Acórdão nº 191/07.OTBVRM.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução12 de Outubro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO COMERCIAL - SOCIEDADES COMERCIAIS Doutrina: - António Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades Comerciais, II, Das Sociedades em Especial, 2006, página 582. - António Pinto Monteiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 136º, páginas 96 a 98. - Evaristo Mendes, Direito ao Lucro de Exercício no CSC – arts. 217/294, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, página 497. - Filipe Cassiano dos Santos, O Direito aos Lucros no Código das Sociedades Comerciais, Problemas do Direito das Sociedades, páginas 189 e 190, 193, 197, 198. - J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 97. - João Labareda, Das Acções das Sociedades Anónimas, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1988, páginas 146 e 147. - José Nuno Marques Estaca, O Interesse da Sociedade nas Deliberações Sociais, página 40. - Lucros de Exercício, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVIII, 1996, (XI da 2ª Série, páginas 257 e seguintes, nomeadamente 359 a 364. - Raúl Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. I, 2ª edição, página 336. - Rodrigo Uria, Derecho Mercantil, Duodécima Edición, páginas 282 a 284.

Legislação Nacional: CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 58.º, N.º1 ALÍNEA B), 217.º, N.º 1, 259.º, N.º1, 294.º, N.º1, 295.º, N.º1, 376.º, N.º1 ALÍNEA B). CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º.

Sumário : I- A regra geral enunciada no artigo 294º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, e que atribui aos sócios o direito à partilha anual de metade dos lucros distribuíveis, tem natureza supletiva, podendo ser afastada por duas vias: pela existência de uma cláusula contratual em contrário, nada obstando à previsão da possibilidade de não haver qualquer distribuição no final do exercício ou, em caso de omissão no pacto, por deliberação da assembleia geral aprovada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social.

II- Não viola esta regra a cláusula do pacto social de uma sociedade anónima que permite, através dos lucros distribuíveis, a constituição de reserva legal em percentagem superior à definida no artigo 295º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais ou de outras reservas, as chamadas “reservas livres”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho, acção ordinária contra Empresa Águas do G..., pedindo: – A declaração da falsidade da acta da assembleia-geral da R., de 27 de Abril de 2007; – A declaração de inexistência das deliberações sociais tomadas nessa assembleia-geral, por falsidade da respectiva acta; – A declaração de nulidade das mesmas deliberações, com todas as consequências; ou, subsidiariamente, – A anulação das mesmas deliberações.

A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, salientando, na parte em que releva para a decisão do presente recurso, que os seus Estatutos dispõem concretamente sobre a distribuição dos lucros e que a deliberação respeitou o postulado no artigo 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.

Replicou o A., mantendo a posição inicial, pedindo, no entanto, a ampliação do pedido no sentido do subsidiariamente pedido em b) e, para a hipótese de improcedência desse pedido, que seja decretada a ineficácia das deliberações sociais tomadas em assembleia-geral, por falsidade da respectiva acta, bem como a declaração de nulidade ou anulabilidade relativo ao ponto 5 da ordem de trabalhos.

A acção seguiu, depois, a sua tramitação normal até julgamento, não sem que, antes, tivesse sido fixado o seu valor em 54.084,56 €.

Após a realização daquele, foi proferida sentença a julgar totalmente improcedente o peticionado.

Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães. Em vão, porém, na medida em que o julgado foi na íntegra confirmado.

Continuando no mesmo estado de espírito, eis que pede, ora, revista do aresto prolatado, a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta: – O pacto social não derrogou o limite de 50% de lucro que obrigatoriamente tem de ser distribuído aos sócios, salva deliberação contrária de maioria de 3/4, conforme impõe supletivamente o artigo do 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que o acórdão interpretou erradamente esta norma legal e aquela disposição contratual.

– Face ao estabelecido no parágrafo segundo do artigo 8° dos Estatutos da sociedade, é certo que podem ser constituídas reservas livres, em sacrifício óbvio das gratificações especiais, participações do pessoal, provisões, afectação a resultados transitados ou da distribuição aos accionistas, que constituem os outros destinos possíveis dos resultados de exercício.

– Mas a disposição contratual não implica, só por si, que os resultados possam ou devam ser integralmente afectos, sem qualquer limite, à sua constituição de reservas livres, afectando os lucros a distribuir até os exaurir completamente, por deliberação tomada por maioria absoluta.

– Posto que apenas significa que a afectação a reservas livres da percentagem dos lucros de exercício que medeia entre a percentagem de 20% dos lucros necessariamente afecta a reservas legais e a percentagem de 50% dos lucros necessariamente afecta a dividendos, pode ser deliberada, em primeira convocatória, por 50% mais um do capital social.

– Ao invés de permitir ou autorizar a não distribuição da totalidade do lucro, o que aquela regra impõe é que a constituição de reservas livres a fixar dentro das balizas das reservas legais e dos lucros a distribuir seja aprovada por uma maioria especial em primeira convocatória, diferente da regra geral supletiva.

– Ademais, aquela norma legal tem de ser interpretada por via restritiva, no sentido de que a destinação de 50% do lucro a dividendos, salvo deliberação diferente de uma maioria alargada, constitui uma reserva mínima, que a lei apenas permite ampliar mas nunca restringir, sendo inválidas as cláusulas estatutárias de sentido contrário, conforme, aliás, defendem largos sectores da doutrina.

Em defesa da manutenção do acórdão recorrido, contra-alegou a Recorrida.

II.

As instâncias fixaram a seguinte factualidade: – A R. Empresa de Águas do G..., S. A. é uma sociedade comercial na forma anónima, com sede na Av. ..., lugar do G..., freguesia de Vilar da Veiga, Terras do Bouro, com o capital social de € 1.100.000,00, correspondente a 220.000 acções ao portador com o valor nominal de € 5,00 cada, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Terras do Bouro, sob o nº ..., e foi constituída por escritura pública, de 19.04.1924, lavrada no Cartório do Notário Dr. Silva Lino, Porto.

– O pacto social está plasmado nos respectivos estatutos, cuja última redacção, actualmente em vigor, foi aprovada em assembleia-geral de 28 de Setembro de 2006, que passaram a ter a redacção constante do documento de fls. 21 a 23.

– Nos termos do artigo 2º dos Estatutos, a R. é uma sociedade de duração indeterminada e o seu principal objectivo é a exploração das nascentes das águas do G... e actividades turísticas.

– Nos termos do § 1 do artigo 6º dos seus Estatutos, a posse de 100 ou mais acções dá um direito de voto e daí para cima a tantos votos quantos grupos de 100, desprezando fracções que não completem grupos de 100 acções.

– O A. é titular de 26.649 acções ao portador da R., representativas de, aproximadamente, 12,11% do respectivo capital social.

– Os accionistas da R. foram convocados para reunirem em assembleia-geral anual, na Delegação do Porto, na Praça da L..., ... – ...º, sala ..., no dia 30 de Março de 2007, pelas 11.00 horas, e, em segunda convocatória, no dia 27 de Abril de 2007, à mesma hora, com a seguinte ordem de trabalhos, transcrita na acta nº 103: Ponto 1: Deliberar sobre o relatório de gestão, balanço e contas do exercício de dois mil e seis; Ponto 2: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados; Ponto 3: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; Ponto 4: Deliberar sobre as condições do projecto Sivetur; Ponto 5: Proceder à eleição dos órgãos sociais para o triénio dois mil e sete, dois mil e nove e fixar as respectivas remunerações fixas e variáveis.

– Na acta nº 103, referente à assembleia-geral...

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