Acórdão nº 83/07.2TTVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Setembro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução15 de Setembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I - Tendo as partes contratualmente definido que o Autor – trabalhador – prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse, naquele momento ou futuramente, sob a exploração da Ré – entidade empregadora – e que o Autor dava desde logo o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que viesse a ser decidida pela Ré, é de concluir que aquilo que as partes definiram como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deveria ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia a um específico, concreto e imutável lugar geográfico.

II - Pese embora a cláusula aposta no contrato segundo a qual o Autor prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse futuramente sob a exploração da Ré comporte um grau de indeterminação, na medida em que a coordenada geográfica em concreto fica dependente de uma eventualidade, sempre essa indeterminação seria resolvida pelo empregador, atendendo aos poderes que a lei lhe confere, constantes do art. 150.º do Código do Trabalho, com observância também do que neste dispositivo se comanda: fixação dos termos da prestação do trabalho dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, sendo, assim, também convocável o que se dispõe no art. 400.º, n.º 1, do Código Civil, isto é, o apelo à equidade e à boa fé que deve presidir à feitura dos negócios jurídicos.

III - O que a equidade e a boa fé na celebração dos negócios jurídicos impedem é que a determinação a efectuar no seguimento do poder conformativo do empregador possa ser de tal sorte ampliada que venha a implicar um desbordar dos próprios limites espaciais do local da prestação do trabalho e dos normativos regentes do contrato.

IV - Assim, situando-se o novo local de prestação de trabalho do Autor a apenas cerca de 20 quilómetros do local em que tal prestação era desenvolvida aquando da celebração do contrato, demorando cerca de 15 minutos a efectuar o aludido percurso, e dispondo-se a Ré a disponibilizar ao Autor um veículo para a sua deslocação, não é minimamente sustentável dizer-se que a indicação do novo espaço geográfico em que o Autor iria levar a efeito a prestação do seu trabalho não se continha nos poderes de determinação da Ré do local de trabalho daquele e dentro do clausulado do contrato de trabalho entre ambos firmado.

V - Tratando-se de uma situação de amplitude da definição do local de trabalho, amplitude essa não ilícita, quer do ponto de vista da outorga do clausulado, quer do ponto de vista da sua concretização, entende-se que a indicação dada ao Autor para ir laborar para Carregal do Sal – quando, até então, laborara em BB – não consubstanciou uma transferência para um outro local de trabalho, apelante aos preceitos insertos nos arts. 315.º a 317.º do Código do Trabalho.

VI - Desta forma, a sobredita indicação não tinha que seguir o procedimento previsto no art. 317.º e o não acatamento da determinação dela constante tem que ser perspectivado como uma desobediência a uma ordem legítima da entidade empregadora, passível de ser disciplinarmente punida.

VII - Por isso, a sanção de 20 dias de suspensão pela Ré imposta ao Autor não pode ser considerada abusiva.

VIII - Tendo o Autor gozado férias e cumprido o período de suspensão atinente à sanção disciplinar que lhe foi aplicada, concluindo que o cômputo de ambos os períodos terminara em 11 de Outubro de 2006, e tendo-se, a partir de então, colocado numa postura de ausência do local de trabalho determinado pela sua entidade empregadora, é de concluir que, na data em que a Ré lhe comunicou a invocação da cessação do contrato de trabalho por abandono – invocação essa operada por carta registada datada de 11 de Outubro de 2006 –, ainda não estavam dados pelo Autor mais de dez dias úteis seguidos de ausência.

IX - Daí que, ex vi do n.º 2 do art. 450.º do Código do Trabalho, não se possa presumir abandono do trabalho por parte do Autor, sendo que a Ré não logrou provar comportamentos do Autor que permitissem concluir ser intenção deste não mais retomar ao serviço.

X - Em consequência, a invocação, levada a efeito pela Ré, da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, nos termos da equiparação comandada no n.º 4, do aludido art. 450.º, configura um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I.

O autor AA instaurou, em 31.01.2007 (ver fls.1), a presente acção declarativa, de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a ré Sociedade BB, S.A.

, peticionando: a) A declaração de ilicitude do seu despedimento; b) A condenação da ré no pagamento de € 3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) A condenação da ré no pagamento de € 12.946,71, a título de indemnização em substituição da reintegração; d) A condenação da ré no pagamento de todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença; e) Que se declare abusiva a sanção disciplinar aplicada ao autor em 2006; f) A condenação da ré no pagamento da quantia de € 8.312,50, a título de indemnização pela aplicação da sanção abusiva; g) A condenação da ré no pagamento das diuturnidades que nunca lhe foram pagas, no valor de € 3.663,90; h) Os juros de mora vencidos e os vincendos sobre as quantias peticionadas até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em resumo: Trabalhou para a ré a partir de Setembro de 2000.

Em 11/10/2006, a ré comunicou-lhe que o contrato tinha cessado, por abandono do trabalho.

Todavia, o seu contrato não cessou por abandono de trabalho, mas sim na sequência de um despedimento ilícito promovido pela ré.

Acrescentou, ainda, que, em 2006, a ré lhe aplicou a suspensão do trabalho, com perda de retribuição pelo período de 20 dias, sanção esta que é manifestamente abusiva.

Citada a Ré, teve lugar a audiência de partes, não tendo sido possível obter a conciliação entre as partes, pelo que aquela contestou, alegando em síntese, a existência de fundamento para a aplicação da sanção disciplinar e, bem assim, a assumpção, pelo trabalhador, de comportamento consubstanciado no abandono do trabalho.

Conclui pela improcedência da acção, pugnando pela sua absolvição dos pedidos.

No despacho saneador, foi dispensada a selecção de factos assentes e a base instrutória.

Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré no pagamento, ao Autor, da quantia de € 122,50, a título de diuturnidades, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia 1 de cada um dos meses imediatos àquele a que respeita a diuturnidade.

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou o recurso improcedente e confirmou, na integra, a sentença.

II.

Novamente inconformado, o Autor interpôs a presente revista, na qual formula as seguintes conclusões: 1.° - O Tribunal a quo interpretou incorrectamente o disposto no n.° 3 do art. 315.° do C.T.

, no sentido de excluir a necessidade de comunicação fundamentada e por escrito a que se refere o art. 317.° do C.T., normativo que também não aplicou e deveria ter aplicado in casu, devido à outorga da referida cláusula., sustentando a tese de que o não acatamento dessa ordem verbal de mudança de local de trabalho traduziu uma violação do dever de obediência, cfr. art. 121.° n.° 1 alínea d), do C.T.

  1. - Na verdade e de acordo com o art. 317.° do Código do Trabalho, salvo motivo imprevisível, e in casu não houve qualquer imprevisibilidade, a decisão de transferência de local de trabalho deveria ter sido comunicada ao Recorrente, devidamente fundamentada e por escrito, com trinta dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 315.°, ou com oito dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 316.°, e isto apesar do referido acordo precipitado na referida cláusula inserida no referido contrato de trabalho junto a fls. 140 e 141.

  2. - Salvo melhor opinião e apesar da cláusula inserida no referido contrato de trabalho, o artigo supra citado exige à entidade patronal a comunicação prévia, devidamente fundamentada e por escrito e, conforme a factualidade julgada por provada, não foi observado nenhum destes procedimentos por parte da Recorrida, que são cumulativos.

  3. - Consequentemente, o Recorrente entende que o Tribunal a quo, tal como o Tribunal de l.ª instância, deveria ter aplicado e não aplicou in casu o art.° 317.° e ainda os art.s 315.° e ou 316.°, todos do Código do Trabalho, considerando que não foi observado o procedimento legalmente exigido à Recorrida para poder ordenar ao recorrente a mudança do local de trabalho.

  4. - O Tribunal a quo também não soube interpretar correctamente, aplicando ao caso concreto o art. 315.° e ss., do C.T.

    porquanto, a razão do aviso prévio na mudança do local de trabalho e ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo tanto existe caso esta mudança resulte directamente da lei ou de uma qualquer estipulação contratual das partes. Assim, neste caso em que há mobilidade, a exigência de aviso prévio escrito fundamentado aplica-se, sem distinção, aos casos previstos nos art.s 315.° e 316.° do C.T., remissão em bloco feita pelo art.° 317.° do C.T. para tais preceitos.

  5. - Consequentemente, a sanção que foi aplicada ao recorrente na sequência de procedimento disciplinar, nomeadamente a suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias, face ao disposto no art. 374.° do C.T., deve ser considerada abusiva porquanto violou o n.° 1 do art. 374.° do C.T., que o Tribunal a quo não soube interpretar e aplicar in casu.

  6. - A Requerida tinha marcado, antes da suspensão provisória e a definitiva o gozo das suas férias para o mês de Agosto de 2006, mas o Tribunal a quo parece não ter relevado este facto, que também foi provado, e entendeu que...

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