu várias escoriações punctiformes, dispersas pelos membros superior e inferior direito, provocadas pelos estilhaços de vidro, que lhe determinaram cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
12- Por sua vez a ofendida D….. sofreu traumatismo de natureza perfuro-contudente na região dorsal, que...
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