Acórdão nº 388/09.8JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2010

Data27 Setembro 2010

Acordam, em conferência, os Juízes da Relação de Guimarães.

Na Vara de Competência Mista de Braga, do Tribunal Judicial da comarca de Braga, processo n° 388/09.8JABRG, os arguidos José M... e Joana S..., ambos com os demais sinais dos autos, foram submetidos a julgamento, tendo, a final, sido proferido acórdão, de cujo dispositivo consta o que se segue (transcrição): "Pelo exposto, Acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em: Absolver a arguida Joana S...

da prática de um crime de favorecimento pessoal, previsto e punível pelo artigo 367.° do Código Penal.

Condenar o arguido José M..., como reincidente, pela prática de um crime de homicídio qualificado, do tipo previsto e punível pelos artigos 131.° e 132.° n.° 1 e 2 alínea i) do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão.

Condenar o arguido no pagamento de quatro UC de taxa de justiça, acrescida de 1% da taxa (cf artigo 13.° n.° 3 do Decreto- lei 423/91 de 30.10), e nas custas do processo, fixando a procuradoria no mínimo, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário." ***Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o ARGUIDO José M..., onde, em síntese, suscita as seguintes questões: - «Considera o Meritíssimo Juiz como provados inúmeros factos que não deveriam ter sido dados como provados; e ainda, outros aos quais deveria ter sido dado um sentido diferente»; - «No ponto 10. do douto Acórdão refere: " No decurso da contenda, o arguido José curvou-se, ficando, por momentos, de costas voltadas para o Francisco B..., altura em que abriu e empunhou uma navalha, que trazia escondida"».

- «Pelo que, caso as hipóteses anteriores faleçam, se deverá renovar o douto Acórdão e considerar que existiu no caso homicídio simples».

- «Este ponto deveria ter o seguinte sentido. " No decurso da contenda, o arguido José curvou-se, ficando por momentos, de costas voltadas para o Francisco B...”».

- «Não se deveria ter dado como provado, devendo constar dos factos não provados, que o " ...arguido abriu e empunhou uma navalha, que trazia escondida"».

Tal facto não provado tem a sua sustentação na grande maioria dos depoimentos prestados por testemunhas que acompanhavam o arguido e a vítima

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- «Mais comprova que o arguido não era detentor de nenhuma arma o depoimento da testemunha Marcelino que explicou pormenorizadamente o modo de revista que fez ao arguido no momento da entrada no estabelecimento de diversão nocturna.» - «Assim existem razões suficientes para levar a crer que o arguido não escondia nenhuma arma».

- «Tal facto provado baseou-se também no depoimento desta última testemunha pelo que houve uma má interpretação do relato desta testemunha».

- «...não se deveria ter valorado os depoimentos das testemunhas Bruno A...»; «...tendo em conta o depoimento das testemunhas Diana, Hugo, Nuno, Cristiana, Ana C..., Olga e Rita C..., pessoas próximas dos contendores resulta existirem sérias dúvidas se terá sido o arguido o autor do crime que lhe foi imputado».

Assim, formou o tribunal a sua convicção em provas conjunturais e conclusivas insuficientes para a decisão e sem o suficiente exame crítico

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existem sim sérias dúvidas de que foi o arguido o autor do crime, dúvidas que permitem ao caso a aplicação do princípio in dubio pro reo, um dos pilares do direito penal, principio esse ligado ao princípio da legalidade

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- « todos os depoimentos das testemunhas são consentâneos, homogéneos e convergentes no sentido de que o arguido, durante a contenda, estava em inferioridade física, a ser agredido e a tentar defender-se».

- «Não pode o arguido ser condenado por ter actuado com insídia, dizendo-se que actuou de modo traiçoeiro e não permitindo à vitima qualquer reacção de defesa».

- «Numa contenda qualquer meio utilizado é traiçoeiro; qualquer dos contendores visa atacar o outro de surpresa a fim de por termos às agressões ou simplesmente para se defender».

...no caso concreto ambos se agrediam mutuamente pelo que ambos tinham consciência dos possíveis ataques do outro, e ambos podiam prever qualquer ataque súbito e sorrateiro

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- «Qualquer pessoa envolvida numa contenda está frágil, desprotegida e descuidada».

Pelo que não poderá dizer que estamos perante um homicídio qualificado

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- «Pelo que, caso as hipóteses anteriores faleçam, se deverá renovar o douto Acórdão e considerar que existiu no caso homicídio simples».

*** Respondeu o Ministério Público opinando no sentido da improcedência do recurso.

***Nesta Relação, o Exm° Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer que conclui nos seguintes termos: " o recurso não merecerá provimento, pois que não se verifica uma qualquer causa fundadora duma modificação da matéria de facto firmada no acórdão recorrido, limitando-se o recorrente a expor a sua convicção sobre a prova produzida, não a revelar quaisquer provas que imponham decisão diversa, não se justificando qualquer apelo ao princípio in dubio pro reo; inexistem factos que possam justificar, na qualificação jurídico-penal dos factos, uma legítima defesa ou até um excesso desta; os factos provados, intangíveis, são reveladores da qualificativa " meio insidioso"».

***Foi cumprido o art° 417°, n° 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

*** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Decisão fáctica constante do acórdão recorrido (transcrição): A. Factos Provados: Da audiência de julgamento resultaram provados os factos seguintes: No dia 3 de Julho de 2009, cerca das 4:00 horas, no interior do espaço de diversão nocturna denominado "Populum", sito no Campo da Vinha, n.° 115, nesta comarca de Braga, encontrava-se Francisco B... acompanhado pela sua namorada, Olga M... e por uma amiga, Rita C....

No mesmo local encontrava-se o arguido José M..., acompanhado da sua namorada, a arguida Joana S..., alguns familiares e amigos, nomeadamente Diana C..., Nuno C..., Hugo S..., Cristiana C... e Ana C....

A determinada altura, cerca de meia hora após a entrada do grupo do Francisco B... no estabelecimento e quando se encontravam na zona destinada aos fumadores, junto às casas de banho, o arguido dirigindo-se à Olga e à Rita apelidou-as de "porcas" e "putas".

Decorrido algum tempo, o arguido aproximou-se do mesmo grupo e, dirigindo-se novamente à Olga e à Rita, disse: "vocês até são boas de corpo mas de cara são feias".

Nessa altura gerou-se uma discussão, em tom de voz elevado, entre o arguido e a Olga .

Entretanto, a prima do arguido, Diana C... e a amiga, Ana M..., afastaram-no do grupo e pediram desculpas pelo seu comportamento, justificando que se devia ao facto do mesmo estar embriagado.

Porém, o arguido continuou a dirigir-se à Olga e esta a retorquir-lhe.

Então, o arguido acercou-se de novo do grupo, gerando-se uma discussão entre ele e o Francisco B....

Na sequência da discussão, o arguido José e o Francisco B... envolveram-se em confronto físico, agarrando-se e desferindo murros um ao outro.

No decurso da contenda, o arguido José curvou-se, ficando, por momentos, de costas voltadas para o Francisco B..., altura em que abriu e empunhou uma navalha, que trazia escondida.

Então, voltando-se, de novo para o Francisco B..., o arguido desferiu-lhe um golpe com a navalha de baixo para cima, na zona do tronco, atingindo-o entre o abdómen e o tórax, do lado esquerdo, e trespassando-lhe o coração desde a parede posterior até à parede anterior.

Assim atingido, o Francisco B... afastou-se do arguido, dirigindo-se para a Olga que estava atrás dele.

Nesse momento, encontrando-se o Francisco B... de costas para o arguido, este desferiu-lhe outro golpe com a referida navalha, atingindo-o na zona lombar, do lado direito.

O Francisco B... foi transportado para o exterior do estabelecimento e aí foi assistido pela equipa de médicos do Instituto Nacional de Emergência Médica.

De seguida foi transportado ao Hospital de São Marcos de Braga, onde veio a falecer pelas 05h. e 10m. do mesmo dia 3 de Julho de 2009.

Após ter desferido o último golpe o arguido fechou a navalha, a qual veio a entregar à arguida Joana S... para a mesma a guardar.

A arguida guardou a navalha numa bolsa preta que trazia consigo.

Entretanto, saiu do estabelecimento levando consigo a navalha e numa sebe do Jardim de Santa Bárbara, nesta cidade de Braga, escondeu-a.

Em consequência da conduta do arguido sofreu o Francisco B... as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 215 a 224, cujo se teor dá reproduzido para todos os efeitos legais.

Assim, sofreu o ofendido ao nível do hábito externo: No tórax, uma solução de continuidade linear de bordos lisos, regulares, coaptáveis e desidratados, com 1,5cm de comprimento, disposta obliquamente de cima para baixo e de fora para dentro ao nível do 8.° espaço intercostal no terço inferior do hemitórax esquerdo, distando 8,7cm da linha médio-esternal e 13 cm do mamilo esquerdo (lesão 1).

Na região dorso-lombar, solução de continuidade linear de bordos lisos, regulares, coaptáveis, com 1,2cm de comprimento, disposta obliquamente de cima para baixo e de fora para dentro ao nível da região lombar direita, distando 3,5cm da linha média e 22 cm da espinha ilíaca anterosuperior (lesão 2).

E ao nível do hábito interno: No tórax (lesão 1): Paredes – solução de continuidade em correspondência com a descrita no hábito externo ao nível do 8.° espaço intercostal, no terço inferior do hemitórax esquerdo, produzindo entalhe ao nível da 8. a cartilagem costa) esquerda e rodeada por área de infiltração sanguínea dos planos musculares, com 8x4 cm de maiores dimensões, seguida de trajecto perfurante na cavidade torácica.

Pericárdio e cavidade pericárdica – solução de continuidade com 8 mm de maiores dimensões, localizada ao nível da parede posterior do saco pericárdico, em correspondência com a descrita ao nível da parede interna do hemitórax esquerdo.

Coração – solução de continuidade com 1,4cm de comprimento, de bordos lisos, regulares e coaptáveis, localizada ao nível da face posterior do ápex cardíaco, em correspondência com a descrita ao nível da parede...

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