Acórdão nº 512/09.0TBTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelISA
Data da Resolução28 de Setembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. O autor, H… - casado, gerente comercial, residente em … -, instaurou (em 16/10/2009), no tribunal judicial da comarca de Tondela (1º Juízo), contra as rés, Companhia de Seguros … –, com sede em Madrid, Espanha (doravante também designada por 1ª ré), e M…, com sede em Espanha (doravante também designada por 2ª ré), acção declarativa condenatória, com forma de processo ordinário.

Para fundamentar essa acção, alegou, em síntese, o seguinte: No dia 24/10/2004, aconteceu um acidente de caça, num coutado privado sito em Espanha, propriedade de I…, morador na … – Espanha.

Nesse dia, quando ali se dedicava ao exercício da caça, juntamente com outros amigos, foi atingido pelos restos de um tiro de uma arma de caça, propriedade de um tal … que também se encontrava no mesmo local e dedicando-se à mesma actividade.

Tal disparo provocou várias lesões corporais ao autor, que motivaram, com vista à sua cura, o seu imediato internamento em instituição hospitalar da cidade de Badajoz, em Espanha, tendo subsequentemente o autor sido assistido e prosseguido o seu tratamento em Portugal, nos termos e condições que melhor descreve na p.i..

Em consequência de tais lesões, provocadas pelo aludido tiro, o autor sofreu danos de natureza patrimonial (vg. a título de danos emergentes e de danos futuros – estes ainda não quantificados dado a necessidade autor ter ainda de se submeter a uma nova intervenção cirúrgica, e da qual depende ainda a fixação da incapacidade física com que ficou afectado) e não patrimonial, que ali descrimina, e pelos quais pretende ser indemnizado, nos termos a final por si peticionados.

Por essa indemnização entende deverem ser responsabilizados ambas as rés, a 1ª pelo facto de o tal … (que o atingiu) ter celebrado com ela um contrato de seguro obrigatório na sequência do qual ficava coberta a sua responsabilidade decorrente do exercício da aludida actividade de caça e da utilização da respectiva arma, e a 2ª pelo facto de ter, como tomadora, subscrito a respectiva apólice daquele seguro.

  1. Ambas as rés contestaram.

    2.1 A 1ª ré, defendendo-se por excepção e por impugnação.

    No que concerne àquele 1º tipo de defesa, aduziu a excepção (peremptória) de prescrição do direito o autor, e defendendo depois ainda, à cautela, que o referido contrato de seguro por si celebrado não abrange ou cobre todos os danos cujo ressarcimento o autor reclama nesta acção.

    Quanto ao 2º tipo de defesa, impugnou uma parte dos factos, à luz do artº 490, nº 3, do CPC.

    2.2 Quanto à 2ª ré, defendeu-se igualmente por excepção e por impugnação.

    No que concerne àquele 1º tipo de defesa, aduziu, além de invocar a sua ilegitimidade e a prescrição do direito o autor, a excepção (dilatória) da incompetência internacional do tribunal português para julgar a demanda.

  2. O autor, em articulado de réplica/requerimento que subsequentemente apresentou, veio declarar desistir dos pedidos formulados nesta acção contra a 2ª ré.

  3. De seguida, o srº juiz do processo proferiu despacho (a fls. 196/199), na sequência do qual (pronunciando-se exclusivamente sobre essa excepção) declarou a incompetência internacional do tribunal português para julgar a presente acção, absolvendo, em consequência, da instância ambas as rés.

  4. Na se conformado com tal decisão, o autor dela apelou.

  5. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, o autor/apelante concluiu as mesmas nos seguintes termos: ...

    Deve, assim, o despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão onde se declare que o Tribunal Judicial da comarca de Tondela é internacionalmente competente.

  6. Não foram apresentadas contra-alegações.

  7. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

    *** II- Fundamentação

    1. De facto.

    Com relevância para a compreensão, apreciação e decisão do presente recurso, haverá que atender aos factos que supra se deixaram descritos no ponto I do relatório que antecede.

    *** B) De direito.

    É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual reforma, aqui aplicável, introduzida ao CPC pelo DL nº 303/2007 de 24/8 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.

    Importa também deixar, desde já, salientado que, tal como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” referido no artº 660, nº 2, do CPC, de que o tribunal deva conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às concretas controvérsias centrais a dirimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

    Ora, face às conclusões das alegações do presente recurso e tal como bem decorre, aliás, do que supra se deixou exarado, a única questão que importa aqui decidir e apreciar traduz-se em aferir se o tribunal português onde foi instaurada a presente acção é ou não competente, em razão da nacionalidade, para julgar o litígio a que se reporta a mesma.

    Coloca-se, assim, a questão de saber se o tribunal português é ou não internacionalmente competente para dirimir o litígio da acção a que se reporta o presente recurso.

    No despacho recorrido entendeu-se que não, deferindo-se essa competência aos tribunais espanhóis (e por isso absolveu-se ambas rés da instância), ao contrário da tese defendida pelo autor, que preconiza a competência do tribunal português.

    Apreciemos.

    É sabido que um dos pressupostos processuais tem a ver com a competência do tribunal para julgar a causa que nele foi instaurada.

    Competência essa que, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor, isto é, afere-se pelo quid disputatum ou quid dedidendum (cfr., por todos, Acs. do STJ de 4/3/2010, proc. 2425/07.1TBVCD.C1 e de 10/12/09, proc. 0980470, publicados in www.dgsi.pt/jstj; Ac. da RP de 2/3/2003, in “CJ, Ano XXVIII, T1 – 165”; Ac. da RLx. de 8/11/2005, in “Ano XXX, T5 – 84” e o prof. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 90 e 91”).

    Sendo a competência a medida de jurisdição de um tribunal, ele é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuírem uma medida de jurisdição que seja suficiente para essa apreciação.

    A competência assim delimitada pode chamar-se competência jurisdicional.

    A aferição do tribunal competente através desses critérios funciona como um factor de legitimação dos poderes de que esse tribunal se pode servir para apreciar a admissibilidade da acção, instrui-la e julgá-la. O tribunal competente é simultaneamente o tribunal que tem legitimidade para fazer uso desses poderes, dos quais, aliás, não pode ser privado (sobre a proibição de desaforamento, cfr. artº 23º LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99 de 13/1, em vigor para a comarca em questão).

    Podendo a competência jurisdicional classificar-se quanto ao âmbito e quanto à origem. E, quanto ao âmbito, a competência pode ser interna ou internacional (cfr. art. 17º LOFTJ e arts 61º e 62º CPC).

    Como escrevem o prof.

    Antunes Varela e outros (in “Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista, Coimbra Editora, pág. 198”), “a competência internacional, aquela aqui em causa, designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica internacionais”, tratando-se, no fundo, de “definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”. Refere-se, nas palavras do prof. Teixeira de Sousa (in “A Nova Competência dos Tribunais Civis, pág. 21”), a causas que comportam uma ou várias conexões com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.

    Pode, assim, dizer-se que uma questão de competência internacional se suscita (ou pode suscitar-se) quando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT